"Estou hoje convencido de que há um pequeno e admirável herói na política mundial: o presidente Evo Morales", escreve Luiz Carlos Bresser-Pereira, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 02-09-2009. Segundo Bresser-Pereira, "Morales não se deixa atemorizar. É o primeiro presidente índio eleito na Bolívia e tem mostrado coragem para ser fiel ao seu mandato".
Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC).
Exceção feita das histórias juvenis, os heróis são raros. Em um mundo materialista no qual o neoliberalismo ensina que a única motivação humana é o autointeresse, ninguém está disposto a reconhecer os heróis - os homens e as mulheres que têm a coragem de agir de acordo com seus ideais humanos e cívicos arriscando sua vida para enfrentar a violência das forças naturais e principalmente a ganância dos poderosos. Quando os reconhecemos, isso decorre de uma ação isolada - de alguém que, em certo momento, salva uma criança da morte ou, como o piloto americano, amerissa com sucesso no rio Hudson e salva 150 passageiros.
Neste mundo desencantado em que vivemos, porém, a última coisa que nos dispomos a reconhecer é um político herói. Podemos até admitir que determinado político seja um estadista, mas um herói... Nosso modelo de herói é o de Davi enfrentando Golias, e é difícil pensar em um político - alguém dotado de poder - como um Davi.
Não obstante, eu estou hoje convencido de que há um pequeno e admirável herói na política mundial: o presidente da Bolívia, Evo Morales. Não estou seguro de que ele terá êxito em sua missão - a de criar uma democracia social na Bolívia - porque é muito difícil governar democraticamente países pobres e, ainda por cima, divididos em termos étnicos - e aquele país sofre dos dois males. Em países pré-industriais, como a Bolívia, a apropriação do excedente econômico não se realiza principalmente no mercado, mas por meio do controle direto do Estado, de forma que as oligarquias locais estão sempre dispostas a derrubar governantes que não se amoldem a elas. Para eles, a solução mais simples é aderir aos poderosos locais - aos proprietários de terras "brancos" de Santa Cruz e Beni- e aos países poderosos ao seu redor: o Brasil e os Estados Unidos. Com algumas exceções, foi isso o que os presidentes bolivianos fizeram no passado, esquecendo-se dos índios e dos pobres, que são a grande maioria. Assim, não promoveram nem o desenvolvimento econômico nem a diminuição da desigualdade, e vários nem sequer conseguiram evitar que fossem derrubados.
Morales não se deixa atemorizar.
É o primeiro presidente índio eleito na Bolívia e tem mostrado coragem para ser fiel ao seu mandato. Em seguida à sua eleição chegou a ser ameaçado pelas elites dos Departamentos mais ricos e menos povoados por índios, porque desejava definir uma nova Constituição para seu país. Em certo momento, avançou o sinal e tentou aprová-la com maioria simples -o que deu argumentos à oposição conservadora.
Para resolver o impasse, buscou negociar e aceitou arriscar a revogação de seu mandato presidencial em um referendo. Ganhou-o com 67% dos votos -o que não impediu que os governadores dos Departamentos mais ricos continuassem seu movimento separatista. Agora, a nova Constituição foi referendada por quase 60% dos eleitores, mas as elites locais já exigem sua revisão.
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