Olha esta água, que é negra como tinta.
Posta nas mãos, é alva que faz gosto;
Dá por visto o nanquim com que se pinta,
Nos olhos, a paisagem de um desgosto.
(Quintino Cunha)
Estamos iniciando o planejamento da 2ª fase do Projeto-Aventura ‘Desafiando o Rio-Mar’. Com o objetivo de iniciar uma metódica preparação intelectual sobre nossa próxima jornada, no rio Negro, no final do ano, vamos publicar uma série de artigos que visam apresentar aos leitores um pouco, dos mistérios e encantos dessa jóia de águas negras. A descida do ‘Rio Negro’, de caiaque, é, também, uma homenagem ao importante escritor da literatura brasileira, Euclides da Cunha, no ano do centenário da sua morte. Euclides foi covardemente assassinado em 15 de agosto de 1909, aos 43 anos de idade.
- Projeto-Aventura ‘Desafiando o Rio Mar’ - 2ª Fase
Percorremos todo o Rio Solimões, de Tabatinga a Manaus, num percurso que superou os 1700 quilômetros, tendo em vista a exploração de afluentes, paranás, furos e lagos ao longo de sua calha. Não atingimos o Mar, como o próprio nome do projeto indica, mas resolvemos que, antes de atingi-lo, devemos percorrer o quarto maior rio brasileiro em vazão: o Rio Negro. Estamos na fase de planejamento e treinamento sem uma data marcada para o início da jornada, tendo em vista que ainda não dispormos dos recursos necessários, da ordem de R$30.000,00 para a execução do projeto.
- Jean Louis Rodolphe Agassiz
Agassiz nasceu em 28 de maio de 1807, em Môtier (Vully), no Cantão de Friburgo, Suíça. Estudou Medicina em Zurique, Heidelberg e Munique, interessando-se especialmente por Zoologia. Terminou os estudos em 1829 com um trabalho sobre ossos. Filho de um pastor protestante cresceu em um ambiente extremamente religioso. Concluiu o doutorado em Medicina em Munique, em 1830 quando entrou em contacto com Spix e Martius, que haviam realizado uma expedição científica ao Brasil (1817-1820). Agassiz se encarregou de descrever os peixes coletados no Brasil pelos pesquisadores. Enquanto exercia suas atividades como médico, continuou com os seus estudos relacionados com peixes, sendo reconhecido como especialista em Ictiologia Paleontológica. Emigrou para os Estados Unidos em 1849.
- O Criacionismo e o racismo dos Agassiz
“Não se pode negar a deterioração causada pela mistura de raças, mais presente aqui do que em qualquer outro lugar do mundo. Ela está ceifando rapidamente as melhores qualidades do homem branco, do negro e do índio, deixando em seu lugar um tipo mestiço (mongrel) sem qualidades específicas, deficiente em suas energias físicas e mentais”. (Louis e Elizabeth Cary Agassiz)
Louis e Elizabeth Cary Agassiz viajaram pelo Brasil entre 1865 e 1866. O livro ‘Viagem ao Brasil (1867)’, escrito por sua esposa Elisabeth, teve a preocupação de relatar os detalhes pitorescos da viagem acompanhados de belas descrições das paisagens, mostrando que os pesquisadores tinham a intenção de atingir um universo maior do que os especialistas em história natural. A expedição deu ênfase à atividade científica e, tentou embasar teorias biogeográficas e racistas. O estudo dos peixes é utilizado para solidificar os argumentos criacionistas contra os evolucionistas, além de defender uma biogeografia estática, onde cada ser teria sido criado para se estabelecer em uma região específica da terra.
Criacionismo: teoria que explica a origem dos seres vivos por criação. Contrária a chamada evolução espontânea (evolucionismo).
Seus comentários sobre a mestiçagem brasileira reforçam as teses raciais de que as raças não devem se misturar pregando abertamente a segregação dos negros. Agassiz afirmava que a miscigenação entre o branco, o negro e o índio fazia com que as melhores qualidades das três raças fossem descartadas no cruzamento, fixando suas piores características no mestiço.
- Os Agassiz no ‘Rio negro’
“No dia 23 entramos no rio Negro, outro mar de água doce que o Amazonas recebe pelo norte. A carta do Padre Fritz (que nunca entrou nesse rio), e a última carta da América de Delisle, feita conforme a do Padre Fritz, fazem correr este rio do norte para o sul, ao passo que é certo, pelo relato de quantos o remontaram, que ele provém do oeste, e que corre para o este, inclinando-se um pouco para o sul. Testemunhei por meus próprios olhos que essa é a sua direção várias léguas acima de sua desembocadura no Amazonas, onde o rio Negro entra tão paralelamente que, sem a transparência das águas que se chamam precisamente ‘rio Negro’, seria tomado por um braço do próprio Amazonas, separado por alguma ilha.
