Contratadas da Celulose Irani (RS), responsável por 4,5% de toda produção nacional de papel para embalagem, mantiveram, segundo inspeções do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), empregados em condições análogas à escravidão.
A reportagem é de Bianca Pyl e publicada pela Agência Repórter Brasil, 24-03-2010.
O primeiro caso, ocorrido em agosto de 2009, resultou na libertação, em São José do Norte (RS), de seis contratados por Valnei José Queirós, que prestava serviços à Celulose Irani. As vítimas, que atuavam no corte de pinus, dormiam em barracos feitos de restos de madeira e lona. Não havia instalações sanitárias. Alimentos superfaturados eram comprados em comércio indicado pelos "gatos" (aliciadores) e depois descontados dos pagamentos. Por causa das dívidas, os empregados ficavam sem receber salários.
Valnei chegou a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pelo procurador Luiz Alessandro Machado, da Procuradoria Regional do Trabalho da 4ª Região (PRT-4), que participou da fiscalização. Contudo, em setembro de 2009, no mês seguinte à primeira fiscalização, uma nova operação encontrou mais um grupo de empregados sem registro na Carteira de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) e sem receber salários por mais de mais de dois meses atuando em Mostardas (RS) para a prestadora de serviço Comércio de Resina Queiroz, também contratada pela Celulose Irani.
A Comércio de Resina Queiroz tem Valnei como um de seus sócios. Na ocasião, o procurador Marcelo Goulart firmou outro TAC. No acordo, a subcontratada se comprometeu a registrar os empregados (a não contratar sem o registro profissional), e a efetuar o pagamento dos direitos trabalhistas.
De acordo com Marcelo, contudo, Valnei não tem idoneidade financeira e não conseguiu arcar com os direitos trabalhistas. Por isso, ele ajuizou ação civil coletiva contra a Irani para que a mesma arcasse com os pagamentos. "A Irani pagou as verbas trabalhistas, só faltou uma multa prevista no Artigo 477 [da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que se refere a prazo para pagamento das parcelas constantes no termo de rescisão do contrato de trabalho]. Ganhamos em primeira instância [o pagamento da multa], mas a empresa está recorrendo", detalha o procurador.
Em dezembro do ano passado, o MTE e o MPT receberam nova denúncia repassada pela Polícia Civil envolvendo a Resimir Extração de Resinas Ltda., outra contratada da Celulose Irani. Segundo as informações preliminares, 12 trabalhadores aliciados em Martim Prado (SP), que extraíam resina em Cidreira (RS), também estavam com os salários atrasados.
Quando a equipe fiscal chegou ao local, os trabalhadores já tinham deixado a área e retornado ao interior paulista. O próprio sócio da resimir, Valmir de Oliveira, chegou a admitir em depoimento que arregimentava pessoalmente trabalhadores em municípios como Itararé (SP), Campina de Fora (SP) e Itapeva (SP), além de Martim Prado (SP).
A passagem ao Rio Grande do Sul foi paga pela Resimir, e o retorno foi custeado pelos próprios trabalhadores. De acordo com o procurador Luiz Alessandro, que também participou desta última ação, mesmo sem o flagrante e embora todos os registros tenham ficado no nome da Resimir, as verbas rescisórias foram pagas pela Irani, que contratou diretamente 20 pessoas. O contrato de prestação de serviços da Irani com a Resimir foi rescindido.
"Eles ficavam alojados em pequenas casas em Cidreira, pagavam aluguéis e, por conta disso, acabavam se endividando com o empregador", detalha o procurador Luiz. Em levantamento preliminar, ele verificou que a Irani terceiriza toda atividade de extração de resina. "São cinco ou seis empresas contratadas para prestação de serviços na extração de resinas de pinus".
Por conta desta denúncia, a PRT-4 propôs um novo TAC à Celulose Irani. A empresa, porém, ainda não consentiu em assinar o compromisso. O termo prevê a responsabilidade solidária da empresa com relação às prestadoras de serviço, no tocante às verbas trabalhistas, descumprimentos de acordos já assinados pelas prestadoras e pelos pagamentos das indenizações em caso de constatação de novos casos de trabalho escravo.
O documento prevê também o fim das terceirizações, em um prazo de até seis meses. "Depois desse período, estaria vedada a terceirização", complementa Luiz. "Ainda estamos negociando com a empresa porque, nesse último caso, não houve flagrante. Não temos elementos que sustentem uma ação civil pública. Mas vamos intensificar as fiscalizações assim que tivermos a localização das frentes de trabalho de cada prestadora de serviço".
Como medida preventiva, Luiz Alessandro entregou à Celulose Irani uma Notificação Recomendatória, com uma série de medidas como comunicar ao MPT quais são as prestadoras contratadas e entregar a localização exata de todas as frentes de trabalho onde são realizadas atividades para a empresa.
"A recomendação não fixa multas, mas em caso de descumprimento poderão ser tomadas medidas judiciais. Tem a função de dar ciência ao investigado do entendimento do MPT quanto às irregularidades. Desse modo, em eventual ação civil pública, o argumento de que a empresa não tinha conhecimento da interpretação dada pelo MPT não terá força", explica o procurador.
Segundo o site oficial da empresa, o lucro líquido da Celulose Irani em 2009 foi de R$ 44 milhões. A produção de papel da companhia, que tem papéis negociados na Bolsa de Valores, aumentou 9,5%, passando de 168.766 toneladas, em 2008, para 184.868 toneladas, em 2009.
Uma das maiores empresas do setor de papel e embalagem em kraft do Brasil, a Irani tem cerca de 1,7 mil funcionários e declara ter direcionado R$ 8,8 milhões em benefícios, desenvolvimento e capacitação de pessoas.
Em seu último relatório de sustentabilidade (2008), a empresa declara adotar práticas trabalhistas "embasadas em normas nacional e internacionalmente reconhecidas". Afirma atuar ainda "em conformidade com as orientações da Delegacia Regional do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo e passa por auditorias desses órgãos em todas as suas unidades".
A assessoria de comunicação da Irani não respondeu as questões enviadas pela Repórter Brasil. A companhia se limitou a declarar que "todas as suas práticas trabalhistas são pautadas pelo respeito às pessoas e ao meio ambiente" e que "prioriza contratações de empresas prestadoras de serviço que respeitam a legislação em todos os aspectos trabalhistas de forma ética e responsável, visando a sustentabilidade dos negócios".
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