"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, dezembro 11, 2008

Barack Obama e a nova energia para a América


Energia é um dos temas centrais na estruturação das mudanças propostas pelo presidente eleito dos Estados unidos, Barack Obama. A política energética proposta pelo novo presidente sugere mudanças radicais na maneira de enfrentar os problemas, que terão impactos significativos, não só para os americanos, mas também para o resto do mundo; inclusive para nós.

O diagnóstico e a solução dos principais problemas enfrentados pelos Estados Unidos na área de energia constituem o eixo central de estruturação da política energética da nova administração democrata, com impactos sobre um conjunto de políticas públicas que transcendem o restrito campo energético.

A política energética é uma política pública que, graças a sua abrangência, se articula com um amplo conjunto de intervenções estratégicas do Estado. Esse conjunto heterogêneo e variado, que inclui objetivos, mecanismos e organizações distintas, gera um grande desafio para os policy makers que é a compatibilização entre essas intervenções. Nessa compatibilização sempre está presente alguma forma de hierarquização de objetivos, mecanismos e organizações. Essa hierarquização gera conflitos e desequilíbrios no interior do conjunto de políticas públicas que devem ser reconhecidos e precisam ser reduzidos ao longo tempo. Caso contrário, a sustentabilidade da política geradora dos desequilíbrios é colocada em xeque pela própria tensão que ela cria dentro desse conjunto.

Nesse sentido, o primeiro ponto a ser analisado em uma política energética é como ela se insere no conjunto de políticas públicas e qual a hierarquização implícita na sua articulação com esse conjunto.

A nova política energética americana identifica dois problemas principais: a dependência do petróleo estrangeiro e a mudança climática global. Contudo, e aqui que está o ponto principal, aponta uma única causa para os dois problemas: a dependência dos combustíveis fósseis.

Em termos estritos, pode-se dizer que a dependência do petróleo estrangeiro é um problema clássico de política energética, associado à segurança do suprimento. Por outro lado, a mudança climática global, nesses mesmos termos, poderia ser encarada como uma questão básica da política ambiental, associada à preservação do meio-ambiente. Obama não só coloca as duas questões no mesmo nível hierárquico de problemas, mas as unifica mediante uma terceira e única questão: a dependência dos combustíveis fósseis.

Notem, meus caros leitores, que ele poderia propor simplesmente a ampliação da produção de energia doméstica para reduzir a dependência externa; contudo, se assim o fizesse, entraria em conflito com o outro objetivo. Quando Obama propõe a redução da dependência dos combustíveis fósseis, ele hierarquiza, de fato, os objetivos das duas políticas, privilegiando o combate à mudança climática global.

Desse modo, pode-se afirmar que o principal objetivo da política energética do novo presidente americano é o combate à mudança climática global. Será esse objetivo que irá hierarquizar o seu conjunto de políticas públicas, e serão os impactos e os desequilíbrios gerados no seio desse conjunto, a partir dessa opção, que ele terá de administrar, se quiser garantir a sustentabilidade no tempo de sua política.

Se o principal problema é a dependência dos combustíveis fósseis, a solução então é propor um novo conjunto de fontes energéticas para a América. Essa opção implica em incentivar as fontes renováveis e penalizar as fontes convencionais. Em outras palavras, há que se incentivar a nova energia e se penalizar a velha energia.

Nesse contexto, o sistema de cap-and-trade (estabelecimento de limites de emissão e comercialização de créditos e direitos de emissão) constitui uma síntese da combinação de incentivos e penalizações. Para reduzir em 80 % as emissões de carbono, em 2050, em relação aos níveis observados em 1990, Obama propõe que todos os créditos de poluição sejam leiloados. Dessa maneira, todas as indústrias irão pagar por cada tonelada de emissões que elas lançarem no ar. Por outro lado, os recursos arrecadados nesses leilões serão utilizados para sustentar as fontes renováveis e reduzir os impactos sobre as famílias e comunidades da transição para a nova economia baseada em fontes limpas.

É evidente, meus amigos, que uma política como essa implica em sacrifícios para a sociedade americana que se traduzem em aumentos de custos, perda de competitividade, etc. E aqui entra um outro movimento estratégico de Obama que é a retomada da liderança americana no combate a mudança climática global.

