O rompimento do presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, do acordo de partilha de poder com a oposição — mergulhando o país em mais uma onda de violência patrocinada pelo governo — fez os Estados Unidos ontem endurecem o discurso e anunciarem que não vão mais apoiar qualquer iniciativa diplomática do país ou fornecer ajuda enquanto o ditador estiver no poder. A afirmação foi feita pela secretária de Estado assistente dos EUA, Jendayi Frazer e, segundo analistas, pode resultar em pressões americanas no continente africano para a renúncia ou a queda do presidente. Em um desafio à comunidade internacional, Mugabe prendeu nos últimos dias pelo menos 40 opositores, a maioria do Movimento pela Mudança Democrática (MDC).
A notícia é do jornal O Globo, 22-12-2008.
— Mugabe perdeu a razão e o bom senso, e está isolado. Ele transformou o que antes era um país próspero em uma das nações mais miseráveis do planeta, com hiperinflação inacreditável e condições de vida cruéis. A comida é escassa e a moeda não tem mais qualquer valor. Os Estados Unidos consideram que o acordo político fracassou e que não é mais possível fazer qualquer tipo de acordo, apoiar decisões ou fornecer ajuda ao país enquanto o atual presidente estiver no poder — disse Jendayi, em visita à África do Sul.
— Estávamos prontos para utilizar a influência dos Estados Unidos para negociar com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional o perdão da dívida de US$ 1,2 bilhão do Zimbabwe, mas de agora em diante não ajudaremos mais.
Mugabe e o líder da oposição Morgan Tsvangirai concordaram no dia 15 de setembro em formar um governo de coalizão, pacto apoiado na época pelos EUA. O acordo pôs fim a uma crise política que se arrastava desde as eleições presidenciais de março com denúncias de fraudes, atrasos na liberação de resultados. Tsvangirai concorreu às eleições e venceu o primeiro turno, mas retirou a candidatura às vésperas do segundo turno por causa de uma violenta perseguição política a seus partidários.
No pleito, o MDC conseguiu maioria no Parlamento pela primeira vez desde que o país deixou de ser colônia britânica, em 1980.
Disputa por cargos acabou com acordo
Após as eleições e os protestos violentos contra os resultados em várias cidades, Mugabe intensificou e perseguição política e ordenou o assassinato de dezenas de opositores e a prisão de centenas.
No entanto, diante da difícil situação política e da vontade de permanecer no poder, aceitou a proposta de países ocidentais de um acordo de conciliação, com a indicação de Tsvangirai para o cargo de primeiro-ministro.
O acordo, no entanto, começou a desandar nas últimas semanas, especialmente por causa da disputa em torno de alguns ministérios importantes. O presidente não aceita perder cargos considerados estratégicos e, segundo fontes diplomáticas, queria que o primeiro-ministro fosse um cargo apenas de fachada.
— Sua idéia era atrair Tsvangirai para sua órbita, de forma que se submetesse a seu poder. Mugabe queria continuar com o controle total. Quando viu que isso não seria possível, rompeu o acordo e voltou a reprimir de forma violenta — disse um diplomata.
O país, que já foi considerado um dos mais prósperos do continente, vê hoje sua infra-estrutura devastada pela pobreza e pelo caos provocado por uma hiperinflação que chega a um trilhão por cento por ano. Três pães no país custam cerca de 100 milhões de dólares zimbuanos. As grandes cidades não têm coleta de lixo, hospitais e o índice de desemprego supera 80%.
Nos últimos meses os problemas aprofundaram. Além da hiperinflação que faz os preços duplicarem todos os dias, uma epidemia de cólera atingiu 16 mil pessoas e já matou mais de 1.100, provocando um êxodo sem precedentes para vizinha África do Sul. Segundo a ONU, a cólera poderá infectar até 60 mil pessoas, causando uma das maiores epidemias da doença já registradas na África.
Mugabe chegou a negar a gravidade da epidemia, acusando o Reino Unido de usá-la “como desculpa para uma invasão”. Disse ainda que o premier britânico Gordon Brown “é um louco que odeia o Zimbábue.” Em meio ao caos, o governo de Harare deu sinais de que não quer a intromissão do Ocidente em seus assuntos, nem mesmo para ajuda. Em novembro, impediu a entrada no Zimbábue de uma missão internacional para avaliar as condições humanitárias no país.
Tiveram o visto negado o ex-secretáriogeral das Nações Unidas Kofi Annan, o ex-presidente americano Jimmy Carter e Graça Machel, mulher de Nelson Mandela, todos considerados pelo governo com “comportamento hostil ao Zimbábue.” A secretária de Estado assistente dos EUA disse ainda que pretende pressionar os governos de países vizinhos do Zimbábue para que “se mobilizem ” para a saída do presidente. A declaração foi feita de maneira especial para a África do Sul, país de maior influência regional e acusado pela comunidade internacional de não fazer a oposição necessária ao governo de Mugabe.
— Tenho certeza de que se alguns governos vizinhos disserem para Mugabe ir embora, ele irá. Vamos trabalhar para convencer esses países de que essa é única alternativa para o Zimbábue — disse Jendayi.
Analistas, no entanto, afirmam que muitos governos africanos ainda resistem a fazer oposição a Mugabe e que resoluções no Conselho de Segurança da ONU também são pouco prováveis de serem aprovadas, principalmente por causa da China.
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