Subimos pelo rio Negro duas léguas, até o forte que os portugueses aí levantaram na margem setentrional, no lugar mais estreito, que mede 1.203 toesas (2.344,041m), e onde observei 03°09’ de latitude. É esse o primeiro estabelecimento português que se encontra ao norte do rio das Amazonas, quando por ele descemos. O rio Negro é praticado pelos portugueses há mais de um século, e eles aí fazem um grande comércio de escravos. Há aí sempre um destacamento da guarnição do Pará, para manter o respeito das nações índias que lá habitam, e para favorecer o comércio dos escravos nos limites prescritos pelas leis de Portugal; e todos os anos este acampamento ambulante, a que se dá o nome de ‘tropa de resgate’, penetra para diante pelas terras. O capitão comandante do Forte do Rio Negro estava ausente quando aí aportamos: não me demorei aí mais de vinte e quatro horas.
Toda a parte descoberta das margens do rio Negro é povoada por missões portuguesas, dos mesmos religiosos de Monte Carmelo, que encontráramos descendo o Amazonas, desde que deixamos as missões espanholas. Subindo quinze dias, três semanas ou mais, pelo rio Negro, achamo-lo ainda mais largo que na sua boca, em virtude de grande número de ilhas e lagos que forma. Em todo este intervalo o terreno das margens é elevado, e nunca se vê inundado: o mato aí é menos bravo, e o país é completamente diferente das margens amazônicas. Soubemos, no Forte do Rio Negro, particularidades sobre a comunicação deste rio com o Orenoco, e por conseguinte deste último com o Amazonas. Não aduzirei a enumeração das diversas provas de tal comunicação, provas que eu colhi cuidadosamente em minha rota; a mais decisiva era então o testemunho insuspeito de uma índia das missões espanholas, das margens do Orenoco, com quem tinha falado e que chegou de canoa ao Pará, vindo daí. Todas essas provas tornam-se inúteis para o futuro, pois cedem lugar a uma última. Acabo de saber por uma carta escrita do Pará ao reverendo Padre João Ferreira, reitor do Colégio dos Jesuítas, que os portugueses do acampamento ambulante do rio Negro (no ano último de 1744), tendo subido de rio em rio, encontraram o superior dos jesuítas das missões espanholas das margens do Orenoco, e com ele voltaram pelo mesmo caminho, e sem desembarcar, até o mesmo acampamento: o que estabelece a comunicação dos dois rios.
Este fato não pode mais hoje ser posto em dúvida; é embalde que, para lançar nele alguma incerteza, se reclamaria a autoridade do autor recente do Orenoco Ilustrado, o qual, depois de ter sido longo tempo missionário das margens do referido rio, considerava ainda em 1741 essa comunicação impossível. Ele ignorava então, sem dúvida, que suas próprias missivas ao comandante português e ao esmoler da tropa de resgate chegavam de sua missão do Orenoco por esse mesmo caminho, reputado imaginário, até o Pará, onde as vi entre as mãos do governador; mas este autor está hoje plenamente desenganado a este respeito, como eu soube por M. Bouguer, que o viu no ano passado em Cartagena da América. A comunicação do Orenoco e do Amazonas, recentemente verificada, pode passar por uma descoberta em geografia, tanto mais que essa junção, embora marcada sem nenhum equívoco nas antigas cartas, foi suprimida nas novas pelos geógrafos modernos, como se de geral concerto, e tratado como quimérica pelos que pareciam estar melhor informados da realidade. Esta não é provavelmente a primeira vez que a verossimilhança e as conjeturas puramente plausíveis vencem os fatos atestados pelas relações de viagens, e que o espírito crítico, levado muito longe, chega a negar decisivamente aquilo de que se podia ainda apenas duvidar.
Mas como se faz essa comunicação do Orenoco com o Amazonas? Um mapa minucioso do rio Negro, que teremos quando aprouver à corte portuguesa, poderia instruir-se a este respeito. (...) Peço ainda permissão para um pequeno pormenor geográfico, que tocava muito profundamente o meu assunto para que eu o olvide, e que pode servir para descobrir a origem de um romance a que a sede do ouro pôde emprestar alguns visos de veracidade: uma cidade cujos tetos e muralhas andavam cobertos de lâminas de ouro, um lago cujas areias eram do mesmo metal. É mister recordar aqui o que foi referido acima a respeito do rio do Ouro, e os fatos já citados, encontrados nas relações dos padres d’Acuña e Fritz. Os manaus, segundo este último autor, eram uma nação belicosa, temida por todos os vizinhos. Ela resistiu longamente às armas dos portugueses, de quem hoje é amiga: há vários manaus hoje fixados nos aldeamentos e missões marginais do rio Negro. Alguns fazem ainda incursões pelas terras de nações selvagens, e os portugueses se servem deles para o comércio de escravos. Foram dois desses índios manaus que penetraram até o Orenoco, e roubaram e venderam aos portugueses a índia cristã de que já falei. O Padre Fritz diz expressamente em seu jornal que esses manaus, que ele viu traficar com os índios das margens do Amazonas, e que tiravam ouro do Iquiari, tinham suas habitações no chamado Jurubech.
Fontes:
AGASSIZ, Luís e Elizabeth Cary - Viagem ao Brasil (1865 – 1866). Brasil - Brasília, 2000 - Senado federal.
DESMOND, Adrian, MOORE, James - Darwin a vida de um evolucionista atormentado. Brasil - São Paulo, 2000 - Geração Editorial.
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