As relações econômicas internacionais entre China e Angola, por Diego Pautasso
Angola tornou-se o maior parceiro comercial da China na África, com o comércio bilateral atingindo uma soma de US$ 25,3 bilhões de dólares e mais de 700 mil barris de petróleo por dia em 2008, tornando-se o maior fornecedor chinês. Esta informação é reveladora de um problema de estudo novo e cada vez mais relevante para as relações internacionais, isto é, a crescente presença da China na África. Trata-se de um comércio que atingiu o valor de 107 bilhões de dólares (45% a mais do que em 2007 e um crescimento médio de 30% ao ano, desde os 10 bilhões de dólares em 2000) e do suprimento de 30% da demanda petrolífera chinesa. Com efeito, o presente artigo de conjuntura tem por objetivo justamente contribuir na compreensão das relações econômicas internacionais entre China e Angola.
As relações sino-angolanas foram reatadas em 12 e janeiro de 1983 consequencia, de um lado da independência do país africano (1975) e, de outro, da diplomacia pragmática lançada por Deng Xiaoping no contexto da política chinesa de Reforma e Abertura em 1978, embora a maturidade das relações bilaterais tenha tornado-se visível somente na virada do século XX-XXI. Isto é desdobramento da universalização da diplomacia chinesa, com suas causas profundas: a repressão na Praça da Paz Celestial em 1989 e a necessidade de evitar o isolamento; a necessidade de importar petróleo em grandes e crescentes volumes a partir de 1993, diversificando o fornecimento; os crescentes acúmulos de capitais e a capacidade financeira do país; e a condição objetiva de reocupar seu status de poder internacional. Assim, a projeção da China baseia-se na sua imensa capacidade econômica para financiar o crescimento de Angola. O dinamismo do comércio exterior chinês tem gerado reservas internacionais de cerca de 2 trilhões de dólares, além da capacidade de realizar empréstimos e investimentos externos diretos (IED). Os IED’s chineses cresceram globalmente de 1 bilhão em 2000 para 22,5 bilhões de dólares em 2007, sobretudo através de empresas de propriedade estatal e de fundos de investimento. Para a África, o volume de IED’s chineses cresceu sete vezes entre 2002 e 2006, de 74,8 milhões de dólares para 519 milhões, representando cerca de 3% do total - representando 25% no Zâmbia e 20% na RDC em 2006. Apesar de volumes pequenos em relação aos realizados por países desenvolvidos, a crescente presença da China na África é notável.
O excedente de capitais da China permite financiar inúmeras obras e políticas públicas em Angola. O Eximbank, banco criado em 1994 pelo governo chinês, é o principal financiador dos mais de 200 projetos de construção em África, embora possamos destacar ainda a Companhia de Seguros e Créditos da China. Os recursos liberados inicialmente foram de 2 bilhões de dólares em 2004, e foi reforçada em 2006, durante a visita a Luanda do primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao. Atualmente os valores já somam cerca de 5 bilhões de dólares. Ainda assim, devido à redução dos preços do petróleo, a China adicionou mais 1 bilhão de dólares em créditos ao governo angolano - e sempre com pagamento em petróleo, o que não implica mobilizar moeda forte. É importante sublinhar que estes créditos não têm ampliado o endividamento do país, como aponta o relatório da OCDE de 2005.
Estes projetos voltam-se à reconstrução nacional do país africano, devido aos trágicos efeitos da longa guerra civil. Cabe destacar a reabilitação do setor ferroviário que, em 1975 tinha mais de 3.000 km (1.471 km dos quais eram geridos pela Companhia de Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB) e os restantes 1.581 km explorados pelo Estado) e foi praticamente desativo pelos conflitos. A ferrovia Benguela-Luau, com mais de 1.300 km que ligam a costa Atlântica à fronteira com a Zâmbia e a RDC, ao custo de 300 milhões de dólares e a reabilitação da ferrovia Namibe-Menongue, com mais de 900 km, no valor de 2 bilhões de dólares, bem como novo aeroporto de Luanda, no valor de 450 milhões de dólares e a refinaria de Lobito, no valor de 3 bilhões de dólares. Os 107 km da rodovia Ondjiva/Xangongo, na província do Cunene, foram asfaltados e sinalizados pela empresa China Road and Bridge Corporation (CRBC). As empresas Sinohydro da China e a CMC di Ravenna da Itália iniciaram as obras de construção da auto-estrada Luanda-Soyo no norte do país, com 500 km e seis faixas de rodagem (três em cada sentido).
