"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sábado, abril 11, 2009

Qual Dubai? O da Cantanhêde ou o do Independent?

Site do Azenha - Atualizado em 11 de abril de 2009 às 18:30 | Publicado em 11 de abril de 2009 às 17:40

Quem notou foi o Leo, que publicou uma crítica no site dele -- que você pode acessar clicando aqui.

Resumo da ópera: a colunista da Folha escreveu sobre o emirado de Dubai, no dia 09 de abril de 2009, como se fosse um paraíso na terra. Enquanto isso, o jornal britânico The Independent publicou um artigo, no dia 07 de abril, intitulado "O lado sombrio de Dubai".

Eu, que conheço Dubai, não faria turismo lá nem pago. A Eliana ou não sabe, ou finge que não sabe, que Dubai é hoje uma das pontes entre a Europa e a Ásia. Por isso, tem capacidade de atrair turistas com facilidade muito maior que o Brasil: as passagens são mais baratas e muita gente faz uma escala lá para descansar. Eu, por exemplo, a caminho do Vietnã, passei uma noite em Dubai. Tenho certeza que fui contado como "turista". Mas eu não pedi para parar lá. O vôo seguinte, da Emirates, só saía no dia seguinte. O texto da Eliana:

Jatos e jatinhos

por Eliane Cantanhêde, na Folha de S. Paulo

DUBAI - O Brasil tem cerca de 190 milhões de habitantes, um litoral extraordinário, a Amazônia, o Pantanal, rios, cachoeiras, montanhas e um clima invejável o ano inteiro. Mas só atraiu 5 milhões de turistas estrangeiros em 2008.

Já o pequeno, e em certa medida "fake", Dubai, com 1,4 milhão de habitantes, recebeu 10 milhões de turistas de todas as regiões do mundo no ano passado e, com eles, dólares e euros. Teve até de importar mão-de-obra especializada, inclusive competentes jovens brasileiros.

O que Dubai tem que o Brasil não tem? Essa é fácil. Tem decisão política, infraestrutura, planejamento. E não tem sujeira nem violência. O fato de ser uma faixa habitada entre os encantos do deserto e o mar muito azul, com calor todo o ano, ajuda, claro. Mas não chega a ser realmente decisivo. Mais do que as condições naturais, em que jamais poderia competir com o Brasil, pesam as decisões governamentais que tanto faltam no nosso país.

De um lado, o xeque Mohammed al Maktoum preserva a identidade e os direitos básicos dos cidadãos; de outro, investe tudo no turismo e corta impostos. Para começo de conversa, Dubai tem a sua própria companhia aérea, a Emirates, privada, com rotas para todos os continentes. Depois, ele atraiu com terrenos e incentivos as grandes redes hoteleiras do mundo, e os hotéis são fantásticos, para todos os gostos e bolsos. O marketing é a alma do negócio. E do país.

O petróleo, hoje, só responde por 3% a 5% do PIB, contra 20% do turismo. O xeque pode ser o símbolo do passado, com seu regime, seus trajes e suas manias, mas é bem mais moderno do que os políticos brasileiros, em muitos sentidos. No Brasil, os políticos querem jatinhos só para eles próprios voarem por aí.

Em Dubai, o xeque tem lá os seus jatos, mas garante as condições para que os jatos privados (como os recursos, públicos ou não) levem turistas, desenvolvimento e bem-estar para a população. Resultado: não se vê um pobre na rua.

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E aqui a abertura do texto do Independent -- a íntegra, em inglês, está aqui:

The dark side of Dubai

09/04/2009

Dubai deveria ser o shangrilá do Oriente Médio, um monumento brilhante para o empreendedorismo árabe e o capitalismo ocidental. Mas enquanto os tempos duros chegam na cidade-estado que surgiu das areias do deserto, uma história mais feia está emergindo. Por Johann Hari.

O rosto largo e sorridente do sheik Mohammed -- o governante absoluto de Dubai -- se projeta sobre sua criação. A imagem dele está em prédio-sim-prédio-não, prensado entre símbolos corporativos mais familiares como Ronald McDonald e o Coronel Sanders. O homem vendeu Dubai ao mundo como uma cidade das Mil e Uma Noites, um shangrilá do Oriente Médio protegido das tempestades de areia que atravessam a região. Ele domina o cenário que imita o de Manhattan, sorridente entre as pirâmides de vidro e os hotéis construídos como se fossem pilhas de moedas douradas. E lá está ele, no prédio mais alto do mundo -- uma agulha fina, que avança sobre o céu como nenhuma outra construção na história.

Mas alguma coisa fez piscar o sorriso do sheik Mohammed. Os guindastes que estão em toda parte fizeram pausa, como se tivessem parado no tempo. Há incontáveis prédios meio-acabados, aparentemente abandonados. Nas construções mais arrojadas -- como no vasto hotel Atlantis, um castelo cor-de-rosa gigante construído em mil dias por 1,5 bilhão de dólares em uma ilha artificial, onde água de chuva vaza no teto e os azulejos despencam. Essa Terra do Nunca foi construída no Nunca-Nunca -- e agora as rachaduras começam a aparecer. De repente ela se parece menos com Manhattan no sol do que com a Islândia no deserto.

Assim que o ritmo maníaco de construção parou e o redemoinho perdeu velocidade, os segredos de Dubai aos poucos começam a vazar. Esta é uma cidade construída do nada em apenas algumas décadas de crédito e ecocídio, supressão e escravidão. Dubai é uma metáfora viva em metal do mundo globalizado neoliberal que pode finalmente ter desabado -- na história.

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