"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

'Brasil se descolou dos emergentes'. Entrevista com Luiz Carlos Mendonça de Barros

Instituto Humanitas Unisinos - 15/02/09

O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, gestor da Quest Investimentos, não tem medo da palavra "descolamento". Para o ex- ministro das Comunicações e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no governo Fernando Henrique Cardoso, o Brasil "se descolou" da maioria dos demais mercados emergentes e já aparece aos olhos do mercado internacional como alternativa de investimento e como um país que será bem menos afetado do que a média dos seus pares.

A entrevista é de Fernando Dantas e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 15-02-2009.

A tese do descolamento de vários países emergentes em relação à crise dos ricos foi muito discutida desde os primeiros tremores globais, ainda em 2007. Mas, com a catástrofe econômica e financeira, depois da concordata do Lehman Brothers, em setembro de 2008, e o profundo impacto sofrido pelo mundo em desenvolvimento, a ideia tornou-se quase uma heresia.

Eis a entrevista.

Como o sr. vê a situação do Brasil no momento?

Há duas coisas importantes: primeiro, o descolamento do Brasil em relação aos outros emergentes é impressionante. Você vê no câmbio, na Bolsa, no número de vezes que o Brasil é citado, com a China, como país que está numa outra dinâmica. Outra coisa é que o crescimento brasileiro não dependia da demanda de fora. Pelo contrário, o Brasil estava exportando de 2% a 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto) de demanda para fora (crescimento das importações maior que o das exportações). Então, como a demanda lá fora caiu, nós sofremos menos.

O sr. ousa retomar a palavra "descolamento", tão criticada recentemente?

Ah, descolou o Brasil, descolou a China. A China, com toda a queda que vai haver, vai crescer 6%, 6,5%. O Brasil deve crescer 1%, segundo a estimativa da Quest. Mas esse 1% é enganoso porque, se acontecer, quer dizer que já vamos estar crescendo de novo a um ritmo de 4% na virada de 2009 para 2010, dada a queda que está acontecendo antes. Não sei se vai dar 1%, mas, se der, é uma grande recuperação e uma queda de atividade muito curta. Se você olhar os indicadores mais estruturais, o Brasil passou à frente de México, Turquia, África do Sul, dos países do Leste Europeu, e em 2010 deve crescer mais do que esses emergentes.

O que indica que o Brasil está melhor?

A mudança é extraordinária. Hoje, quando se quer falar de cinco economias emergentes importantes, pode estar certo que estamos no meio. A Rússia, por exemplo, se ferrou, até do ponto de vista do comportamento do governo, e não existe mais como alternativa de investimento de gente séria. O México está numa situação muito complicada - a proximidade com os Estados Unidos, que era boa, hoje é um desastre, e há o problema de toda aquela estrutura de barões da cocaína que havia na Colômbia e hoje se transferiu para lá. A África do Sul também tem seus problemas. Já o Chile é sempre citado positivamente, mas é uma butique, não tem a importância do Brasil.

O mercado já reflete esse descolamento do Brasil?

Dá para ver isto no trading relativo de Brasil com Turquia, com México, com países do Leste Europeu (apostas dos mercados de que os indicadores brasileiros vão melhorar em relação aos dos demais países). Em quatro meses, o real se valorizou cerca de 20% ante o peso mexicano. O real se valorizou até contra o won da Coreia, o que está fazendo com que os carros coreanos estejam chegando mais baratos aqui.

E por que o Brasil teria se descolado?

Alguns pecados do passado viraram qualidade: o compulsório elevado, que no fundo não permitiu aos bancos multiplicarem crédito; a taxa de juro elevada, que também segura o endividamento exagerado; o setor público bancário, que, nessa hora, é o que todo mundo está tentando fazer. O BNDES é um exemplo típico. Ele tem uma função, desde que faça as coisas direito. O banco público tem a sua função. Outra diferença é que o governo estava longo (comprado) em dólares, então, quando houve a desvalorização contra o dólar, que foi generalizada, o Brasil acabou incorrendo em lucro, não em prejuízo. A nossa dívida pública, quando comparada com a de outros países, numa perspectiva de um ou dois anos, ficou completamente fora da curva (com uma tendência melhor).

O sr. está soando otimista...

Eu estou otimista, quando se pensa que há instituições já prevendo queda de 5% no PIB mundial este ano. Mas isso não quer dizer que não vamos sofrer com a crise. Por exemplo, o saldo comercial estava sendo importante para financiar a importação, para manter equilibrada a demanda aqui dentro. E é preciso dizer que tudo o que eu falei pressupõe um cenário de tudo o mais constante lá fora, isto é, desde que não haja outra rodada de confusão no exterior, o que é uma probabilidade. Tudo o mais constante quer dizer uma contração do PIB nos Estados Unidos no primeiro e segundo trimestres, mas com o pacote começando a fazer efeito no terceiro. No ano, uma economia americana caindo, mas crescendo, na margem, 1,5% a 2%. São aproximadamente as previsões dos analistas em que mais confio lá fora.

Alguns analistas acham que estamos saindo do fundo do poço e o pior foi em dezembro. Como o sr. vê isso?

Houve uma descontinuidade na produção industrial em outubro, novembro e dezembro. As empresas viram a demanda caindo, ficaram preocupadas e pararam de produzir. Mas a demanda veio mais forte em janeiro, quando a produção de automóvel, por exemplo, recuperou praticamente tudo o que tinha perdido (em relação a dezembro). E, na indústria, na média, eu acho que vai crescer 5%. Agora, isso aqui é um pouco de resposta à descontinuidade anterior. Então, para mim, o nível de atividade este ano, especialmente na indústria, vai ter o seu tom determinado pelo que acontecer em fevereiro e março. As vendas de automóveis, por exemplo, voltaram a cair em fevereiro, mas não para o fundo do poço. Voltou para o meio do poço, digamos assim. E, se tomarmos fevereiro como padrão, a venda no ano pode ser de 25% a 30% pior que o pico anterior, uma queda grande.

O Banco Central foi muito lento para derrubar os juros?

Uma coisa é a gente aqui de fora dando palpite, outra coisa é estar sentado lá. Eu, em tese, achava que podia começar já em dezembro, mas tinha ainda muita insegurança. Agora, ficou claro que o mundo todo está indo para uma deflação. Esse ano não fica muito claro aqui, porque há um carregamento da inflação passada que pesa no IPCA. Mas, você vai ver, quando o pessoal começar a trabalhar para o ano que vem, vamos levar até um susto com a inflação. Acho que vai aparecer uns 3,5% de inflação no IPCA.

Quer dizer que o juro real vai cair?

Eu acho que a gente vai finalmente para um juro real da ordem de 4%, e provavelmente isso vai acontecer entre 2009 e 2010. Este ano ficou um pouco tenso por causa dessa inflação carregada que a gente tem, mas, com tudo o mais constante, não tenho dúvida de que vamos ultrapassar essa fronteira. Já tem muita gente, mesmo do lado mais conservador, falando de 10% de Selic na virada do ano, o que dá uns 5,5% de juro real. Acho que a queda maior virá em 2010.

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