"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quarta-feira, julho 22, 2009

De Arbenz a Zelaya: a Chiquita Inc.[1] na América Latina

Site do Azenha - Atualizado em 20 de julho de 2009 às 21:13 | Publicado em 20 de julho de 2009 às 16:53

Em Honduras, a influência das empresas plantadoras de frutas alcança todas as áreas da vida política e militar do país. Por isso, são chamadas "los pulpos" [os polvos] tantos são os seus longos tentáculos. Não raro, os que não aceitam as imposições das corporações são encontrados mortos nas plantações. Em 1904, O. Henry cunhou a expressão "Banana Republic", para designar a tristemente famosa United Fruit Company e suas ações em Honduras.

17-19/7/2009

por Nikolas Kozloff, em Counterpunch

Traduzido por Caia Fittipaldi

Quando os militares de Honduras derrubaram o governo eleito de Manuel Zelaya há duas semanas, ouviu-se um suspiro de alívio nas salas da Chiquita Inc., grande corporação da plantação e distribuição de frutas. No início de 2009, a empresa, que tem sede em Cincinnati, fez eco às críticas de Dole contra o governo em Tegucigalpa, que aumentara o salário mínimo nacional em 60%. A Chiquita reclamou que as novas leis afetariam seus lucros; que a empresa passaria a gastar em Honduras mais do que na Costa Rica: 20 cents a mais para produzir um engradado de abacaxis e 10 cents a mais, para ser exato, para produzir um engradado de bananas. No total a Chiquita alegou que perderia milhões de dólares por efeito das reformas trabalhistas de Zelaya, dado que a corporação produzia cerca de 8 milhões de engradados de abacaxi e 22 milhões de engradados de bananas por ano.

Imediatamente depois de o novo salário mínimo ser aprovado, a Chiquita procurou apoio junto ao Honduran National Business Council, conhecido pela sigla em espanhol COHEP. Como a Chiquita, o COHEP também estava muito infeliz com o novo salário mínimo aprovado por Zelaya. Amílcar Bulnes, presidente do grupo, imediatamente ameaçou que, se o governo mantivesse o novo salário mínimo, as empresas seriam obrigadas a demitir, o que aumentaria o desemprego no país. Principal organização de empresários de Honduras, o COHEP reúne 60 associações comerciais e câmaras de comércio nas quais estão representados todos os setores da economia de Honduras. (...) Hoje, a opinião do COHEP é que a ONU e a OEA devem enviar observadores a Honduras para que comprovem que o país não suportará sanções. A COHEP apoia o golpe de Estado e o governo de Roberto Micheletti e argumenta que Zelaya não deve voltar ao país, em nome de manter-se a tranquilidade e a paz.

Chiquita: De Arbenz ao "Bananagate"

Não surpreende que a empresa Chiquita procure aliados entre as forças mais retrógradas de Honduras. A Coordinadora Latinoamericana de Sindicatos Bananeros (Colsiba, em http://www.colsiba.org/), que reúne os trabalhadores das plantações de banana na América Latina, tem denunciado que a Chiquita não oferece equipamento de segurança aos empregados e tem-se recusado a assinar acordos trabalhistas coletivos na Nicarágua, Guatemala e em Honduras.

A Colsiba compara as condições de trabalho nas plantações da empresa Chiquita a campos de concentração. É comparação explosiva, à qual não falta boa dose de verdade. As mulheres empregadas nas plantações da Chiquita em toda a América Central trabalham das 6h da manhã às 19h, com grossas luvas de borracha que lhes queimam as mãos. Há trabalho infantil. Os trabalhadores latino-americanos têm tentado denunciar as condições de trabalho impostas pela empresa Chiquita, inclusive a exposição a produtos tóxicos, como o DBCP, pesticida que provoca esterilidade, câncer e defeitos congênitos em bebês.

A Chiquita, sucessora da United Fruit Company and United Brands, tem longa e terrível história política em toda a América Latina. Presidida por Sam “O homem-banana" Zemurray, a United Fruit entrou no negócio de plantar bananas no início do século 20. Zemurray declarou certa vez, em frase que se tornou famosa, que "Em Honduras, gasta-se mais para comprar uma mula, que um deputado do Parlamento." Na década dos 1920s, a United Fruit controlava 650 mil acres da melhor terra de Honduras, praticamente um quarto de toda a terra agricultável. E, ainda mais grave que isso, controlava todas as estradas e vias férreas.

