Encontrar o petróleo no fundo do mar foi o primeiro passo. Agora vem a parte mais difícil: superar o desafio tecnológico para extraí-lo de maneira economicamente viável.
A reportagem é de Sérgio Teixeira Jr. e publicada na revista Exame, 21-08-2008.
Do potencial de produção à profundidade em que se encontram os reservatórios de petróleo, a exploração dos campos do pré-sal será um dos maiores desafios tecnológicos já enfrentados no Brasil — e certamente um dos mais caros também. Estima-se que somente o desenvolvimento do campo de Tupi custe cerca de 20 bilhões de dólares.
A complexidade da operação para encontrar e extrair a enorme riqueza mineral do fundo do mar é comparada por alguns com a exploração do espaço. “Com a diferença de que, para chegar à Lua, o homem precisou vencer apenas uma atmosfera e, para atingir o pré-sal, é preciso vencer 100”, diz, sorrindo, Celso Morooka, especialista em engenharia de materiais e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Em tom de brincadeira, Morooka costuma usar essa comparação para mostrar a seus alunos as condições extremas de pressão em que os equipamentos têm de trabalhar. Mas, em termos das múltiplas disciplinas envolvidas e dos desafios técnicos que ainda não foram superados, comparar a exploração do pré-sal com a corrida espacial talvez não seja um exagero tão grande assim — e, até onde se sabe, ninguém volta do espaço com petróleo.
O trabalho de exploração começa muito antes de alguém sujar as mãos de graxa. Com base em informações geológicas iniciais, é realizado um esquadrinhamento do fundo do mar. O trabalho é feito com navios especializados, que fazem uma espécie de ultra-som da região. Esse levantamento sísmico dá origem a centenas de gigabytes de informação bruta. Tudo é jogado em computadores, máquinas cada vez mais importantes no mundo do petróleo, para gerar imagens tridimensionais do que está no fundo do mar e decidir, com o maior grau de precisão possível, qual é o ponto ideal para fazer as primeiras perfurações. “A economia trazida pelos computadores é brutal”, diz José Luís Drummond Alves, do Laboratório de Métodos Computacionais em Engenharia (Lamce), da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O aluguel diário dos equipamentos que vão fazer a perfuração inicial, o poço que vai servir para comprovar a existência de petróleo e sua qualidade, custa cerca de 500 000 dólares. No mundo do petróleo em águas profundas, tempo é muito dinheiro.
Não é por outro motivo que o maior supercomputador do país, batizado de Netuno, foi montado justamente para ajudar nos cálculos envolvidos na modelagem do oceano e das correntes, duas variáveis fundamentais no planejamento de estruturas que precisam se manter em operação ao longo de décadas. Composto de 256 servidores com oito núcleos de processamento cada um, o Netuno é capaz de realizar 16,2 trilhões de cálculos por segundo, o que o coloca no 138o lugar na mais recente lista dos computadores mais poderosos do mundo.
Mas o poder computacional é apenas parte do trabalho de análise geológica, segundo o professor Alves, do Lamce. “De nada adianta ter as imagens se você não tiver pessoas aptas para interpretá-las.” O time de caçadores de petróleo da Petrobras também inclui 1 800 pessoas, entre engenheiros, analistas de sistemas e alguns dos geólogos mais bem pagos do país. Dois anos podem se passar entre os primeiros estudos e a decisão de ir a campo fazer o primeiro poço submarino.
A Petrobras tem em seus quadros alguns dos maiores especialistas do mundo em exploração em águas profundas e é reconhecidamente uma das empresas líderes nessa modalidade de produção de petróleo. Mesmo assim, ainda existem desafios técnicos de extrema complexidade a resolver antes de começar a exploração comercial da área do pré-sal.
Um dos mais importantes diz respeito à composição geológica dos terrenos que serão perfurados. Além de vencer uma lâmina d’água de 2 000 metros de profundidade, é preciso ultrapassar uma camada de 2 quilômetros de rochas e terra e depois pelo menos outros 2 quilômetros de sal. Em altas profundidades e submetida a uma pressão intensa, essa última camada tem um comportamento incomum. “O sal tem características fluidas, o que dificulta muito a perfuração”, diz José Formigli, gerente de exploração da Petrobras para a área do pré-sal.