Da mesma forma, os estádios para o Campeonato Africano das Nações (CAN) em futebol, a realizar-se em Angola em 2010, estão contando com apoio técnico e financeiro chineses. Na verdade, os técnicos chineses estão em quase todas as principais obras do país africano, desde a construção de escolas até as redes de saneamento básico (água e esgoto), energia elétrica e comunicações, além de infraestrutura urbana. Como exemplo, destaca-se a as obras na cidade do Dundo, província da Lunda Norte, realizado pela empresa chinesa Pan-China Construction Group, que vai construir 20 mil apartamentos, além dos aparelhos e serviços urbanos. No mesmo sentido, há a reabilitação dos sistemas de abastecimento de água das cidades do Dundo e Saurimo, celebrado entre o Ministério da Energia e Águas de Angola e a China National Electrónics Import e Export Corporation no valor de 35 milhões de dólares, bem como os investimentos em transportes coletivos da capital, em função da aquisição pela Empresa de Transportes Colectivos Urbanos de Luanda (Tcul) de 180 ônibus provenientes da China.
Já em 2006 havia sido construído o Hospital Geral de Luanda em 15 meses num custo total de 8 milhões de dólares, dos quais 6 disponibilizados pela China e os outros 2 milhões financiados por Angola, bem como o suporte técnico, com o envio de médicos chineses e o treinamento dos colegas angolanos. Segundo o Ministro da Educação angolano, António da Silva, a cooperação com a China está na construção, aparelhamento e transferência de conhecimentos em 53 instituições de ensino tecnológico. Entre estes, destacam-se 20 instituições escolares financiadas pelo Eximbank, cuja atuação técnico-profissional passa pelos ramos de agricultura geral, gestão agrícola, agro-alimentar, cursos de silvicultura (exploração de recursos florestais) e zootecnia (pecuária e produção animal). Por exemplo, o Instituto Médio da Cela, construído em 12 meses pela empresa chinesa Camcom tem uma área 6mil m², 15 salas de aulas, laboratórios de informática com de internet, química, física, biologia, bem como pavilhões, oficinas para reparação de máquinas e mecanização agrícola, campo de experimentação e 16 residências para os docentes. Tem capacidade para albergar 1.200 alunos, dos quais 350 em regime de internato, nos cursos básicos (produção vegetal e animal) e no ensino médio (mecanização agrícola, pecuária e agricultura).
O argumento central, portanto, é que a China utiliza-se de sua capacidade econômica, expresso na demanda do mercado interno, no dinamismo comercial e na capacidade financeira, como instrumento de política externa para ampliar e diversificar a inserção internacional do país. De um lado, as relações sino-angolanas apresentam contradições e assimetrias, resultado dos respectivos interesses nacionais, cuja resistência angolana aos trabalhadores e à concorrência dos produtos chineses são os mais expressivos. De outro, são relações bilaterais que apresentam também grandes oportunidades e desdobramentos para o sistema internacional. Para a China, representa a manutenção do suprimento de recursos naturais e a projeção internacional do país. Para Angola, a possibilidade de barganhar a inserção internacional, escapando às imposições das grandes potências (EUA e antigas metrópoles) e dos organismos internacionais (como FMI) que freqüentemente violam a soberania dos países periféricos. Em razão da reconfiguração das relações sino-africanas, como destaque para o caso de Angola, pode-se inferir que há relevantes consequencias para o sistema internacional em curso: o deslocamento progressivo dos tradicionais parceiros africanos (e angolanos), como os EUA e as ex-metrópoles; a conformação de novos eixos na política internacional; uma crescente disputa entre EUA e os países emergentes por novos mercados (China e Índia, especialmente); e, quiçá, uma nova ordem mundial multipolar deslocada do Atlântico Norte.
