Desafiando o Rio-Mar: Feijoal - Belém - Sta. Rita
“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)
Por Hiram Reis e Silva – Santo Antonio do Içá (10/Dez/2008)
- Largada para Belém do Solimões
Passamos dois dias em Feijoal atendendo aos insistentes pedidos do cacique João. No segundo dia tivemos a oportunidade de conversar com alguns alunos do Ensino Médio que relataram suas angústias ante a impossibilidade de dar continuidade aos estudos. Seguimos então com o cacique e outras lideranças locais em visita à comunidade onde tivemos a oportunidade de provar algumas das iguarias locais, como o ingá e a ‘uva da amazônia’, a mapati, conhecemos, também, um lago artificial onde o Arsênio (encarregado da FUNAI) cria tambaquis e outros peixes.
Partimos para Belém do Solimões por volta das 6h40min do dia 3 de dezembro. Novamente, meus companheiros resolveram seguir um rumo diverso do tomado pelo navegador e optaram pela margem esquerda do rio Solimões enquanto este seguia pela margem esquerda da Ilha Javarimirim. Mantivemos contato visual durante 1 hora aproximadamente até nos aproximarmos de um grande banco de areia que separava a ilha da margem esquerda do rio. Parei para descansar, como havíamos combinado, e tentei contatá-los subindo num grande tronco que existia num local elevado do banco de areia. Gritei em vão por 15 minutos. Resolvi continuar, já que, sem conseguir que me respondessem, achei que não haviam parado e estavam à minha frente.
- Furo Tauarú
Cheguei, sem qualquer dificuldade, ao extremo sul do furo Tauarú. O furo economiza aproximadamente 12 km de navegação e é uma opção importante para pequenas embarcações. Aguardei 30 minutos pelos meus parceiros e, como não aparecessem, deduzi que já tinham passado por ali ou seguido pela grande volta do Solimões. O Furo parece uma via expressa, o movimento de pequenas embarcações é enorme. São pequenas montarias, voadeiras, recreios passando a todo momento. Passei pela comunidade de Novo Brazão onde cumprimentei seus educados moradores de origem indígena e pedi para que avisassem meus companheiros de minha passagem, caso por ali passassem.
- Furo Tauarú/Rio Solimões
A visão do Solimões no extremo norte do Tauarú é impressionante pela beleza e magnitude. A oeste, mal se consegue vislumbrar a margem esquerda. Embora meus amigos de Feijoal tivessem me orientado a seguir pela margem esquerda do rio, para facilitar a orientação, decidi tangenciar a margem direita e me dirigir direto a Belém do Solimões. A opção tornaria meu trajeto bem mais curto embora houvesse necessidade de estar atento às características do terreno para não enveredar por algum furo. O vento de proa prejudicou um pouco, mas a velocidade, de acordo com o GPS, foi mantida em torno dos 12 km/h.
- Belém do Solimões
Belém do Solimões domina com imponência a barranca do rio. Não avaliei corretamente a força da correnteza (em torno dos 20 Km/h) e fui empurrando violentamente para jusante do local onde pretendia atracar, um flutuante de captação de água. Depois de muito esforço, consegui amarrar o caiaque a uns 30 metros abaixo do mesmo e desembarquei para fazer contato. O cacique, o Representante da FUNAI, o Padre, todos se encontravam em Tabatinga. Consegui, então, contatar o professor Chiquinho que nos acolheu em sua escola e providenciou apoio para que o caiaque fosse carregado para lá. Umas três horas depois, chegaram meus parceiros e acho que agora, depois dos dois últimos contratempos, decidiram me acompanhar e não traçar rotas alternativas.
A comunidade é bem maior do que a de Feijoal e talvez por isso seus problemas sejam igualmente consideráveis. Não há água potável, as escolas não possuem sistemas de calefação ou ventilação que proporcionem conforto a seus alunos e mestres, as ruas estão repletas de lixo, a comunicação é precária. A modernidade, através da mídia, contaminou os jovens indígenas que procuram imitar nos trajes, piercing e mesmo tatuagens seus ‘heróis’ globais. O artesanato, pelo que pudemos observar, perdeu em qualidade e se utiliza de alguns elementos fabricados nos grandes centros. Como em Feijoal, nenhum traço da cerâmica Tikuna foi avistado.
Parece que uma destruição, semelhante a que o grande Rio provoca nas barrancas da grande comunidade, agride os costumes do povo Tikuna.
- Largada para Santa Rita de Weil
Para compensar os dois dias que passamos em Feijoal, no dia 04 de dezembro resolvemos rumar direto para Santa Rita de Weil. Fabíola, bastante estressada, acusou alguns indígenas de terem roubado seu chapéu, que graças a Deus não entenderam nada do que ela disse; o chapéu estava devidamente guardado com nossos demais pertences. Depois, iniciou uma discussão com Romeu, sobre quem iria ocupar a posição de piloto no caiaque duplo. Tive de interromper, pois a coisa estava se transformando em um circo, para a alegria dos tikuna que a tudo assistiam.
Navegamos direto para a base Anzol, da Polícia Federal, onde fomos muito bem recebidos pelos agentes. Tomamos o café da manhã com os amigos federais e ouvimos deles relatos sobre as dificuldades que enfrentam na área. Em Tabatinga já havíamos avisado ao delegado local de nossa intenção de ir até à base. Abastecemos nossas garrafas com água potável, já que a água de Belém era inadequada ao consumo. A meio caminho, entre Santa Maria e São Felix, paramos para descansar. Aproveitei para colocar a rede e apanhei duas sardinhas que foram assadas pela Fabíola e consumidas pelo trio.
A navegação continuava facilitada pela força da correnteza e em algumas vezes alcançávamos os 15 Km/h. Paramos em um enorme banco de areia a 13 km quilômetros de Santa Rita, onde pude fotografar um nativo recolhendo a rede em sua ‘montaria’ com uma destreza invulgar e observar outro que, com seu arpão, aguardava imóvel algum descuidado peixe. Partimos com velocidade para a última perna do dia. O vento norte formou ondas de 40 cm e eu resolvi apertar o ritmo das remadas antes que os ventos aumentassem. Confirmei com um pescador se o canal entre a ilha e Santa Rita estava livre e continuamos nossa aproximação.
- Santa Rita de Weil
Fundada por alemães (Weil e Müller), a vila é um retrato escarrado da decadência e desleixo. As casas estão em petição de miséria e o lixo acumulado pelas ruas justifica a presença de urubus que perambulam pelas ruas como aves domésticas. Na escolinha, fomos muito bem recebidos pelo gestor local, que conseguiu que ficássemos abrigados na casa do professor Jorge. As condições da casa eram deprimentes e não se entende como um projeto de escola na área não contemple alojamento para professores, já que todos, sem exceção, moram na sede do município, em São Paulo de Olivença. Tiramos algumas fotos, à noite, da escola batista fundada pelos americanos e de outras edificações.
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