A despeito da condenação pela Justiça da Veracel por desmatar 96 mil hectares de Mata Atlântica no sul da Bahia, o governo do Estado não tem medido esforços para que a empresa mantenha – e amplie – seus negócios na região. A Veracel atua no ramo da celulose e é fruto de uma parceria entre a sueco-finlandesa Stora Enso e a brasileira Aracruz. Atualmente, ela atua em dez municípios do sul da Bahia.
A reportagem é de Michelle Amaral da Silva e publicada no Brasil de Fato, 08-12-2008.
Em maio deste ano, a empresa já havia manifestado o interesse em duplicar sua produção. Em novembro, o governador Jacques Wagner (PT) foi para Estolcolmo para acelerar o processo e acertar detalhes da negociata. No programa de rádio “Conversa com o Governador” – programa semanal feito pelo seu gabinete – , ele confirmou que Stora Enso irá investir 2,5 bilhões de dólares no novo projeto. “Eu me encontrei com o diretor presidente da Veracel mundial e o diretor presidente do grupo Stora Enzo. Para minha alegria, vi a absoluta disposição deles em confirmar o investimento de 2,5 bilhões de dólares para fazer a Veracel II e, portanto, duplicar sua produção”, informou, e completou que o empreendimento garantirá “mais investimento, mais obra, mais emprego e mais riqueza para o Estado”.
O governador ainda disse durante a entrevista que se reuniu com a federação das indústrias de madeira da Suécia com o objetivo de atrair outras transnacionais do ramo da celulose para a Bahia. De acordo informações disponíveis na página na internet do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a Aracruz doou 100 mil reais para a campanha de Wagner em 2006, a Veracel outros 100 mil. A Suzano, outra empresa do ramo, deu 70 mil.
“O que nos deixa preocupado é que se for dobrar a capacidade de produção deles, nossos problemas devem dobrar também”, alerta Ivonete Gonçalves, coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul (Cepedes). Por problemas, entende-se a concentração de terras, expulsão dos trabalhadores rurais do campo, degradação ambiental causada pelo monocultivo do eucalipto, dentre outros, conforme denunciava a edição 285 do Brasil de Fato. Ivonete conta que mesmo antes de confirmar e oficializar seu projeto de expansão, a empresa já vem adquirindo terras no sul do Estado.
O padre José Koopmans, do município de Teixeira de Freitas, lamenta que mais uma vez as reivindicações históricas dos movimentos sociais da região estejam “sendo jogadas no lixo” pelos governos. “Aqui, o Estado sempre apoiou esse modelo de desenvolvimento. Com a entrada do PT, infelizmente, nada mudou.”
Quanto à geração de empregos, Ivonete afirma que a empresa emprega diretamente pouquíssimas pessoas e aposta na tercerização a baixos salários. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores nas indústrias de celulose da Bahia (Sindicelpa), a Veracel possui apenas 410 trabalhadores diretos em sua fábrica e cerca de 9 mil terceirizados, além de contar com serviços terceirizados de 180 empresas.
Outro ponto grave é que o governo apoie uma empresa que judicialmente foi condenada por ter desmatado 96 mil hectares de Mata Atlântica. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Centro de Recursos Ambientais (CRA) também foram condenados, por terem sido negligentes e terem autorizado o início das atividades da empresa, em 1991, sem os estudos de impacto ambiental que a legislação brasileira exige.
A Justiça Federal acatou a Ação Civil Pública impetrada pelo Ministério Público Federal em agosto deste ano, 15 anos depois da data em que a ação foi movida. De acordo com a determinação do MPF, a empresa terá que restaurar, com vegetação nativa, todas as suas áreas compreendidas nas licenças de plantio de eucalipto liberadas entre 1993 e 1996. A empresa recorreu e o processo se encontra a espera de novo julgamento.
Além do processo na área ambiental, o MPF também investiga se houve corrupção por parte dos funcionários públicos do Ibama e CRA para a liberação do plantio. O promotor de Justiça João Alves da Silva, que cuida da ação, em entrevista à edição 285 do Brasil de Fato, afirmou que há indícios de formação de uma quadrilha que atua em favor da empresa, facilitando autorizações.
De acordo com Ivonete, as entidades ficarão atentas a novas possíveis ilegalidades. “O que aconteceu pode voltar a acontecer, inclusive porque os órgãos responsáveis afirmam que não têm condições técnicas e humanas de fazer os estudos”, explica.
Padre José afirma que de fato há poucos recursos e estrutura para os estudos. “O CRA tem dois escritórios com quatro funcionários no total para 27 municípios do sul da Bahia”, denuncia. Diante da incapacidade do Estado de fazer valer a lei ambiental, Ivonete conta que as entidades pedem moratória do plantio, “mas o que tem prevalecido são os interesses dessas empresas”, que iniciam seus projetos sem estudos.
Outro fator preocupante é a construção do Porto do Sul. No dia 28 de outubro, em visita a Salvador, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um protocolo de intenções para estabelecer procedimentos para a construção da obra que, segundo as declarações de Jacques Wagner, foi um atrativo a mais para que a Stora Enso decidisse aumentar a sua produção na região. Entidades ambientalistas já afirmam que o porto, a ser construído na cidade de Ilhéus, irá trazer inúmeros problemas ambientais, abrangendo inclusive áreas de preservação.
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