A pouco mais de um mês da posse de Barack Obama na presidência dos Estados Unidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta criar, no continente, uma espécie de Alca sem a presença dos americanos e dos canadenses e com a participação de Cuba. O projeto se chama "Cúpula da América Latina e do Caribe sobre Integração e Desenvolvimento (Calc)" e será lançado no dia 16, na praia de Costa do Sauípe, na Bahia.
A reportagem é de Cristiano Romero e publicada pelo jornal Valor, 11-12-2008.
Segundo o Ministério das Relações Exteriores, 29 chefes de Estado, dos 32 convidados, já confirmaram presença, inclusive, o presidente do Equador, Rafael Correa, que se envolveu num incidente diplomático com o Brasil depois de recorrer a uma corte internacional para suspender o pagamento de dívida de seu país com o BNDES.
Liderada pelos EUA, a "Cúpula das Américas", que lançou as negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) em 1994, reunia 34 países do continente, com exceção de Cuba. Agora, com a Calc, a diplomacia brasileira quer que, sob a liderança de Lula, as nações americanas tenham uma "agenda própria", isto é, que não seja imposta pelos EUA.
"Trata-se de uma iniciativa inédita. É a primeira vez que os 33 países discutirão temas comuns a partir de uma agenda própria", definiu o diretor do Departamento de Aladi e Integração Regional do Itamaraty, Paulo França. O diplomata disse que não se trata de fazer um contraponto à liderança dos EUA. "(A Calc) não é contra o projeto de um país determinado. Tem uma agenda positiva."
A idéia da Calc foi lançada pelo presidente Lula em fevereiro deste ano. Desde então, foram realizadas reuniões de chanceleres para definir o formato e a agenda do encontro e de "altos funcionários" dos países para preparar o projeto da declaração conjunta que dará o tom do encontro ao fim da cúpula. Até agora, não se chegou a um consenso quanto ao teor da declaração. Amanhã e no sábado, esses funcionários voltarão a se reunir para tentar fechar o texto.
Segundo França, a agenda da Calc tratará da integração dos 33 países frente às crises financeira, alimentar, energética e da mudança climática. Os temas comerciais não serão prioritários. "Vamos chegar, com a Calc, ao livre-comércio? Não é esse o espírito", disse. "Já há vários acordos comerciais na região. Há densidade de relações. A idéia é aprofundá-las."
Além do livre-comércio, estão fora da agenda da Calc temas como a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde o Brasil almeja ter um assento. A aspiração brasileira é rejeitada por pelo menos dois países latino-americanos - Argentina e México. "(A Calc) não pode ter questões muito específicas", justificou França, acrescentando que, neste momento, a prioridade é intensificar o diálogo dos mecanismos regionais já existentes, como o Mercosul, a Unasul, o Caricom, a Can, a Sica, a Aladi e a Alba.
Numa demonstração da disposição em marcar independência em relação aos EUA, ao fim da Calc, no dia 17, haverá uma reunião extraordinária do Grupo do Rio para anunciar a entrada de Cuba - o presidente Raul Castro já teria confirmado presença na cúpula. Esse grupo, que reúne 19 países da América Latina e do Caribe, foi criado em 1986 com o objetivo de buscar soluções diplomáticas para conflitos nas Américas.
A reunião da Calc ocorrerá em meio a outros encontros de cúpula, na Costa do Sauípe. Além da reunião do Grupo do Rio, agendada para o dia 16, nos dias 15 e 16 haverá a 36ª Cúpula do Mercosul. No dia 16, ocorrerá também a reunião da União das Nações Sul-Americanas (Unasul).
Na cúpula do Mercosul, os quatro integrantes do bloco (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai), acompanhados da Venezuela, cujo ingresso definitivo depende ainda da aprovação de paraguaios e brasileiros, tentarão fechar a negociação para o fim da cobrança dupla (ou múltipla) da Tarifa Externa Comum (TEC). Atualmente, um produto importado pelo Paraguai da China, por exemplo, paga a TEC na entrada e na reexportação para outros países do bloco. Na prática, essa cobrança inviabiliza a exportação.
Em 2004, os países do Mercosul decidiram acabar com o problema, mas a implementação da medida esbarrou em vários obstáculos. "A eliminação da dupla cobrança exige um sistema de certificação de origem mais moderno do que aquele que temos hoje. Exige também uma interconexão entre as aduanas, com consulta em tempo real sobre a entrada de produtos nos mercados do bloco", explicou Bruno Bath, chefe do Departamento de Mercosul do Itamaraty.
Na reunião, os membros do bloco tentarão regulamentar a decisão sobre a dupla cobrança e analisar as "perdas aduaneiras" que os países terão na implementação da medida. Além disso, vão discutir a criação de um código aduaneiro para harmonizar os procedimentos de importação. "Será a terceira tentativa de se aprovar isso", informou Bath, acrescentando que há obstáculos legais do ponto de vista de cada país. A expectativa é aprovar a criação do código e implantá-lo em quatro etapas, de acordo com os níveis tarifários.
A cúpula do Mercosul servirá também para sacramentar a criação do Fundo de Garantia para Pequenas e Médias Empresas. Esse fundo terá US$ 100 milhões e ajudará a financiar empresas fornecedoras de cadeias que promovam a integração produtiva no bloco. Durante a cúpula, será criado ainda um foro para debater a harmonização tributária no Mercosul. Dos quatro países do bloco, o Brasil é o que tem o regime tributário mais distinto dos demais.
Um tema que poderá surgir durante o encontro é o aumento da TEC para determinados produtos, como fios têxteis, móveis e artefatos de couro (reivindicação da Argentina), além de produtos lácteos (Brasil). O governo brasileiro, segundo o diplomata, não levantará o tema na reunião. Paralelamente à cúpula, os chanceleres debaterão o "impacto social" da crise internacional, deverão aprovar a criação do Instituto Social do Mercosul - um "Ipea social" - e lançar um "plano de ação social", voltado para replicar na região experiências bem-sucedidas de combate a problemas sociais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário