por Gilson Caroni Filho, em Carta Maior
Falta de seriedade e má-fé não costumam dar bons resultados em profissão alguma. Em jornalismo, a união das duas "qualidades" costuma ser fatal. Se, de um lado, agrada ao leitor militante, aquele para quem a informação serve apenas para reiterar sua visão de mundo biliosa, de outro, põe em xeque a existência da própria imprensa como principal instância de visibilidade da vida pública. A justeza dessas observações parecem não preocupar os editores de O Globo. Pelo menos, os de política e economia.
Em sua edição de quinta-feira, 16 de julho, no alto da página 3, encontramos um artiguete que parece reforçar a tese de que a procura de isenção deve começar reunindo tudo o que houver de mais parcial, distorcido e tendencioso. A verdade, nas grandes redações, costuma estar escrita em código na mentira deslavada.
Intitulado “Ato falho", o pequeno editorial destila raiva e descontextualização. Serve puramente como pretexto para o jornalismo de campanha. Um vale-tudo que, ao contrário da luta que leva esse nome, não tem quaisquer impedimentos, sendo permitidas cotoveladas, cabeçadas e, principalmente, barrigadas. O objetivo primário é suprir a ausência de discurso organizado da oposição, animando o seu eleitor com critérios de análise baseados no denuncismo vazio.
Vamos ao texto do Globo: "Embalado pelo clima de comício que tem acompanhado suas incursões pelo país, Lula saiu em defesa da Petrobras, supostamente ameaçada de privatização."(...) Esse paquiderme agora é nosso". Pode ser simples menção ao slogan pela criação da estatal na década de 50- "o petróleo é nosso"- ou um ato falho derivativo do poder que sindicatos passaram a ter na empresa desde 2003. Por ironia, este aparelhamento é que significou uma privatização, só que em benefício de pequenos grupos de militantes sindicais e de partidos aliados ao Palácio"
No desdobramento do raciocínio do editor, o que há de plausível? O que vem a ser o “aparelhamento" que freqüenta as páginas do jornal com a mesma assiduidade que as louvações ao mercado e das contumazes críticas à ineficiência do Estado? Se o termo se refere a loteamento, entre militantes do partido e políticos da base aliada, de cargos estratégicos na administração da Petrobras, seria interessante uma matéria dominical que demonstrasse a existência de fisiologismo no fato de funcionário de carreira de uma empresa estatal ter preferência partidária. E mais: que essa preferência atropele planos de carreira ou premie a incompetência.
Seria o caso de perguntar em que governo o Globo viu a administração pública ser ocupada por burocratas ideais weberianos? No de Fernando Henrique Cardoso que vendeu 36% das ações da Petrobrás, que pertenciam à União Federal, na bolsa de Nova Iorque, por cerca de US$ 5 bilhões, sendo que hoje elas valem mais de 120 bilhões? A excelência administrativa consiste, como foi feito no governo tucano, em manipular a estrutura de preços dos derivados do petróleo em benefício das distribuidoras?
Uma empresa “não aparelhada" é aquela que descumpre acordo de aumento de salários e reprime o movimento de sindicalistas com forças do exército? A boa gestão é a que quebra o monopólio estatal do petróleo? O modelo ideal é aquele em que a Petrobrás descobria bacias de petróleo e o investimento era transferido para o exterior através dos criminosos leilões da ANP?
Os artiguetes do Globo e a CPI da Petrobrás têm o mesmo objetivo. Além de interesses eleitorais, visam a destruir a empresa vista por Sérgio Mota, ministro e amigo de FHC, "como um paquiderme que consumia US$ 9 bilhões em importações, prejudicando a balança comercial e a sociedade brasileira". Segundo ele, caberia a David Zylbersztajn, então diretor da ANP, desmontar "osso por osso" a estatal. Essa é a missão que mobiliza quadros políticos do consórcio demo-tucano. Além da sobrevivência política, esse é o eixo das perorações de Arthur Virgílio, Álvaro Dias e Demóstenes Tôrres, entre outros representantes da direita figadal. Não é por outro motivo que os jornais se empenham em investigar “irregularidades inadmissíveis.”
O que está em jogo é o destino de uma empresa que hoje está em quarto lugar entre as 200 maiores do mundo. Some-se a isso um futuro marco regulatório que, segundo o presidente Lula,"irá balizar o setor e evitará que outros governos tentem "privatizar" o insumo e conceder sua exploração a empresas privadas" e surge a noção exata do paquiderme que incomoda o entreguismo.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
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