Nesse sentido, se o problema é global, a solução tem que ser global. No entanto, essa solução deve ser liderada pela América, de acordo com a proposta de Obama. Assim, na medida em que a América se sacrifica, ela adquire o direito ético e moral de exigir dos outros países um comprometimento maior com as metas de redução das emissões. Nesse contexto, Brasil e China são explicitamente citados no documento oficial do candidato do Partido Democrata: while it is time for America to lead, developing nations like China and Brazil must not be far behind in making their own binding commitments.

Portanto, o reengajamento dos Estados Unidos na luta contra as mudanças climáticas globais, nesse caso, não deve ser visto simplesmente pelo lado da volta dos americanos aos fóruns e convenções ambientais globais, como a U.N. Framework Convention Climate Change, mas como um movimento claro na direção da conquista de uma liderança que lhes permita arbitrar a divisão dos custos e benefícios associados àquela luta. O que pode se traduzir na aplicação de sanções àqueles países que não se enquadrarem nas novas normas ambientais, por exemplo.

Em bom português: se nós nos sacrificamos, vocês também têm que se sacrificar. Desse modo, meus amigos, assim como assistimos, na década de noventa, a um movimento na direção de construir um ambiente institucional que garantisse a desregulamentação dos mercados financeiros e uma privatização e regulamentação competitiva da infra-estrutura, poderemos assistir a um novo movimento internacional objetivando uma homogeneização das regras ambientais, visando a redução dos impactos climáticos das emissões. Nesse quadro, eu posso colocar barreiras tarifárias às importações de um determinado país, tanto pelo trabalho infantil embutido nos seus produtos quanto pelas elevadas emissões de carbono presentes em sua produção.

Pelo lado da política de geração de empregos, a mudança climática também está presente através do New Deal Verde proposto pelo novo presidente americano. Obama propõe investir 150 bilhões de dólares nos próximos dez anos em carros híbridos, energias renováveis, plantas de carvão de baixa emissão, nova geração de biocombustíveis e digitalização da rede de transmissão de energia americana. Esses investimentos seriam capazes de gerar, na sua visão, 5 milhões de novos empregos, altamente qualificados e bem remunerados. Esse movimento exigiria investimentos pesados em programas de qualificação de mão-de-obra e de centros industriais nas novas tecnologias verdes. Os recursos para esse fim viriam justamente dos programas de “taxação” das emissões citados anteriormente.

Essa política de geração de emprego passa pela articulação entre a política energética e as políticas tecnológica e industrial. Articulação essa feita em torno da ampliação da participação das fontes renováveis na matriz energética americana, que encontra a sua síntese na reestruturação da indústria automotiva dos Estados Unidos.

Na medida em que Obama propõe que em dez anos se reduza o consumo de petróleo em proporções iguais às importações atuais do Oriente médio e da Venezuela, a mudança do perfil da indústria automotiva americana torna-se fundamental. Nesse caso, o que se pretende é alcançar a liderança tecnológica e industrial na produção de carros mais eficientes e que consumam combustíveis limpos. Na visão de Obama, haverá uma grande demanda no futuro para esse tipo de veículo, portanto, é necessário saltar na frente, de forma que os empregos, a renda, a qualificação industrial nesse campo fiquem nos Estados Unidos.

Isso implica no desenvolvimento de veículos avançados Híbridos plug-in* e flex-fuel. Obama propõe que, em quatro anos, todos os novos veículos sejam flex-fuel; que, em 2015, haja 1 milhão de carros híbridos plug-in rodando pelas estradas americanas.

No que diz respeito aos combustíveis que esses veículos vão utilizar, Obama propõe, por um lado, estabelecer um novo padrão de conteúdo de carbono no combustível mais baixo - com uma redução de 5 % em cinco anos e de 10 % em dez anos -, e, por outro, desenvolver a nova geração de biocombustíveis sustentáveis e toda a sua infra-estrutura. Esse último item nos interessa diretamente.

Notem, meus amigos, que Obama fala em combustíveis de nova geração, e não em etanol de cana-de-açucar, tampouco em etanol de milho. Aqui se trata de se desenvolver avanços em biocombustíveis, incluindo etanol celulósico, biobutanol e outras novas tecnologias que produzam petróleo sintético a partir de insumos sustentáveis. Aqui se está falando de uma produção de energia renovável com alto conteúdo tecnológico, que também seja americana, que também garanta a liderança tecnológica e industrial aos Estados Unidos.