As relações sino-angolanas foram reatadas em 12 e janeiro de 1983 consequencia, de um lado da independência do país africano (1975) e, de outro, da diplomacia pragmática lançada por Deng Xiaoping no contexto da política chinesa de Reforma e Abertura em 1978, embora a maturidade das relações bilaterais tenha tornado-se visível somente na virada do século XX-XXI. Isto é desdobramento da universalização da diplomacia chinesa, com suas causas profundas: a repressão na Praça da Paz Celestial em 1989 e a necessidade de evitar o isolamento; a necessidade de importar petróleo em grandes e crescentes volumes a partir de 1993, diversificando o fornecimento; os crescentes acúmulos de capitais e a capacidade financeira do país; e a condição objetiva de reocupar seu status de poder internacional. Assim, a projeção da China baseia-se na sua imensa capacidade econômica para financiar o crescimento de Angola. O dinamismo do comércio exterior chinês tem gerado reservas internacionais de cerca de 2 trilhões de dólares, além da capacidade de realizar empréstimos e investimentos externos diretos (IED). Os IED’s chineses cresceram globalmente de 1 bilhão em 2000 para 22,5 bilhões de dólares em 2007, sobretudo através de empresas de propriedade estatal e de fundos de investimento. Para a África, o volume de IED’s chineses cresceu sete vezes entre 2002 e 2006, de 74,8 milhões de dólares para 519 milhões, representando cerca de 3% do total - representando 25% no Zâmbia e 20% na RDC em 2006. Apesar de volumes pequenos em relação aos realizados por países desenvolvidos, a crescente presença da China na África é notável.
O excedente de capitais da China permite financiar inúmeras obras e políticas públicas em Angola. O Eximbank, banco criado em 1994 pelo governo chinês, é o principal financiador dos mais de 200 projetos de construção em África, embora possamos destacar ainda a Companhia de Seguros e Créditos da China. Os recursos liberados inicialmente foram de 2 bilhões de dólares em 2004, e foi reforçada em 2006, durante a visita a Luanda do primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao. Atualmente os valores já somam cerca de 5 bilhões de dólares. Ainda assim, devido à redução dos preços do petróleo, a China adicionou mais 1 bilhão de dólares em créditos ao governo angolano - e sempre com pagamento em petróleo, o que não implica mobilizar moeda forte. É importante sublinhar que estes créditos não têm ampliado o endividamento do país, como aponta o relatório da OCDE de 2005.
Estes projetos voltam-se à reconstrução nacional do país africano, devido aos trágicos efeitos da longa guerra civil. Cabe destacar a reabilitação do setor ferroviário que, em 1975 tinha mais de 3.000 km (1.471 km dos quais eram geridos pela Companhia de Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB) e os restantes 1.581 km explorados pelo Estado) e foi praticamente desativo pelos conflitos. A ferrovia Benguela-Luau, com mais de 1.300 km que ligam a costa Atlântica à fronteira com a Zâmbia e a RDC, ao custo de 300 milhões de dólares e a reabilitação da ferrovia Namibe-Menongue, com mais de 900 km, no valor de 2 bilhões de dólares, bem como novo aeroporto de Luanda, no valor de 450 milhões de dólares e a refinaria de Lobito, no valor de 3 bilhões de dólares. Os 107 km da rodovia Ondjiva/Xangongo, na província do Cunene, foram asfaltados e sinalizados pela empresa China Road and Bridge Corporation (CRBC). As empresas Sinohydro da China e a CMC di Ravenna da Itália iniciaram as obras de construção da auto-estrada Luanda-Soyo no norte do país, com 500 km e seis faixas de rodagem (três em cada sentido).
