Em seu novo livro, o cientista político José Luís Fiori contesta a tese de que está no fim a hegemonia americana.
A reportagem e a entrevista é de Cássia Almeida e publicada pelo jornal O Globo, 30-11-2008.
Professor e diretor do Programa de Pós-graduação de Economia Política Internacional da UFRJ, José Luís Fiori contesta a tese de que a crise global, que nasceu no berço americano, signifique o fim ou colapso do poder global dos Estados Unidos ou a crise terminal do capitalismo. No livro que chegou às bancas esta semana, “O mito do colapso do poder americano” (Record), escrito em parceria com Carlos Medeiros e Franklin Serrano, Fiori volta ao século XIII para mostrar o movimento de formação dos Estados nacionais. Ele prevê “nova corrida imperialista”, com os EUA no papel central, junto com China e Rússia, indo para África e Ásia Central. E diz que acabou a “adolescência assistida da América do Sul”.
Eis a entrevista.
No seu livro, o senhor prevê uma nova corrida imperialista.
É a idéia de uma explosão, que eu exponho pela primeira vez nesse livro.
Minha reflexão teórica me levou a ver a relação da Inglaterra e Estados Unidos, não como uma sucessão de ciclos hegemônicos, e sim como uma continuidade da mesma força expansiva anglo-saxônica, que arranca da Holanda, passa pela Inglaterra e chega aos Estados Unidos. Mesmo que acreditasse no fim da supremacia americana, isso não significaria o fim do capitalismo. Não há nenhum sinal disso. O sistema mundial de hoje, que nasceu na Europa, assemelha-se mais a um universo em expansão contínua do que a uma sucessão de ciclos vitais ou biológicos. Como se este sistema acumulasse energia e se expandisse de forma contínua desde o século XIII e passando momentos de explosão expansiva, como no século XVI, XIX e agora de novo, neste início do século XXI.
E os EUA com Obama?
Frente a uma situação como a que estamos vivendo, não há conversa. É uma crise econômica, profunda, extensa e prolongada. A isso se junta a incerteza do ponto de vista estratégico militar americano depois do fracasso no Oriente Médio.
A junção das duas coisas cria uma situação de grande complexidade seja na administração da crise econômica, seja na reorientação da estratégia militar internacional dos EUA.
Os Estados Unidos têm hoje acordo militar com cerca de 130 países e têm mais de 700 bases militares ao redor do mundo. Os EUA não têm mais como recuar dessa posição global. Enfrentarão dificuldades e contradições crescentes, mas não recuarão por sua própria vontade.
Para bem ou para o mal, já não há possibilidade de uma ordem mundial futura, qualquer que seja ela, sem a presença do poder americano, que jamais parará de acumular poder e riqueza, mesmo quando já esteja quilômetros à frente dos seus competidores imediatos
E política externa?
Neste campo muitos depositam expectativas contraditórias no novo governo americano. Mas o programa democrata da sra. Hillary e o de Obama são explicitamente intervencionistas. A sra. Hillary Clinton foi a favor da guerra no Iraque. E no governo de Bill Clinton, os Estados Unidos fizeram cerca de 48 intervenções ao redor do mundo.
E onde deve se dar essa nova onda expansiva?
Esta expansão imperialista se dará na África Central, e em um tempo mais, na América do Sul. Na África, a competição entre as grandes potências gera “zona de fratura” onde tendem a se multiplicar as guerras civis.
A América do Sul virá logo a seguir, por se tratar de um território com imensos recursos energéticos, minerais e hídricos.
Já há sinais disso. Conflitos aqui e lá. Você vê menos porque a América Latina é uma região sabidamente de supremacia americana. Mas a ativação da IV frota americana é um exemplo do aumento da preocupação com o continente. Manifestação indiscutível de que a região está se integrando dentro do sistema mundial de competição entre as nações. Neste sentido, digo que acabou a “adolescência assistida” da América Latina.
Seremos, em breve, os maiores exportadores de alimentos do mundo. E a água é questão essencial.
Com a crise, ficou clara a relação entre estado e capital?
Agora só um cego não vê. Ficou transparente a relação inseparável que sempre existiu entre o príncipe e banqueiro, de que falava Fernando Braudel.
E a Rússia?
Um dos grandes desestabilizadores do sistema mundial nas próximas décadas deverá ser a Rússia, e não a China. A Rússia foi a grande derrotada deste fim do século XX e perdeu cerca de um terço do território do seu velho império.
Daqui para frente, sua estratégia estará sempre voltada para a recuperação total ou parcial de suas perdas. Não há como a política externa da Rússia não estar orientada nos próximos 50 anos pelas perdas que teve nos últimos 15 anos.
No seu livro, o senhor diz que não haverá um duelo final entre China e Estados Unidos.
Não haverá um duelo final e a integração financeira só tende a crescer, numa aliança virtuosíssima. Isso não quer dizer que não vão competir fortemente pelo controle de energia e de alimentos.
O senhor diz que o Brasil não terá uma presença internacional maior.
O Brasil não tem capacidade nem mostra interesse em projetar globalmente o seu poder. Mas, sim, tem poder e capacidade crescente dentro da América do Sul. Neste sentido, deve se prever uma tensão maior entre o Brasil e a nova administração democrata, que tem uma tradição mais intervencionista.
Haverá disputa de interesses de todos os tipos crescentemente, mas não quer dizer que haverá rompimento com os Estados Unidos. O Brasil tem alargado sua presença em vários cenários e instâncias multilaterais. Tem relações com a África, com a Ásia, o G-20. Mas isso é diferente de ter uma capacidade de projeção global de poder que tem a ver, basicamente, com canhão e capital.
O senhor crê numa mudança na engenharia financeira?
Sim, mas sem qualquer tipo de acordo ou regulação multilateral. Como nas décadas de 70 e 80, os EUA vão tentar reorganizar e regular o sistema a partir de si mesmo.
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