Em Honduras, a influência das empresas plantadoras de frutas alcança todas as áreas da vida política e militar do país. Por isso, são chamadas "los pulpos" [os polvos] tantos são os seus longos tentáculos. Não raro, os que não aceitam as imposições das corporações são encontrados mortos nas plantações. Em 1904, O. Henry cunhou a expressão "Banana Republic", para designar a tristemente famosa United Fruit Company e suas ações em Honduras.

Na Guatemala, a United Fruit financiou e apoiou o golpe militar, feito com participação da CIA, em 1954, contra o presidente Jacobo Arbenz, reformista que havia iniciado um projeto de longo prazo de reforma agrária. A derrubada do governo de Arbenz levou a 30 anos de agitação e guerra civil na Guatemala. Depois, em 1961, a United Fruit emprestou seus barcos para exilados cubanos apoiados pela CIA que tentaram derrubar o governo de Fidel Castro, no que ficou conhecido como "ataque à Baía dos Porcos".

Em 1972, a United Fruit (já sob o novo nome de United Brands) impôs, em Honduras, o governo do general Oswaldo López Arellano. O ditador foi depois substituído, em função de um escândalo de propinas que a United Brands dava a Arellano, que ficou conhecido como "Bananagate". A Corte Suprema acusou a United Brands de subornar Arellano com 1,25 milhão de dólares, suborno acrescido de outro 1,25 milhão, quando o governo reduziu as taxas de exportação de frutas. Durante o Bananagate, o presidente da United Brands morreu, no que se suspeita que tenha sido suicídio, ao cair de um arranha-céu em Nova York.

O "go-go" nos anos Clinton e a Colômbia

A United Fruits também tem negócios na Colômbia, onde age com igual violência há praticamente o mesmo tempo. Em 1928, 3.000 trabalhadores entraram em greve, exigindo da empresa melhor salário e melhores condições de trabalho. A empresa, inicialmente, se recusou a negociar; mais tarde, cedeu a algumas reivindicações secundárias e declarou que as demais seriam "ilegais" ou "impossíveis". Quando os trabalhadores recusaram-se a abandonar a praça onde estavam reunidos, os militares atiraram e mataram centenas.

A Chiquita jamais alterou profundamente qualquer de suas políticas trabalhistas. Mas as coisas tornaram-se ainda mais difíceis no final dos anos 90s, quando a empresa aliou-se a grupos paramilitares de direita. Sabe-se que essas milícias receberam da Chiquita mais de um milhão de dólares. Em sua defesa, a empresa declarou que pagava para receber proteção, aos paramilitares.

Em 2007, a Chiquita pagou 25 milhões de dólares como multa, condenada em processo investigado pelo Departamento de Justiça dos EUA, relacionado àqueles pagamentos a milícias e paramilitares. A Chiquita é a única empresa, em toda a história dos EUA, que foi condenada por manter negócios e relações financeiras com organização identificada como "organização terrorista".

Em processo movido contra a Chiquita, vítimas da violência dos paramilitares declararam que a empresa continua a patrocinar todo o tipo de atrocidades, inclusive o terrorismo, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. O advogado das vítimas declarou que o relacionamento entre a empresa Chiquita e os paramilitares "já mostrava sinais claros de produção, distribuição e venda de banana sob regime de terror."

Em Washington, Charles Lindner, presidente da Chiquita, jamais deixou de cortejar a Casa Branca. Lindner sempre foi dos maiores doadores para as campanhas eleitorais dos Republicanos; em certo momento, passou a doar prodigamente também para os Democratas, então empenhados em eleger Bill Clinton. Clinton agradeceu-lhe fazendo de Lindner principal assessor militar do governo de Andrés Pastrana, que presidia então uma Colômbia em que proliferavam os esquadrões da morte. Ao mesmo tempo, os EUA dedicavam-se à implementação de sua agenda neoliberal, de governo pelas corporações econômicas, estratégia que sempre fora defendida por Thomas “Mack” McLarty, amigo de infância de Clinton. McLarty já servira como Enviado Especial para a América Latina. É figura intrigante, à qual voltaremos nos parágrafos seguintes.

