Desigualdade econômica e social é marca da região metropolitana. Modelo concentrador faz de Curitiba ilha de excelência cercada de IDHs e PIBs baixos.
A reportagem é de Rosana Félix e José Carlos Fernandes e publicada no jornal Gazeta do Povo, 01-09-2008.
Os 26 municípios que unidos compõem a região metropolitana de Curitiba estão bem separados em termos de riqueza e assistência social. A riqueza média por habitante e o acesso aos serviços de saúde são dois itens que variam de níveis excelentes a péssimos em regiões que não são mais do que 20 quilômetros distantes umas das outras.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade com o menor Produto Interno Bruto (PIB) percapita da região é Piraquara, com R$ 3.648. A cidade dista apenas 21 quilômetros da capital, que tem uma riqueza média por habitante de quase R$ 17 mil. O PIB per capita dos moradores de Piraquara também é 16 vezes menor do que o de Araucária (R$ 61,2 mil), favorecido pela presença de uma refinaria em seu território.
Em toda a RMC, há 9.492 leitos hospitalares. O mínimo recomendado pelo Ministério da Saúde é de 7.807. Mas a divisão é esquizofrênica. Excetuando a capital, a região não consegue cumprir com a meta do ministério. O governo do estado não informa a situação de cada município, por considerar que eles não devem ser observados isoladamente. Mas, consultando os dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do ministério, sabe-se que nos municípios de Adrianópolis, Agudos do Sul e Campo Magro, não há nenhum leito. Isto é, não há hospitais para atender as 37 mil pessoas que moram nessas três cidades.
Mesmo em municípios com situação financeira mais folgada e altíssima integração com Curitiba, como Fazenda Rio Grande – a 25 quilômetros da capital –, o cobertor da saúde é curto. A reportagem da Gazeta do Povo acompanhou uma tarde no Hospital Nossa Senhora Aparecida e pôde constatar a roda-viva em que se transformou o setor na região metropolitana. Ao lado do sistema de transporte deficitário, o atendimento médico é retrato do apartheid entre a cidade grande e suas vizinhas.
Nos últimos três anos, o PIB de Fazenda aumentou três vezes. Mas não foi o bastante para curar a dependência do município em relação à capital. O Nossa Senhora Aparecida tem 40 leitos e opera com medicina de baixa complexidade. Num mundo perfeito, o município teria 30 leitos de UTI – número compatível com seus 110 mil habitantes. Mas depende da Central de Leitos, administrado por Curitiba, para encaminhar pacientes graves. O sistema, segundo consta, flui bem em casos de amputação, traumas e AVCs. Mas emperra na fila da UTI. “Chega a ser desesperador”, admite o diretor da instituição, o médico Guilherme Motta, 29 anos, ao relatar a morte de duas crianças à espera de UTI pediátrica.
Em companhia de sua equipe, Motta apresenta o problema visto do lado de lá de BR-116. A Central de Leitos é um instrumento legítimo, concorda o grupo, mas naufraga no modelo concentrador do sistema de saúde, cuja estrutura mora em Curitiba. Seria razoável, não fosse um senão. A região metropolitana se multiplicou, mas a divisão dos recursos continua a mesmo de três décadas atrás.
Curitiba desacelerou seu crescimento populacional, o que não acontece com as vizinhas próximas. Enquanto aqui a taxa é de 1,8% ao ano, em Fazenda, Piraquara, Colombo e outros oscila entre 5,2% e 8% ao ano. A capital hoje corresponde a pouco mais da metade de toda a gente da RMC. Mas ainda recebe 80% dos recursos da saúde. A péssima divisão do bolo poderia ser contornada com a regionalização da saúde e com uma reformulação da Central de Leitos.
A segunda opção é a mais barata, porém, esbarra num mal de raiz. Os hospitais locais estão lotados. Quando abre uma vaga na UTI, as necessidades do próprio centro médico são as primeiras a serem supridas, jogando os municípios vizinhos para o fim da fila. Curitiba tem informação privilegiada no sistema. A verba, contudo, vem para toda a RMC, não apenas para a capital. O assunto, claro, desperta paixões. É só se imaginar sendo continuamente passado para trás por um fura-filas profissional. “Como é que quando alguém diz que paga, a vaga aparece?”, pergunta a administradora Adriane Jorge.
Em Fazenda Rio Grande, na última quarta-feira, a maringaense Menair Andrade, 61 anos, tentava, em vão, entender o que estava acontecendo. Seu irmão, Luís Darcy Moreira, estava há cinco dias esperando um leito de UTI. Ele tem problemas respiratórios crônicos e pneumonia. “Curitiba é tão grande, com tantos hospitais. Será que não tem um para meu irmão? É de se questionar.”
O engenheiro civil Antônio Wandscheer, 58 anos, prefeito de Fazenda Rio Grande e presidente da Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Curitiba (Assomec), defende com urgência um consórcio para a saúde, a exemplo do que acontece parcialmente no setor de transportes e gestão do lixo. “Ninguém descobriu ainda uma receita para uma gestão metropolitana. Os interesses das cidades são muitos e muito diferentes. As diferenças enormes. E temos de enfrentar o egoísmo de cada gestor municipal. Sugiro começar pelo problema que nos une – a saúde”, propõe.
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