por Gustavo Schneider, Delegado de Polícia Federal
Al Capone, gângster norte-americano, cuja figura foi celebrizada e imortalizada pelo cinema em magistrais atuações (como a do ator Robert de Niro), mentiu, agrediu, subornou, coagiu, falsificou, trucidou e, em lance de genialidade na luta do Estado contra o crime organizado (inserido nas entranhas do próprio tecido oficial), foi preso por sonegação fiscal. Estou convencido de que Al Capone jamais seria preso
no Brasil.
Primeiro, poderia ser beneficiado com um habeas corpus para responder o processo em liberdade, uma vez que todo indivíduo é presumivelmente inocente, até uma decisão condenatória final. Alguns juristas concluiriam que nesse conceito também caberiam as apelações para as cortes internacionais de Justiça ou para as comissões jurídicas de Direitos Humanos vinculadas à ONU.
Nessa linha de raciocínio, destacadas autoridades políticas não admitiriam que uma força-tarefa (The Untouchables) liderada por um agente público – conhecida e integrada por Fisco, Polícia, procuradores e juiz de primeiro grau – obtivesse provas admissíveis no processo. Diriam se tratar de um conluio incestuoso. As provas levantadas seriam todas reputadas como ilícitas.
De outra parte, o “estardalhaço” protagonizado por Eliot Ness seria reprovado pela Corte Suprema. Publicações especializadas e sites jurídicos veiculariam artigos condenando a “espetaculosidade” da ação investigatória. Entidades jurídicas ou ligadas à luta pelos direitos humanos fariam campanha em defesa das garantias processuais dos gângsteres investigados. No Congresso, uma CPI verificaria os abusos cometidos pelos “intocáveis”.
Com a polêmica, o conselho regulador da Justiça baixaria diversas normas administrativas - que, sob o pretexto de controlar, acabariam por restringir o poder cautelar dos juízes de primeira instância. As provas contra Al Capone seriam consideradas viciadas, e o processo, anulado.
Por fim, seria decretado que, em face de o Fisco ainda não haver concluído o procedimento tributário, a ausência de “lançamento” dos tributos impediria a concretização de crimes de sonegação fiscal.
Al Capone seria absolvido, teria restituídos a liberdade, a disponibilidade das contas bancárias, dos investimentos e dos bens havidos por meio da ação da máfia. Provavelmente, ajuizaria ação de danos morais contra a União, a qual, naturalmente, com a “perseguição” de que foi vítima, seria julgada procedente. Pode até parecer ironia.
Mas um sistema legal que permite que consideremos como possíveis tais desdobramentos somente nos pode legar uma verdadeira e justa convicção: não estamos no rumo certo.
(Publicado originalmente no Jornal Diário de Santa Maria, em 14/03/2009)
( Republicado no sítio Portal do Nassif em 09 de março de 2010)
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