"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, julho 21, 2009

Piratas do Sion: Obama perdeu o barco

Site do Azenha - Atualizado e Publicado em 18 de julho de 2009 às 09:22

por Alan Sabrosky, Alarab Online, Londres

Tradução: Caia Fittipaldi

O "Espírito da Humanidade"[1]

A evidência de que Israel abordou e capturou em águas internacionais o barco "The Spirit of Humanity", barco desarmado e carregado de suprimentos, alimentos e remédios para a atormentada população de Gaza, comprova que a pirataria de Estado é perigo real hoje. É mais uma violência contra as leis internacionais que se soma à folha corrida dos crimes de um Estado bandido [orig. rogue State] que, como Netanyahu reconheceu há algumas semanas, não é país igual aos demais. Mas a abordagem e captura desse navio foi também um modo de Netanyahu testar a determinação de Obama – teste no qual Obama fracassou, para seu descrédito e sua vergonha.

"O passado é prólogo"[2]

Não é a primeira vez que Israel pratica esse tipo de crime. Não há quem consiga chegar a Gaza e que não se sinta horrorizado pela destruição e pelo sofrimento que lá se vê. Gaza foi virtualmente reduzida a ruínas durante o selvagem ataque israelense de dezembro de 2008, há seis meses – massacre que foi comemorado no Congresso dos EUA e pelo governo Bush e sobre o qual Obama, já presidente eleito, não se manifestou. Todo o sofrimento em Gaza, antes e depois do massacre, é resultado do bloqueio que Israel impôs em Gaza, que reduziu o fluxo de comida, água e artigos de primeira necessidade e, depois do massacre de dezembro, impede qualquer trabalho de reconstrução.

Parte decisiva dessa política de estrangulamento é o bloqueio naval que Israel impôs no litoral de Gaza, com interceptação, remoção ou captura de vários pequenos barcos que tentavam levar socorro humanitário à população de Gaza. A captura absolutamente ilegal do barco "The Spirit of Humanity" foi relativamente pouco violenta, se comparada a outros casos – os israelenses impediram o avanço do barco e cercaram-no em águas internacionais, à noite; bloquearam todo o equipamento eletrônico de navegação e prenderam tripulação e passageiros entre os quais vários cidadãos norte-americanos. Em outros eventos semelhantes, os barcos foram alvejados, com clara intenção de fazê-los naufragar (como em dezembro de 2008) ou a tripulação foi espancada e torturada (como em fevereiro de 2009). Israel sempre nega ter feito o que fez e repete que estaria interceptando armas – como se as mudas de oliveiras que o "The Spirit of Humanity" transportava fossem mísseis camuflados.

O portento presente[3]

O bloqueio israelense no litoral de Gaza viola a lei internacional, é claro; é crime abordar barco civil em águas internacionais sob ameaça de armas – assim como é crime o tratamento que Israel dá à população que vive em Gaza. Não há dúvida quanto a isso, motivo pelo qual Israel jamais facilitou qualquer operação internacional de investigação – nem quando a comissão da ONU encarregada da investigação foi chefiada por jurista judeu (nascido na África do Sul), com credenciais impecáveis. Israel, como todos os Estados culpados em toda a história, resiste a ver suas ações oficialmente expostas. Para Israel, ter na gaveta a maioria dos votos no Congresso e a maior parte dos jornais e jornalistas dos EUA significa jamais ter de explicar coisa alguma ou pedir perdão.

O caso do barco "The Spirit of Humanity", porém, parece ser diferente e mais grave. Não se trata apenas de Israel ter praticado ato de pirataria e de a pirataria ser crime. Trata-se também de Israel ter agredido alguns dos princípios que norteiam toda a tradição dos EUA como protetores da liberdade e defensores da inviolabilidade dos cidadãos norte-americanos nos mares.

Algumas das primeiras vitórias históricas da Marinha dos EUA, há duzentos anos, quando a República Americana estava nascendo, foram vitórias contra piratas no Norte da África. Recentemente, a Marinha dos EUA combateu também os piratas somalis. Além disso, o próprio Obama, para Israel, continua a ser uma espécie de esfinge não decifrada – nem tanto pelo que fez, porque, de fato, nada fez contra Israel (Israel continua a receber todo o dinheiro e todas as armas que sempre recebeu dos EUA), mas, mais, por não ter deixado transparecer, até agora, o que realmente pensa sobre Israel. Não há dúvida de que Israel decidiu testar Obama. O teste foi o ataque ao barco "The Spirit of Humanity".

