Em 2003-2004 a economia dos EUA parecia a muitos ter-se recuperado rápida e miraculosamente do crash do mercado de acções de 2000 e da recessão de 2001. Entretanto, havia naquela altura quem argumentasse que isto não era uma recuperação genuína da acumulação, e que a retomada rápida devia-se ao advento de uma maciça bolha habitacional, a qual estava destinada finalmente a explodir. Os editores da Monthly Review (John Bellamy Foster, Harry Magdoff e Robert W. McChesney) escreveram então "Que recuperação?" , publicado em Abril de 2003:
A grande ironia ... é que a economia dos EUA está a ser impulsionada para a frente na actual fraca recuperação em grande medida pelo crescimento do consumo pessoal, apesar de os salários reais estarem a declinar. O principal factor a suster o consumo é a tomada de empréstimos com base no valor acrescido das casas – ou uma bolha habitacional... A bolha habitacional pode ser esticada tanto quanto possível sem explodir... Mesmo sem uma diminuição nos preços habitacionais, há indicações de que as pessoas esticaram o seu crédito de modo que a expansão da procura do consumidor pode não ser capaz de continuar ao mesmo ritmo... A dependência da economia de bolhas na habitação e nos gastos do consumidor torna-se mais alarmante quando se reconhece que outras fontes de procura estão a falha. A locomotiva de uma economia capitalista é a acumulação capital ou investimento. Contudo, os investimentos fixos em negócios nos Estados Unidos declinaram a uma taxa anual de 3 por cento nos primeiros três trimestres de 2002.
Não é preciso dizer que os economistas ortodoxos geralmente abordaram tais contradições com olhos bem fechados. Eles insistiram (não pela primeira vez) que o seu ramo da Ciência Económica havia efectivamente suprimido o ciclo de negócios capitalista. O economista Robert Lucas , da Universidade de Chicago (vencedor do Nobel Memorial Prize em ciências económicas do Banco da Suécia) declarou no seu discursos presidencial à American Economic Association que a depressão económica era uma coisa do passado. O "problema central da depressão-prevenção" foi "resolvido, para todos os propósitos práticos". Mais significativamente, o economista de Princeton Ben Bernanke, então governador do Federal Reserve Board, fez um importante discurso à Eastern Economic Association em 20 de Fevereiro de 2004, intitulado "The Great Moderation" , no qual argumentava que a política monetária havia-se tornado tão refinada que era capaz de eliminar a volatilidade na economia. Devido ao avanço da técnica monetária, afirmou ele, "as recessões tornaram-se menos frequentes e menos severas". (John Kenneth Galbraith, no título do seu último livro, denominou tais ilusões como The Economics of Innocent Fraud .)
Bernanke, que em 2005 foi nomeado chefe do Conselho de Consultores Económicos de Bush e em 2006 presidente do Federal Reserve Board, questionou continuamente a existência de uma bolha habitacional e argumentou que os "fundamentos" da economia eram sadios (ver John Bellamy Foster e Fred Magdoff, "Financial Implosion and Stagnation," Monthly Review, December 2008). Uma autoridade reconhecida na Grande Depressão, na qual ele seguiu a liderança de Milton Friedman, Bernanke asseverou que aqueles temores haviam felizmente desaparecido, e que mesmo as perturbações da estagflação na década de 1970 haviam sido ultrapassadas. O novo debate em macroeconomia nos próximos anos, sustentava ele, já não seria acerca das fontes da Grande Depressão, ou mesmo da crise de estagflação dos anos 1970. Ao invés disso focaria "as fontes da Grande Moderação". Para confirmar, o Japão estava então a emergir de uma década de estagnação a seguir a um crash financeiro. Mas para Bernanke isto não era uma indicação das crescentes contradições do capitalismo e sim, simplesmente, destacava o facto de que alguns bancos centrais administravam o dinheiro melhor do que outros.
Hoje estamos em meio do que foi denominado a "Grande crise financeira" (ver John Bellamy Foster e Fred Magdoff, The Great Financial Crisis: Causes and Consequences , Monthly Review Press, January 2009). A "Grande moderação" de Bernanke – ou "o declínio substancial na volatilidade macroeconómica nos últimos vinte anos" – parece-se não com o "extraordinário desenvolvimento económico" como ele lhe chamou quatro anos atrás, mas meramente a calma que precede a tempestade. Mesmo então o seu triunfalismo centrado nos EUA ignorava o desastre económico que devastou a Argentina, o México e a Indonésia, bem como os estados da antiga União Soviética retornados ao capitalismo, nos vinte anos de "moderação" anteriores a 2004, como se isto houvesse acontecido para não humanos. Não era feita qualquer menção ao facto de que a estabilidade económica dos EUA fora alcançada em parte através do saqueio dos recursos, tanto naturais como financeiros, daqueles e de outros países.
Ironicamente, o conjunto de políticas neoliberais que Bernanke estava então a celebrar como a fonte da "Grande moderação" – promovido pelo triunvirato de Greenspan, Rubin e Summers (baptizado pela revista Time, 15/Fevereiro/1999, como "o comité para salvar o mundo") – só serviu para tornar a crise, quando finalmente chegou, muito mais severa. Com a "Grande moderação" a encabeçar o Fed, e o Summers do "Deixe-os comer poluição" agora outra vez no poder junto ao presidente eleito Obama, é difícil não esperar o pior. Na verdade, a presente atitude do "não ver o mal, não ouvir o mal, não falar no mal" em relação ao capitalismo condensada em Bernanke e Summers servirá apenas para agravar a crise, com efeitos desastrosos para milhares de milhões de pessoas no mundo todo.
O original encontra-se em http://mrzine.monthlyreview.org/foster031208.html
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