Desde que as duas enchentes históricas de 1983 e 1984 atingiram o Vale do Rio Itajaí, causando a morte de 43 pessoas, estudiosos de universidades locais passaram a se preocupar com a vulnerabilidade da região. Na semana passada, nove desses especialistas, professores da Fundação Universidade Regional de Blumenau e da Universidade Estadual de Santa Catarina, se reuniram para discutir as causas principais da enchente deste ano e sugerir providência.
A reportagem é de Bruno Paes Manso, Vitor Hugo Brandalise e Renato Machado e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 30-11-2008.
Segundo Beate Frank, as principais causas da enchente podem ser resumidas em cinco: a quantidade de chuva na região, o local da concentração da chuva, o tipo de rocha do Vale do Itajaí, a forma como vem sendo feita a ocupação desordenada do local e o desmatamento da vegetação local, fatores que são detalhados abaixo. Na ressaca da tragédia, Beate afirma ver com ceticismo a promessa das autoridades em reconstruir a cidade. “Estamos cansados de ver a reconstrução repetindo os mesmos erros do passado. É preciso aprender com os erros. Está na hora de reinventarmos a região e erguer as cidades a partir das lições que tivemos”.
CHUVA
Em quatro dias choveu 500 milímetros, o que significa 500 litros por metro quadrado, mais do que o dobro da enchente de 1984, causada por 200 mm. A média anual na região é de 1.500 mm. A quantidade de chuva, no entanto, não foi o único problema. Historicamente, as enchentes ocorrem a partir do alto do Vale do Itajaí, área de 8 mil quilômetros quadrados, formada por 30 cidades rurais. O sistema de alerta a enchentes, com monitoramento meteorológico e hidrológico, está todo concentrado nessa região. Quando chove no alto do Vale, a Defesa Civil tem pelo menos 24 horas para evitar o pior nas partes mais baixas. Na enchente deste ano, contudo, a chuva se concentrou no médio Vale do Itajaí, na região de Blumenau e no entorno. Não havia sistema de alerta nos rios dessa parte do Vale e não houve como se precaver.
ROCHA
As rochas que formam a encosta do vale são antigas, de 600 milhões a 2,4 bilhões de anos. Na região, não existem mais rochas sãs - são intemperizadas, decompostas ao longo dos anos e, com o tempo, se tornaram porosas e viraram barro. Além disso, esses solos são profundos, com 30 a 40 metros de espessura, sujeitos a se movimentar facilmente, situação que se potencializa por causa da inclinação das encostas, que chega a 70° de declive.
CORTES DOS MORROS
Se a declividade acentuada já não bastasse, as construções se tornam ainda mais vulneráveis por causa dos cortes feitos nas montanhas para a construção das casas. Os assentamentos usam a terraplenagem para deixar o terreno liso e construir imóveis. Esse retalhamento aumenta a instabilidade do solo. Morar em cima ou embaixo das encostas se torna muito arriscado. Na tragédia deste ano, desabaram casas de ricos e de pobres, algumas com mais de 50 anos de existência. Nos vôos aéreos feito pelos professores, o problema da ocupação desenfreada e do desmatamento se tornou evidente. Eles puderam constatar que houve desabamento em áreas sem casas e com matas nativas, o que mostra a vulnerabilidade do solo e a força das águas. Mas a proporção de avalanches foi incomparavelmente maior onde havia loteamentos e desmatamento.
MATA ATLÂNTICA E CILIARES
Por causa do declive acentuado das encostas, a ocupação do Vale do Itajaí ocorreu primeiramente nas margens e várzeas dos rios, o que causou o desmatamento de 90% das matas ciliares da região, tipo de vegetação que evita que as águas da chuva provoquem enxurradas. O Código Florestal, de 1965, limita a ocupação da margem dos rios. A legislação não impediu a construção da BR-470, que caiu dentro do rio e rompeu um gasoduto na altura da cidade de Gaspar. Já as encostas do Vale passaram a ser ocupadas ao longo do século passado, depois do adensamento da várzea, e cobertas pela mata atlântica. Trata-se de um tipo de vegetação relativamente abundante se comparada ao restante do País. Mas o desmatamento ocorrido com a ocupação da encosta foi suficiente para aumentar a vulnerabilidade do solo dos morros, já bastante acentuada por causa do tipo de solo local.
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