O AI-5, decretado há 40 anos, ficou semana passada no centro de um debate que divide historiadores sobre o regime militar. Como aconteceu na revisão das interpretações sobre a Revolução Francesa, por ocasião de seu bicentenário em 1989, ou sobre o colaboracionismo com o regime de Vichy, na França ocupada pelos nazistas na Segunda Guerra, um grupo de pesquisadores causou polêmica ao defender que, mesmo no momento mais sombrio da ditadura, durante a vigência do ato, os militares contaram com o apoio ou a omissão da sociedade para reprimir a ferro e fogo os adversários.
A reportagem é de Chico Otavio e publicada pelo jornal O Globo, 14-1-2008.
— Desde que levantei essa bola, em 2001, justificando uma série de trabalhos que viriam depois, as esquerdas ficaram horrorizadas e me criticaram muito — disse Daniel Aarão Reis, professor de história da UFF e principal referência desta corrente revisionista.
Professor critica memória coletiva
Aarão Reis ataca, basicamente, uma memória coletiva construída a partir de 1979 segundo a qual a sociedade, em sua maior parte, teria resistido à ditadura. Para ele, expressões cristalizadas, como “golpe militar”, “ditadura militar”, “anos de chumbo” e “porões da ditadura”, expressam a vontade desta mesma sociedade de se dissociar do regime, embora parte dela tenha participado direta ou indiretamente dos governos militares.
Suas palavras incomodam:
— Nenhuma ditadura fica 20 anos no poder só com a força das armas. Ela tinha alguma legitimidade na sociedade. Uma coisa é admitir esse apoio, mas isso não significa legitimar o que eles fizeram pelo fato de terem apoio da sociedade. Ela continua sendo ilegítima da mesma maneira — disse Marcelo Ridenti, sociólogo da Unicamp.
Ridenti, ao lado do cientista político João Quartim de Moraes, também da Unicamp, vem travando um duelo acadêmico com Daniel Aarão Reis desde que o professor da UFF escreveu que a luta armada, ao contrário do que a esquerda defende, não tinha a pretensão de restabelecer a democracia no Brasil. Para a corrente de Ridenti, os 40 anos do AI-5 devem, mais uma vez, ser lembrados como produto dos quartéis.
— A dinâmica social não foi determinada pelos que não sabiam nem em que posição estavam, mas pelas forças que conduzem o processo. Só se pode compreender 68 com base naqueles que tomaram posição — sustenta Carlos Wainer, professor da UFRJ e organizador de eventos sobre 68.
— O AI-5 foi uma carta branca para massacrar. Era a única maneira de liqüidar, em curto prazo, a luta armada. O recurso sistemático da tortura como meio de coleta rápida de informação permitiu desbaratar a rede clandestina, as bases operacionais táticas da luta armada. Isso estava claro — disse Quartim de Moraes.
Os militares não estavam sozinhos quando baixaram o ato: o pedido de licença para processar Márcio Moreira Alves, antes de chegar à Câmara, teve o aval do Supremo Tribunal Federal; setores mais radicais da Arena, partido do governo, insuflaram os quartéis a apostar no confronto com o Congresso; e, mais tarde, a máquina de propaganda do governo conquistou multidões nas comemorações do Sesquicentenário da Independência.
Estudos feitos pela historiadora Denise Rollemberg (UFF), da mesma corrente de Daniel Aarão Reis, revelaram que duas das entidades mais combativas da luta pela democracia nos anos finais do regime, a OAB e a ABI, se calaram logo após a decretação do ato. Uma delas, a ABI, sob a gestão do presidente Danton Jobim, chegou a homenagear o general-presidente Costa e Silva, em almoço oferecido na sede da entidade.
— É lamentável a falta de conhecimento e pesquisa de Denise Rollemberg, que se intitula “historiadora”. Falar de Danton Jobim é falar do maior defensor da liberdade da imprensa e dos direitos humanos deste país. São totalmente levianas as afirmações desta senhora — reagiu em carta Luis Jobim, neto de Jobim, em nome da família, alimentando ainda mais a polêmica.
ps: sempre me incomodou a visão unilateral passada, sem que houvesse a mostra de toda uma corrente da ciência que em suas pesquisas diz o contrário. O mesmo ocorre com Jango, cuja memória é enaltecida, mas que alguns historiadores dizem que as famosas reformas faladas não seriam tão "profundas".
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