A primeira reação costuma ser de espanto, e é seguida de uma pergunta: como é que os cidadãos do país mais rico do mundo podem chegar a um nível financeiro tão desesperador? Em seguida, surge entre eles próprios a segunda reação: lamentar-se com uma dose de constrangimento misturada à outra de vergonha.
Isso é perceptível até mesmo no jargão oficial do governo.
A reportagem é de José Meirelles Passos e publicada pelo jornal O Globo, 15-02-2009.
Suas estatísticas mostram que hoje uma em cada nove residências é habitada por pessoas com “insegurança alimentar”. Esse passou a ser o termo usado para se admitir, de forma menos chocante, de que se tratam de famílias que chegam a passar fome.
O desemprego crescente — que já atinge a marca de 22,6% em alguns casos — é uma das maiores causas dessa realidade.
Nada menos do que 3,6 milhões de pessoas ficaram sem trabalho desde dezembro de 2007, quando começou a recessão. E a estimativa é que mais dois milhões engrossarão esse contingente até dezembro próximo.
Os chamados “Centros de Carreira”, 2.942 postos federais de treinamento e ofertas de empregos, criados pelo Congresso dez anos atrás, jamais foram tão frequentados como nos últimos meses. Eles passaram a ser definidos como “prontos-socorros” da economia americana:
— O que estamos vendo é um show de horror! – afirmou Lawrend Mishel, presidente do Economic Policy Institute, um centro de pesquisas econômicas de Washington.
Classe média faz bico para enfrentar crise Cerca de 40 milhões de pessoas nos Estados Unidos não têm o suficiente para comer. O número de americanos sobrevivendo graças a cupons alimentares distribuídos pelo governo já ultrapassou pela primeira vez, em novembro passado, a cifra de 30 milhões.
Trata-se, na verdade, de um cartão eletrônico para ser usado unicamente em supermercados e armazéns. Para ter direito a ele, o chefe de família precisa ter uma renda abaixo do equivalente a 130% do índice federal de pobreza (pouco menos de US$ 2.300 mensais para uma família de quatro pessoas).
Só que o cartão compra cada vez menos, apesar de ser ajustado de acordo com a inflação.
O seu valor hoje — US$ 110 mensais — é US$ 64 menos do que seria o necessário para se levar para casa alimentos suficientes para cobrir a dieta básica estipulada pelo Departamento de Agricultura, para uma família de quatro pessoas. Por isso, muitas vão também aos centros de caridade que servem refeições diárias: a procura aumentou 20% nas áreas mais ricas e 40% nas mais pobres.
O aperto está atingindo em cheio inclusive a classe média.
Richard, que tinha um ótimo emprego até dezembro passado, está conseguindo viver sem aquela ajuda — ainda que a um custo que define como igualmente humilhante. Ele era alto funcionário na General Dynamics, firma aeroespacial sediada em Falls Church, vizinha da capital americana, e que também produz submarinos e sistemas avançados de combate para o Pentágono.
Richard, de 56 anos, ganhou o suficiente para comprar uma ampla casa, dois carros importados e até uma lancha. Agora, faz das tripas coração para tentar manter tais bens, ao preço de uma queda vertiginosa em seu padrão de vida: ele agora trabalha à noite — das 22h às 5h — carregando mercadorias em caminhões da UPS, a firma de entregas rápidas.
Dias atrás, ele comemorou o fato de ter conseguido um segundo bico, ainda que seja para trabalhar part time, sem benefícios, no setor que deflagrou a crise financeira: o de hipotecas, no qual se estima que mais dois milhões de casas serão arrestadas este ano.
Ele começou a trabalhar numa financeira, aceitando ganhar comissão (2,5%) que é metade do que a de praxe, para cobrar hipotecas atrasadas durante algumas horas do dia.
— É um trabalho ingrato. Me corta o coração bater na porta das casas e apresentar a cobrança, sabendo exatamente, na própria pele, o sacrifício que as famílias estão fazendo para conseguir sobreviver — disse Richard, praticamente implorando para que seu sobrenome e sua foto não fossem publicados, sob o argumento de que jamais se sentiu tão envergonhado.
Na Califórnia, mais cidades com desemprego alto
Resta saber se o pacote de estímulo econômico de US$ 787 bilhões que o presidente Barack Obama deverá assinar amanhã será suficiente para mudar, pelo menos em parte, a evidente deterioração no padrão de vida dos americanos.
Algo realmente não vai bem quando, de uma lista de 34 cidades onde o índice de desemprego atingiu dois dígitos, 12 são da Califórnia — o estado mais rico dos EUA.
E ali está o recorde nacional: em El Centro, cidade de 40 mil habitantes, onde nasceu a cantora Cher, nas imediações de San Diego, está com nada menos do que 22,6% de desempregados.
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