"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sábado, julho 18, 2009

O transporte sobre pneus é cruel

Instituto Humanitas Unisinos - 17/07/09

"Todo mundo gosta do discurso do transporte sobre trilhos, ou seja, trens, metrôs e bondes, mas ninguém quer abrir mão do transporte individual e muito menos implementar medidas como o pedágio urbano ou outras ações que possam inibir o uso do automóvel", constata Marcus Quintella, doutor em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ, mestre em Transportes pelo Instituto Militar de Engenharia, considerado um dos principais especialistas em transportes urbanos. Professor da FGV e do IME, em artigo publicado pela Revista Plurale e reproduzida pela Agência Envolverde, 16-07-2009.

Marcus Quintella é atualmente Diretor Técnico da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU).

Eis o artigo.


As cidades brasileiras utilizam pessimamente seus espaços públicos e seus cidadãos aceitam passivamente o domínio do modo rodoviário, principalmente do automóvel, que é utilizado e incentivado cada vez mais, tanto pelos governantes, que não oferecem transporte público abrangente, integrado e de qualidade, como pelo modelo econômico vigente, que facilita e apóia fortemente a indústria automobilística, por meio de incentivos fiscais e tributários e linhas de financiamento atraentes para os consumidores de todas as classes sociais.

O resultado desse quadro todo mundo conhece: acidentes, congestionamentos, alto consumo de derivados de petróleo e álcool, poluição sonora e atmosférica, stress, perdas de tempo e baixa qualidade de vida para a população das cidades.

Como os números não mentem, vou tomar como exemplo a cidade de São Paulo, que possui uma frota sob pneus de 6,2 milhões de automóveis particulares, meio milhão de motocicletas, 33 mil táxis e 8 mil ônibus, para uma população de pouco mais de 10 milhões de habitantes. Dessa frota, 3,8 milhões automóveis circulam diariamente pelas vias da cidade, com uma taxa média de ocupação de 1,2 pessoas por veículo, indicando que há um domínio do transporte individual.

A capital paulista possui cerca de 17 mil km de vias urbanas, das quais apenas 4,5 mil km, ou seja 26%, são cobertas pelas linhas de ônibus e lotações, sem contar os 110 km de corredores exclusivos para ônibus. A CET-SP monitora 550 km do sistema viário da cidade, que, nas horas de pico, registra diariamente, em média, 100 km de vias congestionadas, sendo que, nos dias mais complicados, esse número pode chegar a 200 km.

Nas vias paulistanas, as ocorrências de trânsito, ou seja, atropelamentos de pedestres e ciclistas, colisões entre veículos e acidentes com motos, são responsáveis pela morte de mais de 2,5 mil pessoas, anualmente. Esse número corresponde a cerca de 8% das mortes em acidentes de trânsito em todo o país, podendo ser considerado um gravíssimo caso de saúde pública. A cada 3 horas e meia, em média, morre uma pessoa em decorrência do trânsito de São Paulo.

A frota paulistana de veículos responde por 70% da poluição da cidade e, mais ou menos, 9 pessoas morrem diariamente em decorrência dessa poluição, em sua maioria crianças e idosos.

Em suma, a situação está caótica em São Paulo, com viés de piora, visto que a cada meia hora entra em circulação um carro nas vias da cidade e, conseqüentemente, as dificuldades de deslocamentos e mobilidade urbana se agravam. Então, qual seria a solução para São Paulo, assim como para as demais grandes cidades brasileiras, que padecem do mesmo mal, guardadas as devidas proporções? Vou responder com a mesma resposta de sempre: a única solução é o transporte sobre trilhos como espinha dorsal do sistema de transporte urbano.

Espero que essa resposta passe a ser consenso no meio político e encontre apoio irrestrito dos governantes e da sociedade. Na verdade, todo mundo gosta do discurso do transporte sobre trilhos, ou seja, trens, metrôs e bondes, mas ninguém quer abrir mão do transporte individual e muito menos implementar medidas como o pedágio urbano ou outras ações que possam inibir o uso do automóvel.

Para o leitor ter idéia do que estou falando, a maior metrópole da América Latina possui apenas 60 km de linhas de metrô e 265 km de trens metropolitanos, enquanto a Cidade do México e Nova Iorque possuem, respectivamente, 220 km e 1.016 km, somente de linhas de metrô. Apesar de transportar mais de 3 milhões de passageiros, diariamente, o sistema metroferroviário de São Paulo deixa a desejar e precisaria de, pelo menos, mais 200 km de novas linhas, para atender sua população com dignidade e respeito. Isso vale para as demais metrópoles brasileiras, cujas populações seguem sofrendo com seus precários e cruéis sistemas de transporte público.

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