Os EUA sabiam oficialmente que o barco estava a caminho de Gaza e que havia cidadãos norte-americanos embarcados. Os EUA também sabiam que os barcos-patrulha de Israel (barcos de guerra) estavam a caminho para interceptar o "Spirit"; e sabiam, afinal, que a interceptação aconteceria em águas internacionais. Os EUA sempre souberam que Israel não poria em ação barcos de guerra para, depois, simplesmente os mandar retroceder; o retorno às bases é ação que Israel só ordenaria (se ordenasse), sob pressão dos EUA. Depois de os barcos armados de Israel terem iniciado a abordagem e o assalto ao "Spirit", a única questão aberta era se o "Spirit" seria saqueado e talvez afundado, ou invadido para capturar passageiros e tripulação: qualquer outra via de ação dependeria de haver clara intervenção dos EUA.

Se Obama estivesse seriamente decidido a alterar o papel dos EUA na Região e a dinâmica do conflito, ali estaria o momento perfeito para agir. Bastaria ter telefonado a Netanyahu, e o ataque teria sido abortado e não haveria norte-americanos prisioneiros em Israel.

Um único destróier dos EUA ou uma fragata da 6ª Frota, com ordens para garantir o cumprimento da lei internacional e proteger o "The Spirit of Humanity" e cidadãos norte-americanos em águas internacionais, teria bastado, com folga. Confronto aberto com um navio de guerra dos EUA não interessaria às patrulhas israelenses, custar-lhes-ia danos e abriria uma lata de vermes políticos que a ninguém interessa que o público norte-americano conheça. De fato, é pena que não tenha acontecido exatamente assim.

Pena ou não, não aconteceu. Obama manteve-se em silêncio, exatamente como durante o massacre de Gaza (talvez esteja escrevendo novo livro "Perfis em Silêncio"); a 6ª Frota nada fez; o mundo assistiu a mais um ato bem-sucedido de pirataria israelense e violação de leis internacionais. Netanyahu e Lieberman devem estar às gargalhadas. Menos felizes, hoje, devem estar os cidadãos norte-americanos abandonados pelo governo Obama numa prisão israelense. E infelizes também, como há tanto tempo, certamente, os palestinos oprimidos.

Que futuro?
O sofrimento de Gaza tem de ter fim, mas é preciso que o mundo dê-se conta de que nada se pode esperar dos EUA, pelo menos por hora. Obama talvez tenha boas intenções, fala bem, diz belas palavras, mas suas políticas pesam menos a cada dia e mentem aos palestinos. Talvez os crimes de Israel sejam excessivos para serem enfrentados só por Obama. O mais provável é que Obama seja politicamente impotente para o serviço que a Palestina espera dele. Se outro país, que não Israel, tivesse feito aqui e em Gaza o que Israel fez contra o "Spirit of Humanity", Obama provavelmente teria respondido como a um ato de guerra, ou, pelo menos, teria feito o que a Otan fez à Iugoslávia nos anos 1990s. Mas não Israel, não agora e com certeza não, havendo na Casa Branca mais um presidente pró-Israel.

* Alan Sabrosky, graduado pelo US Army War College e pela University of Michigan, é há dez anos veterano da Marinha dos EUA.

Notas:


[1]Nome do barco que levava alimentos e remédios para a população palestina confinada no ghetto de Gaza e que foi abordado por soldados de Israel dia 30/6, com sequestro de 21 pessoas de 11 países que nele viajavam. Para saber mais, ver, por exemplo http://www.islamtimes.org/vdce.o8fbjh8ezk1ij.html.

2]Orig. "What's past is prologe" é frase de "A tempestade", Shakespeare; está gravada sobre a entrada principal do prédio do Arquivo Nacional dos EUA, em Washington.
[3]Orig. "Present portent" são as palavras que Horácio usa para referir-se ao fantasma do pai de Hamlet, como 'aviso' de que há desgraça a caminho (em "Hamlet", Shakespeare).

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