São 10h30 da manhã de uma segunda-feira, quase 30 graus em Ribeirão Preto (SP). O juiz João Gandini, titular da 2ª Vara de Fazenda do município, deixa por algumas horas o conforto do ar-condicionado do gabinete e os 34 mil processos sob sua responsabilidade para acompanhar a última etapa do projeto de urbanização de uma das mais antigas favelas da cidade - agora, o bairro Monte Alegre.
A reportagem é de Zínia Baeta e publicada pelo jornal Valor, 22-03-2010.
No local, não há mais barracos de madeira, mas casas de alvenaria. As 330 famílias que moram no bairro possuem água encanada e energia elétrica. Com a demolição de 90 barracos, os becos deram passagem a ruas, o que permite a coleta semanal de lixo, algo impensável até então.
A urbanização da favela não foi proposta pelo Poder Executivo - apesar de contar com verbas públicas e implementação técnica da Cohab - mas pelo magistrado, que há quatro anos idealizou o projeto Moradia Legal, responsável pelo encaminhamento de 1,7 mil famílias de Ribeirão Preto que vivem em situação precária.
O magistrado passou parte de sua vida no Jardim Ângela, bairro da zona sul da cidade de São Paulo, que já foi considerado um dos mais violentos do país. Filho de um pequeno agricultor de Adolfo, cidade do interior de São Paulo, Gandini mudou-se com a família para a capital quando tinha dez anos. Para ajudar nas despesas de casa, foi catador de papelão e vendedor de sorvete, mas acabou realizando o grande sonho: aos 21 anos, entrou na faculdade do Largo São Francisco. Gandini, que superou inúmeros obstáculos para chegar à magistratura, diz que gosta de solucionar o drama por trás de cada ação. "O processo é frio, um livro onde há um drama humano. O juiz tem que solucionar esse drama e não apenas o processo", diz.
Foi com essa motivação e também inspirado em sua história de vida que Gandini saiu muitas vezes do gabinete para buscar uma solução real para os diversos processos de reintegração de posse de áreas do município, que foram invadidas e já possuíam alguma decisão judicial, mas sem resultado efetivo.
O magistrado, acompanhado pelo também juiz Júlio César Dominguez, titular da 1ª Vara da Fazenda Pública de Ribeirão, mobilizou a sociedade para resolver não só os processos que estavam sob sua mesa, mas também para acabar com as 34 favelas da cidade - mapeadas por ele e um fotógrafo, que sobrevoaram o município por 51 minutos em um helicóptero.
Feito isto, Gandini buscou os governos municipal, estadual e federal, Câmara de Vereadores, Ministério Público, empresários, uniu igrejas e contou com muitos voluntários. Montou um grupo dividido por áreas (financeira, jurídica e físico-territorial) - que deu origem ao Moradia Legal - encarregado de fazer um raio-X das favelas, levantar o número de famílias e a situação de cada uma.
"Cada barraco foi numerado e os nomes das famílias registrados", afirma. O resultado do "censo" foi a constatação da existência de 4,5 mil famílias, ou 20 mil pessoas nessas comunidades. Em uma segunda etapa do projeto, foram escolhidos os núcleos que deveriam ter prioridade e, a partir daí, buscou-se recursos para a retirada de famílias de áreas de risco e ainda a urbanização das favelas onde a medida fosse viável.
Foi necessário também propor alterações na legislação do município sobre o uso e ocupação do solo, com a criação de áreas de interesse social - o que permite a concessão de isenções tributárias - e normas que coibissem a construção em áreas irregulares, para evitar o surgimento de novas favelas.
Quatro anos após o início do Moradia Legal, os resultados são animadores. Uma das áreas escolhidas pelo programa está no entorno do aeroporto do município. De lá serão retiradas 720 famílias, das quais 29 já estão instaladas em casas construídas pela prefeitura no bairro Paulo Gomes Romeu. As obras estão sendo custeadas pelo município, Estado e União. Segundo Gandini, R$ 47 milhões são provenientes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal.
As demais 692 moradias, que estão em fase de construção da cobertura, devem ser entregues no máximo até o início de 2011. Para o local de transferência, a infraestrutura já está pronta: há creches, escolas e postos de saúde funcionando.
Outra área cujo projeto já foi finalizado é o núcleo de Monte Alegre, hoje um bairro do município, reconhecido por lei aprovada na Câmara. Para a urbanização, 90 barracos foram derrubados para a abertura de ruas, canalização de água, esgoto, instalação de postes de luz e a construção de três praças. As famílias, cujas casas deixaram de existir, foram transferidas para moradias construídas pela Cohab, distantes cerca de um quilômetro da antiga favela. As moradias são subsidiadas e as famílias pagarão R$ 65,00 por mês, ao longo de dez anos, para a aquisição do bem. As 330 casas que permaneceram no núcleo são de alvenaria.
Segundo Gandini, o programa fechou um acordo com a CPFL Energia, que doou para cada casa do Monte Alegre relógios para a medição de energia, geladeiras, postinhos de iluminação, chuveiro e lâmpadas econômicas. Além disso, toda a reforma elétrica interna foi realizada pela companhia.
O gerente de relações com o poder público da CPFL, Luiz Carlos Valli, afirma que, além do aspecto social da medida - que permitirá aos moradores terem contas de energia e forma de comprovação de endereço - , as adulterações na rede elétrica, conhecidas como gatos, foram solucionadas. O programa de desfavelização do Monte Alegre foi custeado pelo município, com uma verba de R$ 3,8 milhões.
Na favela Faiane, distrito de Bonfim Paulista, a solução para a área de risco veio de uma parceria com a iniciativa privada. Gandini explica que 44 famílias serão retiradas para uma área contígua ao longo dos próximos dois anos. As obras são custeadas por uma construtora, que está implantando um grande empreendimento residencial na região.
Outros dois núcleos também estão com programas em andamento. Em Mangueiras, zona oeste de Ribeirão, as obras para a construção de 384 apartamentos estão em fase de licitação pelo governo estadual. A favela de Várzea, zona norte, possui 530 famílias, e passa por estudos geológico e topográfico. "Cerca de 1.700 famílias estão com a situação resolvida ou encaminhada. Meu objetivo é que não existam mais favelas em Ribeirão em alguns anos", afirma o juiz.
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