Não é apenas a indústria de petróleo brasileira que se encontra em um momento de grandes decisões, a nossa indústria nuclear também se vê diante de escolhas cruciais para o futuro do país.
Como no mundo da energia não existe bala perdida, vale a pena acompanhar determinados movimentos que ocorrem, relativamente, desapercebidos, em áreas estratégicas para o nosso desenvolvimento tecnológico e industrial.
Tramitou discretamente no Congresso Federal uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 171, de 2007), de autoria do deputado Rogério Lisboa (DEM – RJ), que propunha mudar o marco legal da exploração de Urânio no Brasil.
A PEC 171 acrescentava um parágrafo único ao artigo 21, e mais um parágrafo ao artigo 177, da Constituição Federal, de forma a permitir que empresas privadas pudessem atuar na pesquisa e lavra de minérios nucleares e seus derivados, “flexibilizando” o monopólio da União.
A proposta de emenda argumentava que depois de muito tempo estagnado, o mercado de urânio havia tido um aquecimento significativo nos últimos anos. Assim, o preço desse energético, que girava em torno de 8 a 12 dólares por libra, havia alcançado 137 dólares por libra no ano passado, sendo que as análises dos especialistas indicavam que esses preços continuariam a subir.
De acordo com a mesma argumentação, o Brasil detinha a sexta maior reserva de urânio do mundo, embora apenas 25 % do seu território tivesse sido prospectado.
Diante disso, analistas sugeriam que, caso fosse aprovada a flexibilização do monopólio na exploração do urânio, a companhia Vale do Rio Doce e outras mineradoras poderiam exportar até 100 mil toneladas por ano, o que se traduziria em algo em torno de seis bilhões de dólares/ano.
O destino da PEC 171 foi decidido pela Câmara dos Deputados em Maio deste ano, segundo a Agência Câmara informa:
“A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania rejeitou na ultima quarta-feira (14) [14 de Maio de 2008] a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição 171/07, do deputado Rogério Lisboa (DEM-RJ), que acaba com o monopólio da União na exploração do urânio e abre o mercado de pesquisa e lavra de minérios e minerais nucleares para empresas privadas. O parecer do deputado Felipe Maia (DEM-RN), favorável à proposta, foi rejeitado pela comissão, que indicou novo relator, o deputado José Genoíno (PT-SP), cujo parecer foi pela inadmissibilidade da PEC. Com a rejeição, a proposta será arquivada.
Genoíno considerou que a PEC violaria os princípios constitucionais da soberania e da independência nacional. Para ele, as implicações estratégicas, de defesa e ambientais aconselham que se mantenha o atual monopólio da União no controle dos minérios radioativos. O deputado lembrou que a exploração desses minérios exige grande fiscalização e controle por parte do Estado, devido aos potenciais riscos que apresenta.”
No desenrolar doa acontecimentos, no dia 12 de julho, o jornalista Ricardo Noblat publicava no seu blog a seguinte nota:
“Eike pode virar o barão do urânio
Da coluna Informe JB:
O homem mais rico do Brasil pode vir a ser o mais poderoso se investir num projeto apresentado a ele por um interlocutor bem relacionado na política. Envolve a criação de uma "Petrobras do Urânio", como é considerada no grupo liderado pelo economista José Carlos de Assis – consultor próximo de Luciano Coutinho, presidente do BNDES. José Carlos é presidente do Instituto Desemprego Zero, ao qual deve se dedicar daqui para a frente.
Assis e Eike conversaram sobre isso há 10 dias. O empresário mostrou-se animadíssimo. A idéia é unir a Nuclep e as Indústrias Nucleares do Brasil, aproveitar o projeto de enriquecimento do urânio, da Marinha – cujo processo ainda não é 100% – acelerar essa produção e oferecer o produto a outros países, via empresa mista (51% estatal e o restante com ações de Eike ou minoritários). Acontece que há no Planalto e no Congresso um grupo que não quer isso nas mãos de Eike. São tubarões concorrentes que também desejam a privatização das reservas.”
A quebra do monopólio da União na pesquisa e lavra do urânio e a articulação da cadeia produtiva do nuclear são decisões que envolvem o planejamento estratégico do país. Deve-se lembrar que o Brasil faz parte de um grupo seleto de países que controlam a tecnologia de enriquecimento do urânio. Nesse sentido, pode vender o urânio em natura ou almejar vendê-lo enriquecido; portanto, agregando muito mais valor ao produto.
O mercado de urânio tem sofrido mudanças profundas nos últimos anos, com atores importantes verticalizando-se com o objetivo de controlar a cadeia do combustível nuclear. A questão fundamental aqui é como o Brasil, com suas reservas e sua tecnologia, irá se inserir neste movimento que tem uma natureza global.
Por outro lado, a articulação do programa de expansão da geração nuclear brasileiro com a nossa indústria de bens de capital e com o aprofundamento do nosso desenvolvimento tecnológico nessa área permite sinergias importantes entre as políticas energética, industrial e tecnológica.
Essas decisões estratégicas no front nuclear poderão abrir novos espaços de valorização do capital extremamente generosos; o que fatalmente irá gerar uma forte disputa por eles tanto dentro do Governo quanto na arena política.
Dessa maneira, é provável que assistamos a grandes disputas econômicas e políticas no campo da energia que vão mais além do pré-sal.
Nesse sentido, quem quiser entender o que está acontecendo no atual quadro de disputa pelo poder no Brasil deve afastar a visão do tiroteio atual e mirar mais longe. A disputa atual não se dá em torno das riquezas passadas, como foi o caso da privatização dos anos 1990s, mas das riquezas futuras. Não se trata de se apropriar de ativos já existentes, mas de espaços de valorização do capital muito mais amplos do que aqueles da década passada.
Meus amigos, o que está em disputa é o futuro. Futuro que o Financial Times e a The Economist, equivocados ou não, afirmam que é promissor para o país. Se o Brasil tem a oportunidade de se tornar uma potência, o pau hoje é para saber quem a comandará e quem irá auferir as riquezas advindas desse controle.
O resto, como de hábito, é fruto da nossa forma peculiar de discutir as grandes questões nacionais, enfatizando o secundário e escondendo o essencial.
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