Da mesma forma, os estádios para o Campeonato Africano das Nações (CAN) em futebol, a realizar-se em Angola em 2010, estão contando com apoio técnico e financeiro chineses. Na verdade, os técnicos chineses estão em quase todas as principais obras do país africano, desde a construção de escolas até as redes de saneamento básico (água e esgoto), energia elétrica e comunicações, além de infraestrutura urbana. Como exemplo, destaca-se a as obras na cidade do Dundo, província da Lunda Norte, realizado pela empresa chinesa Pan-China Construction Group, que vai construir 20 mil apartamentos, além dos aparelhos e serviços urbanos. No mesmo sentido, há a reabilitação dos sistemas de abastecimento de água das cidades do Dundo e Saurimo, celebrado entre o Ministério da Energia e Águas de Angola e a China National Electrónics Import e Export Corporation no valor de 35 milhões de dólares, bem como os investimentos em transportes coletivos da capital, em função da aquisição pela Empresa de Transportes Colectivos Urbanos de Luanda (Tcul) de 180 ônibus provenientes da China.
Já em 2006 havia sido construído o Hospital Geral de Luanda em 15 meses num custo total de 8 milhões de dólares, dos quais 6 disponibilizados pela China e os outros 2 milhões financiados por Angola, bem como o suporte técnico, com o envio de médicos chineses e o treinamento dos colegas angolanos. Segundo o Ministro da Educação angolano, António da Silva, a cooperação com a China está na construção, aparelhamento e transferência de conhecimentos em 53 instituições de ensino tecnológico. Entre estes, destacam-se 20 instituições escolares financiadas pelo Eximbank, cuja atuação técnico-profissional passa pelos ramos de agricultura geral, gestão agrícola, agro-alimentar, cursos de silvicultura (exploração de recursos florestais) e zootecnia (pecuária e produção animal). Por exemplo, o Instituto Médio da Cela, construído em 12 meses pela empresa chinesa Camcom tem uma área 6mil m², 15 salas de aulas, laboratórios de informática com de internet, química, física, biologia, bem como pavilhões, oficinas para reparação de máquinas e mecanização agrícola, campo de experimentação e 16 residências para os docentes. Tem capacidade para albergar 1.200 alunos, dos quais 350 em regime de internato, nos cursos básicos (produção vegetal e animal) e no ensino médio (mecanização agrícola, pecuária e agricultura).
O argumento central, portanto, é que a China utiliza-se de sua capacidade econômica, expresso na demanda do mercado interno, no dinamismo comercial e na capacidade financeira, como instrumento de política externa para ampliar e diversificar a inserção internacional do país. De um lado, as relações sino-angolanas apresentam contradições e assimetrias, resultado dos respectivos interesses nacionais, cuja resistência angolana aos trabalhadores e à concorrência dos produtos chineses são os mais expressivos. De outro, são relações bilaterais que apresentam também grandes oportunidades e desdobramentos para o sistema internacional. Para a China, representa a manutenção do suprimento de recursos naturais e a projeção internacional do país. Para Angola, a possibilidade de barganhar a inserção internacional, escapando às imposições das grandes potências (EUA e antigas metrópoles) e dos organismos internacionais (como FMI) que freqüentemente violam a soberania dos países periféricos. Em razão da reconfiguração das relações sino-africanas, como destaque para o caso de Angola, pode-se inferir que há relevantes consequencias para o sistema internacional em curso: o deslocamento progressivo dos tradicionais parceiros africanos (e angolanos), como os EUA e as ex-metrópoles; a conformação de novos eixos na política internacional; uma crescente disputa entre EUA e os países emergentes por novos mercados (China e Índia, especialmente); e, quiçá, uma nova ordem mundial multipolar deslocada do Atlântico Norte.
BIBLIOGRAFIA
Governo de Angola: http://www.angola-portal.ao/PortaldoGoverno/. Acesso em 20/03/2009.
Relatório OCDE: http://www.oecd.org/dataoecd/29/58/35350793.pdf. Acesso em 25/03/2009.
Diego Pautasso é Mestre e Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda eMarketing - ESPM (dpautasso@espm.br).
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