O dólar continua sendo a única moeda verdadeiramente universal, mas há quem queira uma mudança na nova ordem econômica. Como fez Pequim no G8.
A reportagem é de Federico Rampini, publicada no jornal La Repubblica, 14-07-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A China terá sucesso onde a Europa falhou, isto é, no redimensionamento da hegemonia monetária dos Estados Unidos? "O dólar é a nossa moeda, mas o problema é de vocês". Essa frase foi pronunciada em 1971 por John Connally, secretário do Tesouro dos EUA, quando o governo Nixon decidiu separar o dólar da paridade com o ouro e precipitou o mundo em uma década de hiperinflação, taxas nas alturas e tempestades financeiras.
É uma frase que nenhum dirigente norte-americano ousa pronunciar hoje, mas que reflete fielmente o dilema em que a China, principal credora dos EUA, se encontra. Em 1971, a Europa era o principal alvo dessa frase arrogante. Quanto mudou, desde então até hoje, a posição de sua majestade, o dólar?
Muito menos do que se podia esperar. O dólar continua sendo a única moeda verdadeiramente universal, pelas duas funções que desenvolve fora dos EUA.
A primeira função é a de meio de pagamento. Grande parte do comércio mundial continua sendo pago em dólares, mesmo quando se trata de petróleo vendido pela Arábia Saudita à Índia, isto é, dois países que, teoricamente, poderiam muito bem decidir regular suas transações bilaterais em rupias indianas ou talvez em euro ou em francos suíços.
Segunda função é a de "depósito de moeda". Dois terços das reservas de valor dos bancos centrais são em dólares. E também uma quantidade relevante da riqueza privada dos europeus, dos asiáticos, dos árabes e dos latino-americanos é investida em dólares. Essa centralidade era perfeitamente lógica em 1944, quando, na conferência de Bretton Woods, foi projetada a ordem econômica internacional em vista do fim da Segunda Guerra Mundial.
A América de Roosevelt tinha, então, uma supremacia absoluta, no campo econômico, político, militar. Abusou dela, pelo menos do ponto de vista monetário, quando começou a imprimir dólares exportando a sua inflação para o resto do mundo: antes, com a Guerra da Coreia, depois com a Guerra do Vietnã. É o que pode acontecer, no futuro, por efeito dos gigantescos déficits públicos acumulados em Washington com as manobras antirrecessão.
A instabilidade monetária aberta em 1971 deu um impulso poderoso ao projeto europeu de criação de uma moeda única: tratava-se sobretudo de proteger o mercado único europeu de choques monetários exógenos. Quando não existia o euro, as flutuações brutais do dólar desestabilizavam também a paridade de câmbio entre o marco alemão, a lira italiana, o franco francês. O euro protegeu o intercâmbio comercial entre os países da União desse choque.
Mas não foi capaz de desafiar o papel do dólar nas trocas com outras áreas do mundo (Ásia, America Latina, África); muito menos no campo financeiro, onde só o dólar continua tendo o status de moeda universal, ao ponto que dois terços dos dólares em circulação são mantidos no exterior. A razão: a dimensão superior dos mercados financeiros norte-americanos e a sua notável liquidez.
Agora, um novo desafio à liderança universal do dólar foi lançado pela China. A proposta chinesa de uma "moeda global" que substitua o dólar como instrumento de reserva, lançada em março pelo G20 em Londres, foi reforçada no G8 de L'Aquila.
A China usa a recessão global para colocar em discussão velhas hierarquias e relações de força. Como os mercados financeiros sabem perfeitamente como a China é importante como adquirente de títulos públicos norte-americanos e, portanto, como é crucial a confiança dos líderes asiáticos no dólar, essa saída contém uma ameaça implícita.
É a primeira vez na história que um presidente norte-americano, ao definir a sua política fiscal, foi obrigado a levar em consideração um "vínculo externo" que está em Pequim, fornecendo promessas à China sobre a solubilidade de longo prazo do Tesouro norte-americano.
A ideia chinesa foi expressada pelo governador do Banco Central, Zhou Xiaochuan. Zhou defende que a recessão mundial atual "reflete vulnerabilidade e riscos sistêmicos no sistema monetário internacional". Em sua opinião, um dos modos para se enfrentar no futuro a repetição de turbulências financeiras graves é a criação de uma moeda de reserva "desligada de nações individuais e capaz de permanecer estável em longo prazo, eliminando assim os defeitos inevitáveis das moedas nacionais".
A substituição do dólar como moeda de reserva é um projeto de longo prazo, para o qual o governador Zhou deu sugestões concretas. Em primeiro lugar, propôs que seja alargada a cesta de moedas que compõem os direitos especiais de saque. A seguir, os Estados deveriam confiar em gestão uma parte das suas reservas de valor ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
Criado em 1969 como uma cesta de quatro moedas (hoje são dólar, euro, libra esterlina e yen), os direitos especiais são usados até hoje apenas como unidade de conta e nas operações do FMI. A ideia chinesa de instituir uma moeda global não é nova (Keynes pensou nisso em Bretton Woods, em 1944, depois a ideia foi retomada pelo general Charles De Gaulle e enfim pela Opec), mas muda de sinal porque vem de uma superpotência com o peso da China: seja pelas dimensões de sua economia, seja pelo seu papel de credora de última instância dos EUA.
Agora, a China multiplica os acordos bilaterais com a Índia, Rússia, Brasil, Argentina. Nesse clube, já se abandona o dólar para passar para pagamentos bilaterais com as moedas nacionais.
É natural que isso ocorra. Basta pensar que a China substituiu os EUA como primeiro parceiro econômico do Brasil.
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