Reunidos em La Paz para comemorar os 200 anos do que muitos historiadores consideram ter sido a primeira tentativa de independência de uma colônia sul-americana do então império espanhol, presidentes de esquerda da região afinaram o discurso — e, durante alguns momentos, até as vozes para cantar juntos canções tradicionais — de que é preciso lutar para conquistar uma segunda independência, desta vez dos Estados Unidos. Líderes como o venezuelano Hugo Chávez, o equatoriano Rafael Correa e o paraguaio Fernando Lugo tiraram o dia para fazer críticas diretas aos golpistas de Honduras, e veladas ao presidente colombiano, Álvaro Uribe.
A notícia é do jornal O Globo, 17-07-2009.
O anfitrião da reunião, o presidente boliviano Evo Morales, foi o mais loquaz nas comparações entre o colonialismo do início do século XIX e o que chamou de imperialismo americano atual. Ele se fixou na presença de tropas dos EUA em países do continente, e chegou a dizer que o golpe em Honduras só ocorreu com o apoio de Washington, apesar da imediata condenação da deposição do presidente Manuel Zelaya por parte de Barack Obama.
— Não é possível que neste milênio haja grupos militares que dependam do Comando Sul dos EUA — disse Morales, referindo-se a uma das subdivisões das Forças Armadas dos EUA que agem fora do país.
— Esta dependência das Forças Armadas da América Latina tem que acabar.
Morales fez sérias acusações contra Uribe, sem mencionar seu nome:
— Um político que aceita uma base militar dos EUA é um traidor de sua pátria.
A declaração foi uma referência ao colombiano, que ontem defendeu um acordo militar com os EUA que permitiria que os americanos utilizassem três bases na Colômbia. Uribe afirmou isso dois dias antes de os militares dos EUA abandonarem uma base no Equador.
— Obter acordos com países como os EUA para que, respeitando a Constituição colombiana, a autonomia da Colômbia, ajudem-nos nesta batalha contra o terrorismo, contra o narcotráfico, é conveniente para o país — disse ele.
Os demais presidentes convidados para a cerimônia de La Paz que marcou os 200 anos da chamada Revolução de Julho de 1809 — um marco na luta pela independência da Bolívia, que só ocorreu realmente em 1825 — também repetiram o discurso anti-imperialista. Todos falavam de uma “segunda independência”.
— Hoje, 200 anos depois da primeira independência, estamos em plena batalha, e nada nem ninguém poderá interromper este caminho, por mais que haja impérios que ameaçam — disse Chávez.
O primeiro presidente a chegar a La Paz para a comemoração foi o equatoriano Correa, que desembarcou na capital boliviana durante a madrugada de ontem. De tão empolgado, ele chegou a ser ouvido cantando, em dueto com Chávez, a canção venezuelana “Alma llanera”, durante o jantar dos presidentes. “Sou irmão da espuma, das garças e das rosas”, cantaram.
— Os povos da América Latina hoje lutam, irmanados, por nossa segunda e definitiva independência.
O paraguaio Lugo foi o menos enfático em suas declarações:
— Queremos que nossas nações fomentem a unidade, a integração, a equidade e a igualdade para uma vida genuinamente independente.
Os festejos na Bolívia ocorrem em meio à polêmica criada por Morales, que, segundo historiadores, está realizando um trabalho de revisionismo para fins políticos. Em 1809, um grupo da elite crioula (brancos de ascendência espanhola nascidos na América), liderado por Pedro Domingo Murillo, realizou a Revolução de Julho, uma declaração de independência que acabou não durando muito tempo.
Porém, Morales tenta modificar o significado da data, afirmando que o movimento de 1809 foi somente um desdobramento de levantes de tribos indígenas em 1781 — algo que os historiadores afirmam terem sido apenas eventos isolados contra a repressão, e não tinham como objetivo a independência do país.
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