Ele mostra a EXAME uma rocha toda perfurada, emoldurada numa redoma plástica e marcada com uma plaquinha comemorativa. “O pré-sal é assim.” Um poço de petróleo no fundo do mar não é um buraco vertical, mas sim um caminho milimetricamente desenhado para obter o maior rendimento possível. “Um dos desafios é como mudar a direção das brocas sem causar um colapso nas paredes do poço”, afirma Formigli. Um detalhe: o ponto mais profundo da perfuração, por onde o petróleo vai começar sua viagem de 6 quilômetros até a superfície do oceano, tem somente entre 10 e 10 centímetros de diâmetro, e uma das maiores preocupações dos engenheiros é manter afastados os riscos de desmoronamento.
A saúde dos poços é uma das maiores preocupações na exploração de petróleo. Todos os sinais vitais são acompanhados em tempo real e chegam à superfície por um cabo de dados, conhecido como cordão umbilical. As informações são acompanhadas tanto na plataforma como em terra. Dados os custos envolvidos e a importância de que toda a operação tenha eficiência máxima, toda e qualquer informação que possa ser recuperada tem valor. “É como um doente na UTI”, diz Alves, do Lamce. A automatização também permite cortar o tamanho das equipes que trabalham em alto-mar. Formigli, da Petrobras, estima que no pré-sal as equipes terão apenas metade do tamanho das que hoje trabalham nas plataformas em atividade na Bacia de Campos, por exemplo.
Outro gargalo tecnológico envolve os dutos que conectam os poços às unidades de produção na superfície. Conhecidos como risers, esses dutos precisam ser construídos para durar pelo menos 20 anos, que é o tempo mínimo de produção de uma unidade em alto-mar. Além disso, eles devem ser leves, pois seu peso é carregado pelo navio ou pela plataforma a que estiverem conectados, e, finalmente, têm de resistir a anos de correnteza e corrosão, um problema especialmente agudo nas áreas recém-descobertas devido à presença de dióxido de enxofre.
“Eu diria que esse é hoje um dos grandes obstáculos técnicos para a exploração dos novos campos”, diz o professor Celso Morooka, da Unicamp. Embora empresas estrangeiras tenham bastante experiência em águas profundas no mar do Norte e no golfo do México, as características únicas do litoral brasileiro exigem soluções novas. Numa conta rápida, Morookarisers em um único projeto. “Calcule que cada metro desse duto custe uns 1 000 dólares. Estamos falando de um valor de 3 milhões de dólares por riser. Cada plataforma pode ser conectada a qualquer coisa entre 20 e 50 risers. Ou seja, estamos falando em até 150 milhões de dólares em um único componente da operação.” estima o custo dos
Esse é outro ponto essencial para entender a aventura do pré-sal. Mesmo que muitas das tecnologias sejam dominadas pela Petrobras e por outras grandes petroleiras internacionais, a simples escala de todo o petróleo que se suspeita existir na costa sudeste do Brasil é um complicador. As estimativas do tamanho total dos campos do pré-sal variam de 40 bilhões a 80 bilhões de barris — qualquer que seja o número correto, ele é grande demais.
Com o barril cotado acima de 100 dólares, o negócio do petróleo passou por uma reviravolta nos últimos meses. Áreas do planeta que eram consideradas economicamente inviáveis voltaram a despertar interesse, e a produção de plataformas e navios de alto-mar não acompanhou a demanda. Os equipamentos são enormes — uma única plataforma pode pesar 63 000 toneladas e custar mais de 400 milhões de dólares —, e o ciclo da indústria é necessariamente longo.
Estaleiros sul-coreanos, como Samsung, Daewoo e Hyundai, três dos maiores produtores mundiais desse tipo de equipamento, não dão conta de atender aos novos pedidos. A americana Transocean, uma das maiores fornecedoras de equipamentos de extração em alto-mar, não espera normalização do mercado nos próximos cinco anos. Os preços de locação desses equipamentos quadruplicaram nos últimos anos. A possibilidade de exploração também nas águas geladas do Ártico, ferrenhamente defendida pelo presidente americano, George Bush, certamente vai aumentar a temperatura do mercado. A aventura do pré-sal promete fortes — e caríssimas — emoções.
Nenhum comentário:
Postar um comentário