“L'Uomo artigiano” [O Homem artesão, em tradução livre] é o novo livro do estudioso norte-americano Richard Sennett. Nele, o autor expõe uma figura do trabalho considerada extinta. Mas que tem os contornos pós-modernos dos produtores do sistema operativo Linux.
A reportagem é de Benedetto Vecchi, publicada no sítio Il Manifesto, 27-11-2008. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Se o “A corrosão do caráter” (Ed. Record, 2004) concluía com um capítulo que abordava o “trabalho em equipe”, julgando-o como a última fronteira do controle e da “corrosão do caráter” da força-trabalho, a nova obra sobre o Homem artesão de Richard Sennett propõe a figura do artesão para responder à alienação que caracteriza a organização do trabalho no “capitalismo flexível” (Editora Feltrinelli, tradução de Adriana Bottini, p.320, 25 euros). O estudioso estadunidense não acredita, de fato, que o trabalho em equipe e o “just in time” permitem, como sustentam ao contrário os seus defensores, a recomposição das tarefas, encerrando assim a era da divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual. Defende, ao contrário, que a produção em massa, independentemente de como é organizada, seja fundada na separação entre projeção e execução, entre pensar e fazer. Para Richard Sennett um trabalho analisado pela recomposição entre projeção e execução, entre pensar e fazer deve ser buscado na vasta comunidade de programadores “open source, chegando à conclusão de que esses produtores de software são a encarnação contemporânea da figura do artesão”.
Os animais de Hannah Arendt
É dessa convicção que começou um projeto de estudo que deveria fornecer uma radiografia nítida assim como uma análise pontual sobre as formas de ação social que caracterizam exatamente o capitalismo flexível. A publicação de “O Homem artesão” deve, por isso, ser considerado como o primeiro de três ensaios sobre as estruturas da ação social, apesar de que Richard Sennett nunca se deixa levar por uma grade de análise funcionalista, nem está muito interessado em evidenciar as ambivalências de alguns processos sociais, como, ao contrário, um dos decanos da sociologia norte-americana, Robert K. Merton, gostava de fazer e que dedicou ao artesão um dos capítulos da sua obra maior, “Teoria e estrutura social”. E é com o estilo elegante comum e todavia circunstanciado que Sennett toma distância do funcionalismo e das teorias de Merton. O seu objetivo é de sublinhar como algumas formas do trabalho e de vida da sociedade pré-industrial não estã desaparecendo, mas, como um rio cárstico, estão reemergindo, apresentando, porém, características diferentes do passado.
Na abertura desse volume, no interior de um capítulo que oscila entre a autobiografia e a reconstrução do clima cutlural de um país que duramente tomava distância do macartismo, o autor recapitula a sua formação intelectual, reconhece em Hannah Arendt a estudiosa que mais do que outros influenciou a sua decisão de continuar sobre o caminho da pesquisa social, procurando conjugar a necessária adesão ao princípio da realidade com o forte impulso ético. Sennett escreve sobre como foi tocado por “Vida do espírito”, o ensaio em que Hannah Arendt redimensiona o papel do trabalho na sociedade, considerando a política como a atividade principal do animal humano. E de como ele, jovem estudante com o sonho de trabalhar para a formação de uma “boa sociedade”, começou a refletir em torno da distinção entre animal laborans e homo faber proposta pela filósofa alemã, para destacar o fato de que, enquanto o animal laborans produz os meios para a reprodução da espécie, questionando-se, acima de tudo, sobre como produzi-los, o homo faber, no desenvolver do próprio trabalho, se coloca a pergunta do porquê estar desenvolvendo-o.
Em ambos os casos, havia uma prioridade com relação ao pensar da necessidade com relação à liberdade. A denúncia do trabalho como atividade degradada do ser humano indicada por Hannah Arendt não tinha nada a ver com a crítica ao trabalho assalariado de memória marxista. Mas não era por esse motivo que não convencia e ainda não convence Sennett, que a considerada marcada por dicotomias (o fazer e o pensar, por exemplo), que no trabalho, pelo contrário, convivem em um equilíbrio medido por outra dicotomia, a entre autoridade e autonomia. E é de então que o estudioso estadunidense começou a procurar definir qual é o lugar ocupado pelo trabalho na sociedade contemporânea, procurando no próprio artesão a figura que supera as dicotomias que acompanharam, teórica e socialmente, a categoria do trabalho.