Logo, no limite, o que Obama está propondo, no longo prazo, é a construção de uma forte articulação industrial entre a indústria automotiva e a indústria de produção de biocombustíveis de nova geração, em torno do uso de combustíveis limpos no transporte, de forma a garantir liderança tecnológica e industrial, renda e emprego para os americanos.

Observem, caros leitores, que com essa estratégia ele mantém a coerência da sua política em relação aos dois principais problemas a serem atacados: a segurança do suprimento energético e a ameaça ambiental. Caso ele optasse pela importação de etanol brasileiro, por exemplo, o enfrentamento à mudança climática global entraria em conflito com o objetivo de redução da dependência do suprimento à fontes externas. Dessa forma, ele reduz, no longo prazo, o trade-off entre os dois objetivos das políticas energética e ambiental, mediante o recurso ao aumento da produção doméstica de combustíveis de nova geração.

No campo da geração de eletricidade, mais uma vez, a mudança climática estrutura a proposta da nova administração americana. Nesse caso, a proposta é que 10 % da eletricidade consumida, em 2012, sejam de fontes renováveis – solar, eólica e geotérmica -, subindo esta participação para 25 % em 2025. Atualmente, essa participação gira em torno de 2 %.

No caso da geração nuclear, a proposta Democrata é que apenas após a resolução dos problemas associados à segurança dos combustíveis e resíduos, à estocagem dos resíduos, e aos riscos da proliferação nuclear, deva-se avançar em um programa de expansão desse tipo de geração nos Estados Unidos. Contudo, cabe ressaltar, que alguns analistas acham que esta disposição não deve ser lida ao pé da letra, e que Obama, de fato, é ambíguo em relação a este tema. Principalmente, no que diz respeito ao grau de resolução dos problemas citados que liberaria a construção de novos reatores.

Ainda no setor elétrico, Obama propõe dois pontos tradicionais da agenda energética americana: o avanço nas tecnologias limpas de carvão e a modernização da rede de transmissão e distribuição de energia elétrica americana. O primeiro envolve a aceleração do desenvolvimento e a comercialização de plantas de carvão com emissão zero de carbono; e segunda envolve inovações significativas na forma como se transmite eletricidade e se monitora o seu uso.

Por último, e não menos importante, Obama propõe um conjunto de ações na área do uso eficiente da energia que vão desde a redução do consumo de energia elétrica em 15 % em 2020 até a criação de incentivos às concessionárias de energia que lhes permitam rentabilizar a redução de consumo em suas áreas de concessão, ao invés da simples rentabilização pelo aumento do consumo; passando pela melhoria da eficiência do uso de energia em edifícios, climatização de 1 milhão de domicílios de baixa renda, por ano, e redução do consumo de energia do Governo Federal.

Enfim, meus amigos, essa é, em linhas gerais, a política energética de Barack Obama. A diferença maior em relação às políticas anteriores é a sua estruturação a partir do combate à mudança climática global. Essa opção envolve custos e benefícios. Obama aposta no avanço tecnológico, industrial, gerencial e institucional para reduzir esses custos ao longo do tempo e, dessa forma, garantir a sua sustentabilidade no longo prazo.

A implementação dessa política terá impactos importantes não só para os Estados Unidos, mas também sobre o resto do mundo. Nesse sentido, a questão mais importante para nós é quais serão seus impactos sobre o Brasil, não só em termos dos custos e benefícios que ela acarretará para o desenvolvimento energético brasileiro, mas também em termos da sua capacidade de servir, ou não, como referência para a elaboração da nossa própria política energética.

Para terminar seguem três vídeos oficiais: nos dois primeiros Barack Obama apresenta a sua política energética; no terceiro, a equipe responsável pela transição na área de energia e meio ambiente, apresenta os pontos principais da nova política Democrata.

*Um automóvel híbrido plug-in é um automóvel híbrido (que possui mais de um motor, sendo que cada um usa um tipo de energia para seu funcionamento) cuja bateria utilizada para alimentar o motor elétrico pode ser carregada diretamente por meio de uma tomada. No hídrido tradicional a bateria é carregada unicamente por meio do motor a explosão ou em alguns poucos casos pela energia regenerativa da frenagem. Essa possibilidade de alimentação alternativa diretamente da rede elétrica faz com que o modelo plug-in possa operar com uma quantidade significativamente reduzida de combustível fóssil.






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