Entrevista da Folha com José Francisco Soares, do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) sobre um tema relevante. A educação precisa de indicadores. Mas precisa também de educadores que saibam avaliar os índices e tirar lições para a melhoria do ensino (clique aqui).
É uma avaliação não dogmática dos mitos escolares.
Um dos sofismas mais utilizados é sobre salários de professores:
1. Tem escolas que pagam menos para professores e têm melhor desempenho.
2. Logo o salário do professor não é relevante.
É a típica correlação malandra. É evidente que o fator que levou ao melhor desempenho não foi a redução do salário do professor. E é evidente que um professor melhor remunerado (e mais exigido) vai render mais do que um professor sub-remunerado.
Soares passa muito bem por esses mitos, assim como sobre o mito de que indicadores não são relevantes.
Escolas não aproveitam bem a avaliação de desempenho
Análise da atuação das instituições deve se tornar mais relevante do ponto de vista pedagógico, diz pesquisador
DA ALFABETIZAÇÃO ao ensino médio, o Ministério da Educação criou e aprimorou nos últimos 15 anos vários instrumentos de diagnóstico da qualidade do ensino. Essas avaliações fornecem um importante retrato da educação brasileira, mas seus resultados não estão chegando adequadamente às escolas e ajudando diretores a tomar decisões em seu dia-a-dia.Esta é a opinião de José Francisco Soares, do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que acaba de lançar, em parceria com Nigel Brooke -outro pesquisador de ponta na área-, o livro "Pesquisa em Eficácia Escolar" (Editora UFMG). (ANTÔNIO GOIS, da Sucursal do Rio)
O pesquisador alerta também que o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), um dos instrumentos mais utilizados pelos pais para avaliar as escolas, esconde deficiências ao não relacionar a média final com o nível socioeconômico dos alunos. Com isso, escolas particulares se destacam em relação às públicas pelo fato de terem alunos de famílias de maior renda e escolaridade. Porém, na opinião de Soares, elas também não cumprem bem sua função. No livro recém-lançado, ele e Brooke reúnem os principais estudos empíricos que, desde a década de 60, tentam responder a uma questão que até hoje aflige gestores e pesquisadores: o que torna uma escola eficaz? É esse o tema que perpassa a entrevista com Soares.
Trechos:
JOSÉ FRANCISCO SOARES - Esse foi um dilema histórico que retratamos no livro. Logo após a publicação do relatório de James Coleman [de 1966, feito para o governo norte-americano e apontado como estudo pioneiro sobre o tema], duas visões pessimistas surgiram sobre o papel da escola.
Uma era de direita e influenciada pelas conclusões do próprio relatório [que mostrava que o nível socioeconômico dos alunos era o mais importante fator]. Outra, de esquerda e com maior repercussão no Brasil, era inspirada no sociólogo francês Pierre Bourdieu, que via a escola como reprodutora das desigualdades sociais.
Houve, depois, uma reação a essas visões pessimistas em estudos que procuraram demonstrar que a escola pode ser eficaz e fazer diferença para o aluno.
Hoje, já aceitamos o fato de que a escola, sozinha, não vai mudar drasticamente as condições de todos os alunos que chegam com nível socioeconômico muito baixo. É bobagem achar que a exclusão cultural a que uma criança é submetida não vai impactá-la, mas isso não pode significar que essa criança não é educável.
Se você tem um aluno de nível socioeconômico baixo, mas que está matriculado numa escola que o desafia, ele vai avançar mais do que se estivesse em outro ambiente. Temos vários exemplos de escolas que, na mesma rede de ensino, com iguais recursos e atendendo alunos com perfil semelhante, têm resultados fantasticamente diferentes em avaliações.
FOLHA - Quais evidências são consensuais nos estudos sobre o que torna uma escola eficaz?
SOARES - Há uma série de fatores, mas, se eu tiver que citar um único, diria que o mais importante é ter uma rotina pedagógica. Cada professor tem que ter clareza do que e de como ensinar. Onde estão os melhores resultados no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) em 2007? No interior de São Paulo, onde várias redes utilizam sistemas de ensino que, infelizmente ou felizmente, são externos.
Eles compram [de grupos privados] material pedagógico que coloca na mão do professor um cronograma bem definido do que vai ser ensinado, quando e como.
Não acho que um país como o Brasil deva ter apenas um método pedagógico. Defendo que cada escola possa escolher um sistema, mas o que não dá é para não ter nenhum, o que, infelizmente, é o padrão no nosso caso.
FOLHA - Quando as avaliações começaram a ser utilizadas no Brasil, houve resistência em aceitar suas conclusões?
SOARES - As faculdades de educação tinham um discurso pronto. Primeiro diziam que vivíamos numa ditadura e, por isso, não tinha como a escola funcionar. Depois foi o neoliberalismo.
Com a implementação em 1995 do Saeb [Sistema de Avaliação da Educação Básica], passamos a ter dados para comparar escolas e, com humildade, buscar respostas a partir dos dados. Projetos pedagógicos que eram tidos como revolucionários se mostraram pouco eficazes.
A avaliação também teve o efeito importante de mostrar para todos que o que buscamos é a criança aprender. A idéia de resultados é estranha para o professor. O discurso das faculdades sempre foi centrado no professor, mas as avaliações ajudaram a reforçar a idéia de que é o aluno o mais importante e é direito dele aprender.
FOLHA - Por outro lado, muitos educadores se queixam de pesquisas que, a partir de análises estatísticas, chegam com fórmulas prontas a serem aplicadas pelas escolas.
SOARES - Esse é realmente um problema sério. Muitos resultados de avaliações passaram a ser utilizados de forma pouco produtiva.
A escola é feita de uma interação de muitos fatores que se correlacionam e cuja evidência empírica não é tão sólida, por exemplo, como a que explica um fato econômico. Não dá para fazer com a escola a mesma análise que se faz na economia.
Há estudos empíricos que mostram, por exemplo, que o tamanho das turmas e o salário dos professores não têm impacto significativo no desempenho dos alunos. Com base nisso, vamos então falar para a sociedade pagar R$ 500 ao professor e montar turmas com 40 alunos?
FOLHA - Mas o senhor concorda que salário ou o tamanho da turma não faz tanta diferença?
SOARES - No caso brasileiro, não dá para defender turmas com 40 alunos. Dá até para dizer que baixar de 25 para 12 não fará tanta diferença, pois, se você reduzir drasticamente o tamanho das turmas, terá que contratar mais professores, e esses novos professores provavelmente não serão tão preparados.
Com isso, os resultados não serão os esperados. Não se deve pegar um fator isolado a partir de um estudo e daí criar uma política pública.
Também é preciso considerar que nas periferias de grandes cidades é importante ter turmas e escolas menores, pois é preciso, sim, um atendimento mais individualizado, de preferência em tempo integral.
Se você pega um aluno com problemas de comportamento e joga numa escola com 2.500 alunos e turmas grandes, será muito mais difícil trabalhar com ele.
Sobre salário, há vários exemplos de escolas ou cidades que, mesmo pagando menos, apresentam resultados melhores. Defendo, no entanto, que o salário aumente para podermos recrutar melhor quem vai dar aula.
Mas concordo com a idéia de que não dá para pagar mais com o tipo de organização e legislação que existe hoje na escola pública. A educação precisa de mais recursos para remunerar melhor seus profissionais, mas vamos ter que incluir nessa negociação a exigência de que a criança aprenda.
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