"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, julho 17, 2009

Desdobramentos da crise

Blog do Luis Nassif - 15/07/09

A desalavancagem é um processo doloroso e ainda mal começou.

Depois da tempestade

Martin Wolf
15/07/2009

A parte boa

(…) Comecemos, contudo, pelas boas notícias. A crise financeira, como se define estritamente, acabou: os mercados acionários estão em alta; a liquidez volta aos mercados; os bancos conseguem levantar capital; e os spreads extremos vistos em 2008 nos mercados financeiros desapareceram. Quando enfrentado com força, o pânico acaba. O compromisso das autoridades para resgatar o sistema financeiro em frangalhos não teve precedente. E teve os resultados almejados.

O pior da crise econômica também está passando. Como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) destacou em seu Panorama Econômico mais recente, “pela primeira vez desde junho de 2007, as projeções [...] foram revisadas para cima na região da OCDE como um todo em comparação com a edição anterior”. Da mesma forma, o FMI atesta em seu mais recente Panorama Econômico Mundial que “o crescimento econômico durante 2009/10 agora é projetado em cerca de meio ponto porcentual acima da previsão do FMI em abril, atingindo 2,5% em 2010″.

Tal virada nas previsões é indicador de uma recuperação iminente. Isso se sobressai claramente a cada mês nas previsões gerais para 2010. A melhora das projeções pode ser vista nos Estados Unidos, Japão e Reino Unido, embora, de forma preocupante, não na região do euro. As previsões sobre a China mostram grande resiliência. A confiança na Índia também está em ascensão.

A parte pendente

Precisamos, entretanto, contextualizar essas notícias, ainda que bem-vindas. O pior da crise financeira pode ter ficado para trás, mas o sistema financeiro continua subcapitalizado e sobrecarregado com um fardo, ainda desconhecido, de ativos duvidosos. Também está longe de ser um sistema financeiro verdadeiramente “privado”. Ao contrário, é sustentado por escoras maciças dos contribuintes, implícitas e explícitas. A probabilidade de problemas na estrada mais à frente é próxima a 100%. (…)

As previsões gerais mais recentes de crescimento para os países de alta renda em 2010 estão bem abaixo do potencial. Isso, contudo, também ocorre em um momento no qual as estimativas de “lacunas de produção” (ou capacidade ociosa), reconhecidamente incertas, estão em níveis extremos. Para este ano, a OCDE estima que estão em 4,9% do PIB potencial nos EUA, 5,4% no Reino Unido, 5,5% na região do euro e 6,1% Japão.

Tendo em vista as previsões de crescimento modesto, a capacidade ociosa será maior no fim de 2010 do que no deste ano. Os riscos para a inflação - ou melhor, riscos de deflação - são evidentes. Também o são as chances de maior aumento no desemprego. Alinhado a isso, a “taxa de equilíbrio” da inflação implícita nos bônus do Tesouro dos EUA convencionais e nos indexados pela inflação voltou a cair para perto de 1,5%. A histeria de junho com o aumento do rendimento dos bônus convencionais parece absurda.

Por trás da capacidade ociosa e dos aumentos maciços nos déficits fiscais está o desaparecimento dos consumidores de altos gastos, sobretudo dos EUA. (…)
Em 2007, o setor privado dos EUA gastou 2,4% do PIB além da renda. Em 2009, a OCDE sugere que gastará 7,9% do PIB abaixo da renda. Essa mudança gigantesca em direção à prudência - há muito defendida pelos críticos e tão pouco apreciada agora que realmente chegou - explica em grande parte a passagem para déficits fiscais: entre 2007 e 2009, uma mudança de 10,3% do PIB no equilíbrio do setor privado entre renda e gastos foi compensado por uma piora de 7,3% do PIB fiscal e uma melhora de 3% do PIB no déficit em conta corrente. Mesmo assim, essa compensação fiscal não evitou uma forte recessão.

A prudência do setor privado deverá continuar em um mundo pós-bolha caracterizado por montanhas de dívidas. No quarto trimestre de 2008 e primeiro de 2009, a captação de empréstimos pelos consumidores dos EUA foi ligeiramente negativa. No fim do primeiro trimestre deste ano, no entanto, a taxa de dívidas brutas dos consumidores em relação ao PIB era apenas 2% menor do que no fim de 2007. A desalavancagem é um processo doloroso e ainda mal começou.

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