A conexão Holder-Chiquita

Considerado o passado da Chiquita na América Central e na Colômbia, não surpreende que a empresa tenha-se aliado à COHEP em Honduras. Além, contudo de unir-se às associações de empresários lobistas hondurenhos, a Chiquita também mantém relações com os mais poderosos escritórios de advocacia de Washington. Segundo o Centro de Defesa da Política com Responsabilidade, a Chiquita pagou 70 mil dólares por serviços de lobby ao escritório Covington & Burling nos últimos três anos.

O escritório Covington & Burling é conhecido por prestar serviços de assessoria a multinacionais. Eric Holder, atual Procurador Geral, que foi co-coordenador geral da campanha de Obama e foi representante do Procurador Geral no Congresso no governo de Bill Clinton foi sócio do escritório até há pouco tempo. O mesmo Holder, quando ainda sócio de C & B, cuidou da defesa da Chiquita quando a empresa foi processada pelo Departamento de Justiça. Em sua sala luxuosa, na nova sede de C & B, a alguns metros do prédio do New York Times em Manhattan, Holder preparou Fernando Aguirre, presidente da Chiquita, para uma entrevista ao programa "60 Minutos" sobre os esquadrões da morte colombianos.

Holder aconselhou o presidente da Chiquita a reconhecer que a empresa foi culpada do crime de "envolver-se em transações com uma específica organização terrorista". Ao mesmo tempo, o advogado, que recebeu mais de dois milhões de dólares como honorários, conseguiu montar com a Corte um acordo 'de irmãos', pelo qual a Chiquita pagaria uma multa de 25 milhões de dólares, parcelados em cinco anos. E nenhum dos executivos acusados que aprovaram todos os pagamentos ao grupo terrorista seria condenado a prisão.

O estranho 'Caso Covington'

Se se examina um pouco mais a fundo essas relações, logo se descobre que o escritório C & B representa a Chiquita e, além disso, opera como uma espécie de elo de conexão pelo qual passam vários movimentos que, todos, visam a impor uma política de direita 'linha dura' na América Latina. É aliança antiga, que já existia no tempo de Kissinger (e de sua ação no Chile, em 1973) e inclui outro escritório, McLarty Associates (sim, do mesmo Mack McLarty dos governos Clinton), empresa que também vendo serviços de consultoria estratégica internacional.

De 1974 a 1981, John Bolton também trabalhou no escritório C & B. Como Embaixador dos EUA na ONU durante o governo Bush (pai), Bolton foi inimigo feroz dos movimentos de esquerda na América Latina, por exemplo na Venezuela. E recentemente, John Negroponte assumiu como vice-presidente do escritório Covington & Burling. Negroponte é ex-representante do Secretário de Estado no Congresso, foi diretor do Serviço Nacional de Inteligência e representante dos EUA na ONU.

De 1981 a 1985, Negroponte foi embaixador dos EUA em Honduras; e teve papel de destaque no apoio aos "Contra" que conspiravam para derrubar o governo sandinista na Nicarágua. Grupos defensores de direitos humanos várias vezes denunciaram Negroponte por ignorar crimes cometidos pelos esquadrões da morte hondurenhos, os quais, como depois se descobriu, eram treinados pela CIA. De fato, no período em que Negroponte serviu como embaixador em Honduras, a embaixada em Tegucigalpa tornou-se uma das maiores bases da CIA na América Latina (o número de funcionários decuplicou).

Até o presente, ainda não há provas que liguem a Chiquita Inc. e seus executivos ao golpe de Estado em Honduras. Mas aí estão, reunidos, vários peso-pesados dos negócios-e-política, todos muito suspeitos, em quantidade suficiente para justificar que as investigações prossigam. Seja o COHEP, seja o escritório Covington & Burling, seja Holder ou Negroponte ou McLarty, a Chiquita Inc. sempre teve amigos poderosos que jamais apreciaram as políticas trabalhistas progressistas do governo Zelaya em Honduras.

[1] "Chiquita Brands International Inc.", nova denominação da "United Fruit Company". Sobre o conglomerado – maior distribuidor de frutas para os EUA –, ver http://en.wikipedia.org/wiki/Chiquita_Brands_International ou o website de propaganda, em http://www.chiquita.com/

* Nikolas Kozloff é autor de Revolution! South America and the Rise of the New Left Palgrave-Macmillan, 2008). Mantém um blog em senorchichero.blogspot.com


O artigo origimal, em inglês, pode ser lido em:

http://www.counterpunch.org/kozloff07172009.html

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