Os demiurgos do presente
O artesão, de fato, para ficar na “Vida do espírito” de Hannah Arendt, responde tanto à pergunta do como se desenvolver trabalho, como também o do porquê desenvolvê-lo, por meio de uma habilidade singular no fazer que concede aos artesãos uma espécie de missão civilizatória também quando são relegados às margens da vida pública.No trabalho artesão, de fato, não há só habilidade técnica, atenção à qualidade do artefato a ser produzido, mas também e sobretudo um cuidado nas relações sociais que congregam tanto o mestre quanto o discípulo, ou a centralidade do varlo de uso do artefato com relação ao valor de troca. Mesmo que Richard Sennett tenha destacado como o artesão não constitui a simples permanência de uma forma arcaica de trabalho nas sociedades contemporâneas, o seu livro deve ser considerado não só como uma crítica da análise de Hannah Arendt, mas também como a sofisticada e sugestiva proposta dos demiurgos (assim eram chamados os artesãos na antiga Grécia) como figura salvífica da alienação e da anomia da atual organização produtiva capitalista.
É o trabalho concreto que se contrapõe ao trabalho abstrato, para se usar cateogiras marxistas. Mas também a encarnação em uma mesma pessoa ou experiência social de uma recomposição daqueles fragmentos que a divisão do trabalho revela em termos de eficiência e produtividade. A maestria técnica sobre a qual Sennett escreve deve ser, por isso, entendida como uma prática cultural que representa a solução dos problemas sob o sinal de um “fazer de qualidade”. Mas também o cuidado com o qual os mestres artesão transmitiam as atividades na época das corporações medievais deve ser entendido como uma socialização do virtuosismo desenvolvido pelo indivíduo.
É, portanto, o primado da qualidade, mas também de um “saber semântico”, que é transmitido seja pela via oral como pelo aprendizado pela imitação. Fatores que compõem uma “consciência material”, que por meio da manipulação dos materiais, da presença, enquanto garantia do selo do autor e o antropomorfismo impresso nos próprios materiais constituem os componentes de uma autonomia do trabalhador, mas também o exercício da autoridade por parte do “mestre” dentro dos laboratórios artesanais. Uma hierarquia em que o binomia entre autoridade e autonomia convive em uma organização produtiva que tem como referência não o mercado, mas um encomendeiro às vezes caprichoso às vezes generoso mecenas. E são uma verdadeira pérola as páginas de “O Homem artesão” que contam como os instrumentistas Stradivari e Guarnieri e o ourives e escultor Cellini haviam manifestado os mesmos sentimentos contraditórios com relação à transmissão de suas habilidades ou a relação de amor e ódio com os comissários, dos quais dependiam para o pagamento de seu trabalho.
O virtuosismo do Linux
Nenhuma nostalgia, vale a pena repetir, do passado, quanto a convicção que a ordem dos problemas que os artesãos tiveram que enfrentar constitui o background estrutural do capitalismo “flexível”. Em primeiro lugar, a superação da organização taylorista do trabalho ditada pela necessidade, assim diz o pensamento dominante, de reagir a uma feroz competição pela melhor qualidade das mercadorias produzidas e por uma contínua inovação tecnológica, organizativa e de produto. Elementos, todos, que podem ser resolvidos justamente pela reproposição da poiesis que caracteriza o trabalho artesão. Isso não significa, porém, a anulação ou a renúncia ao sistema de máquinas, nem a reproposição do pequeno laboratório como dimensão ideal para a produção da riqueza. O artesão em que Sennett pensa é, de fato, o homem ou a mulher que sabe usar com maestria as tecnologias digitais, mas que considera a qualidade, a inovalçao e as cooperações sociais como valores absolutos. Daqui surge a representação nos programadores do sistema Linux como os artesãos de que o capitalismo pós-fordista tem necessidade.
A proposta de Sennett deve ser, portanto, levada a sério, porque melhor do que tantos outros estudiosos críticos do capitalismo contemporâneo, ele sustenta que o saber e a inovação são expressões de uma inteligência coletiva que acidentalmente pode ser melhor interpretada por um indivíduo ou por uma “comunidade virtual”, como justamente a dos programadores Linux. Por isso, a consciência política de um “reformista radical” de que no capitalismo a autoriddade sobre o trabalho não deve apagar a autonomia dos trabalhadores em decidir a “one best way”, definida, diferentemente do que ocorria na empresa fordista, de tempos em tempos justamente pela cooperação social em que a hierarquia é flexível e na qual a autoridade é da maestria em um “fazer inteligente” mas coletivo. Uma tese muito mais aderente a um princípio de realidade do que as que ainda propõem o trabalho de fábrica como paradigmático para compreender o capitalismo flexível. Não se dando conta asism que, mesmo ao trabalho operário, são exigidas atitudes típicas do homem artesão proposto por Richard Sennett.
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