"Toda a vantagem competitiva que o Brasil demonstrou nos últimos anos parece estar sob perigo. Pelo menos, é o que se pode deduzir a partir da estruturação do setor e dos nomes envolvidos nessa aliança estratégica entre Brasil e EUA", escreve Carlos Tautz, jornalista ambiental e pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), em artigo publicado pela Agência Envolverde, 10-12-2009.
Eis o artigo.
Assinados por Lula e Bush em março de 2007, os acordos de fornecimento de agrocombustíveis brasileiros, principalmente etanol, ao mercado dos EUA vão se tornando questões de Estados mais depressa do que registra a nossa imprensa, eternamente preocupada com os Sarneys da vida. Aqui e acolá, os nomes escolhidos para ocuparem cargos-chave, nos governos e entre as empresas do setor, mostram que está em curso uma aliança estratégica entre os dois países no campo do etanol de segunda geração, que utiliza organismos geneticamente modificados para fazer combustível a partir de qualquer tipo de material orgânico. Os termos dos acordos, aliás, nunca foram tornados públicos pelo Itamaraty.
O problema, para o Brasil, é que essa conexão envolvendo Lula e agora Barak Obama no campo dos agrocombustíveis tem tudo para repetir experiências passadas em que sócios endinheirados (no caso, empresas privadas estadunidenses) e com objetivos muito bem determinados acabam absorvendo sócios (o governo e empresas do Brasil) que entram no negócio aportando insumos baratos: terras agricultáveis, insolação e plena disponibilidade de recursos hídricos e mão de obra superbarata.
A liderança mundial do Brasil na questão do álcool de cana está, assim, sob clara ameaça, mas parece que ninguém se importa com isso.
Ao longo de toda sua campanha, Obama repetiu inúmeras vezes eu desejo de garantir a segurança energética dos EUA, dependente de fontes externas de petróleo. A saída, para ele, seria desenvolver a economia verde do álcool e dos demais combustíveis agrícolas. Por esta razão ele escolheu como Secretário (Ministro) de Energia dos EUA o físico e prêmio Nobel Steven Chu, que , como alertou a pesquisadora mexicana Silvia Ribeiro, da ong ETC Group, lidera no "Laboratorio Nacional Lawrence Berkeley, um projeto de energia cuja meta é produzir tecnologias transformadoras em nanotecnologia e biologia sintética". O co-diretor desse projeto é Jay Keasling, fundador da empresa Amyris Biotech, que vem se associando aos maiores grupos brasileiros de produção de etanol aqui mesmo por estas bandas.
No Brasil, a Amyris, que tem entre seus controladores a Votorantin Novos Negócios, tornou-se em março de 2008 sócia majoritária (70%) da Crystalsev, um dos maiores distribuidores e comercializadores de etanol. Ambas criaram a Amyris-Crystalsev Biofuels, que no final do ano passado nomeou o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues para o seu Conselho Consultivo Estratégico. Titular da pasta entre 2003 e 2006, Rodrigues foi o líder do lobby no seio do governo pela liberação inconstitucional da soja transgênica da empresa Monsanto e de outras variedades igualmente modificadas geneticamente.
Proprietária de 17 usinas de açúcar e álcool, a Crystalsev deve controlar 7% da safra 2008/2009, moendo perto de 40 milhões de toneladas de cana. Planeja inaugurar em fevereiro na região de Campinas sua primeira usina-piloto, que integra o plano de produzir no futuro 1 bilhão de litros de óleo diesel de cana, ou seja, perto de 20% de toda a importação de diesel pelo Brasil.
Segundo o próprio Rodrigues em entrevista à revista Safras, "o que está em jogo, (…) é quem vai controlar as tecnologias que dominarão o mercado futuro de fontes renováveis de energia e combustíveis. Tudo dependerá do planejamento estratégico que o País [o Brasil] ainda não desenhou para o setor e, de outro lado, do que preverão os acordos de cionistas que vão regular a associação entre os grupos brasileiros e seus sócios estrangeiros".
Lá nos EUA, o Departamento de Energia subsidia empresas e centros de pesquisa que buscam a viabilidade técnica e comercial da produção do álcool celulósico, aquele chamado de segunda geração. Porém, mesmo investindo rios de dinheiro – só a British Petroleum disponibiliza, ainda segundo a revista Safras, 600 milhões de dólares para o Energy Biosciences Institute pesquisar biomassa - , ainda são necessários mais do que recursos financeiros e tecnológicos para se disputar o mercado de agrocombustíveis. Somente países com a extensão e as características do Brasil, como observou Roberto Rodrigues, são capazes de fornecê-las – e é aí que reside nossa importância estratégica e vital para o futuro energético do planeta.
Porém, toda essa vantagem competitiva que o Brasil demonstrou nos últimos anos parece estar sob perigo. Pelo menos, é o que se pode deduzir a partir da estruturação do setor e dos nomes envolvidos nessa aliança estratégica entre Brasil e EUA.
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