"A crise mostrou como cada Estado é importante para sua nação - como essa instituição nacional é o único porto seguro com o qual os cidadãos contam", escreve Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 16-02-2009.
Eis o artigo.
A crise financeira de outubro de 2008 já se transformou em crise econômica global, todos os países desenvolvidos estão em recessão e a previsão é que seu PIB (Produto Interno Bruto) diminuirá 2% em 2009! A tese do desacoplamento dos países em desenvolvimento foi pelos ares, e em todos aumenta o desemprego. Dividem-se, porém, entre aqueles que rejeitaram a política de "crescimento com poupança externa", ou seja, de incorrer em déficits em conta corrente, não se endividaram; e aqueles que continuaram a acreditar nessa estratégia que seus concorrentes ricos lhes propõem. Os primeiros não estão agora ameaçados por crises de insolvência; já os segundos, entre os quais estão vários países da Europa central, enfrentam agora uma crise redobrada.
A crise financeira se transformou em crise econômica porque o pânico financeiro de outubro de 2008 atingiu os bancos e paralisou o financiamento às empresas, inclusive a mera rolagem das dívidas de empresas sadias; e também porque, diante do pânico bancário, os investidores e os consumidores de cada país suspenderam seus investimentos e seu consumo postergável, e os importadores fizeram o mesmo em relação às importações. Assim, a demanda agregada entrou em queda livre.
Para evitar o agravamento de um quadro gravíssimo, os governos estão procurando aumentar suas despesas, para, dessa forma, restabelecer a demanda agregada e a confiança. Os déficits fiscais deverão, em média, dobrar em 2009. A questão, agora, é saber quais despesas serão as mais eficientes para atingir os dois objetivos. Em relação aos bancos, o Estado, primeiro, elevou a liquidez; em seguida, forneceu recursos para aumento do capital; finalmente comprou ativos sem liquidez ("tóxicos"). Se essas medidas não foram suficientes e o banco continua ameaçado de quebra, o problema é de confiança, e a alternativa de criar um banco "lata de lixo" não resolverá o problema; solução mais econômica será, provavelmente, nacionalizá-los temporariamente. Com isso ninguém estará "implantando o socialismo", mas simplesmente salvando o capitalismo da distorção financeira de que foi vítima. No Brasil, felizmente, não há grandes bancos nessa situação.
Quanto ao estímulo aos consumidores e aos empresários para que voltem a consumir e investir, o governo pode realizar grandes obras de infraestrutura ou aumentar o poder de compra dos consumidores mais pobres por meio de redução de impostos e de mecanismos de transferência de renda. Os dois caminhos estão sendo seguidos (cerca de 50% para cada lado no pacote de Obama), mas a prioridade deve ser dada às transferências para consumo imediato. As obras de infraestrutura tomam tempo para serem planejadas e iniciadas, e, quando feitas às pressas, facilmente se revelam desnecessárias ou superdimensionadas. Já as transferências, como é no Brasil a Bolsa Família, e como são os sistemas de auxílio-desemprego nos países ricos, têm efeito imediato sobre o consumo e fazem a economia voltar a funcionar.
Tanto os aumentos dos gastos do Estado para financiar o consumo das famílias como os investimentos devem ser realizados com cuidado.
Essa crise mostrou como cada Estado é importante para sua nação -como essa instituição nacional é o único porto seguro com o qual os cidadãos contam. Para, entretanto, que assim se mantenha e conserve a confiança dos agentes econômicos, é essencial que não descuide de sua própria saúde financeira.
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