Amanhã, a maior empresa privada brasileira será alvo da fúria de mais de 4.000 pessoas de várias cidades canadenses reunidas em Sudbury (centro-sul do Canadá). Trata-se de passeata planejada por sindicatos em apoio a 3.200 grevistas em quatro unidades da Vale Inco, subsidiária da Vale.
A reportagem é de Samantha Lima e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 21-03-2010.
Sudbury é sede da maior unidade da Vale no país, com 4.200 funcionários, dos quais 3.000 parados. São mais de 70% dos trabalhadores parados.
Esse é mais um capítulo da novela que entra no nono mês e está longe do fim. No roteiro, acusações mútuas de intransigência e referências a xenofobia. A situação evidencia o choque cultural entre a Vale e o time canadense.
O clima entre as partes nunca foi dos melhores desde que a Vale comprou a Inco, por US$ 17 bilhões, em 2006, tornando-se a segunda mineradora do mundo. A relação se agravou com o início da greve, em julho. Piorou na última semana, depois de uma negociação de oito dias, encerrada por impasse nos pontos mais controversos. A Vale quer mudar os planos de pensão, os bônus e os critérios de transferência de funcionários mais antigos, entre outros itens. A mudança valeria para as novas contratações.
Nos bônus, a Vale quer um teto para o valor pago, de 20% do salário anual, e atrelá-lo também à lucratividade, e não só ao preço do níquel, como é hoje. O sistema atual deu aos funcionários bônus de 2,6% do salário anual, em 1999, e de 56% em 2007 (após o recorde na cotação do níquel, em 2006).
Cerca de 90% dos trabalhadores rechaçaram as propostas e exigiram a recontratação de dez funcionários demitidos durante a greve, acusados de ameaçar os que trabalham.
A Vale propõe regras de transição e algumas compensações financeiras. Na quinta-feira, o presidente da Vale Inco, o brasileiro Tito Martins, divulgou comunicado dizendo que as propostas visam "a sustentabilidade das operações".
Em 2007, primeiro ano da Vale na Inco, a mineradora teve receita líquida de R$ 64 bilhões, 2,7 vezes superior à de sua subsidiária canadense. Já o lucro da Vale no mundo foi de R$ 13 bilhões, ou 3,7 vezes maior que o da Vale Inco - o que mostra que o braço canadense perdia em lucratividade.
"Isso não tem a ver com sustentabilidade. A Vale quer lucrar em cima de seus trabalhadores", diz Wayne Fraise, diretor do USW (sigla em inglês para União dos Siderúrgicos).
A greve, que reduziu a produção dos principais produtos (níquel e cobre) em 90% em média, deixou sua marca nos resultados da Vale. As perdas da Inco no ano, que ainda teve o efeito da crise, reduziram em quase R$ 1 bilhão o lucro global da Vale, de R$ 10,3 bilhões.
Nas primeiras entrevistas, Fraise e os colegas se referiam à Vale como "empresa de terceiro mundo". A nota de Martins acusa os sindicalizados de xenofobia e preconceito.
À Folha Fraise disse que a briga "não tem a ver com os brasileiros, mas com a Vale".
A Vale está percebendo agora que é não tão fácil "dobrar" os trabalhadores dos países desenvolvidos, em que a legislação trabalhista é bem maia protetora.
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