Blog do Luis Nassif - 01/12/08
Ex-economista-chefe da Febraban diz que Banco Central deveria punir os bancos por exagero nas taxas dos empréstimos
Leandro Modé
De acordo com pesquisas de várias entidades de acompanhamento econômico, nas últimas semanas o setor financeiro aumentou os juros dos empréstimos e reduziu o prazo de pagamento. Troster avalia que não há razões para que os bancos tenham subido tanto as taxas de juros e acha que eventuais abusos devem ser punidos pelo governo.
Troster deixou a entidade há pouco mais de dois anos, após criticar publicamente algumas medidas do governo que afetavam o setor. Do outro lado do balcão, tornou-se um crítico freqüente das instituições financeiras, embora sua consultoria, a Integral Trust, tenha bancos como clientes. Ele nega ter mágoa da entidade. "Tanto na Febraban quanto fora da Febraban, sempre preservei minha independência", diz ele, nesta entrevista ao Estado.
O crédito está voltando?
Os indicadores mais recentes estão menos pessimistas do que os de um mês atrás, mas ainda é cedo para indicar uma retomada. Há bancos que reduziram as suas estruturas de distribuição de crédito. É uma área que se desmonta rapidamente, mas demora para montar. O crédito está mais caro e escasso. Neste ano, o crédito para grandes empresas cresceu a uma taxa que é o dobro das pequenas. Há crédito para grandes tomadores, mas, para os pequenos, não. O impacto disso é muito ruim no consumo e no investimento. Se você não tem crédito, não vende.
Por que alguns bancos não emprestam?
É uma visão imediatista. Não faz sentido emprestar com taxas tão altas e por prazos tão curtos. Estão visando ao lucro no curto prazo, em vez de lucros sustentáveis no médio e longo prazos.
Trata-se de não querer ou é resultado da piora da conjuntura?
A conjuntura piorou, mas também aproveita-se da falta de liquidez para emprestar a taxas desproporcionalmente mais altas. Não há justificativa para aumentarem as taxas na velocidade em que aumentaram.
O BC pode adotar mais medidas para estimular os empréstimos?
Há três coisas. A primeira é fazer o dinheiro queimar na mão dos bancos. O BC fez muito bem com a história do compulsório a prazo, que não seria remunerado. A bem da verdade, o compulsório devia ser eliminado. A segunda é a tributação. Este governo elevou a tributação sobre o crédito. É preciso baixar, eliminar temporariamente. A terceira é coibir abuso.
Como combater os abusos?
Em alguns países, como a Inglaterra, o Banco Central faz isso; é chamado de persuasão moral, é a forma mais simples e deveria funcionar. O ponto é que não pode haver tolerância com abusos não justificados. Há banqueiros querendo emprestar, há dinheiro, mas registros de exageros no preço. Quem sofre é a economia. Já tem gente postergando investimentos, empresas adotando férias coletivas.
O que está na raiz desses problemas?
As pessoas estão olhando para a questão errada, o número de bancos. O correto é olhar para o comportamento na ponta. Alguns segmentos, algumas poucas instituições abusam. Aproveitam uma situação de mercado para abusar.
O que é olhar para a ponta?
Ver se há alguma justificativa para as taxas em determinadas situações. Alguns segmentos são competitivos no Brasil. Os spreads para grandes empresas, por exemplo, são comparáveis aos internacionais. Os compulsórios e a tributação não fazem sentido no País. Aqui, quando a pessoa demanda recurso, ela precisa pagar ainda mais em impostos diretos, como IOF, e indiretos, com os compulsórios. O que se deve tributar é o consumo e não o crédito.
O governo deveria acompanhar as taxas na ponta, então, e, se não houver justificativa, intervir?
Sim, é isso.
A mudança no cenário não justifica uma cautela maior por parte dos bancos?
Antes do agravamento da crise, eu já havia escrito sobre o aperto que estava havendo aqui dentro. O sistema brasileiro é fechado. Temos um sistema de poupança importante. Boa parte do sistema financeiro da América Latina é dolarizado. A gente quase não tem isso. Portanto, não dependemos do resto do mundo. Há muitos bancos pequenos e médios que querem emprestar, mas não têm a matéria-prima, que é dinheiro. Por isso, têm sido obrigados a demitir funcionários.
Não ficou perigoso para os bancos emprestar?
Eles têm de ser mais cautelosos, claro, mas temos de ver a proporção. O crédito estava crescendo a 30% ao ano, com uma economia avançando 5%. Em setembro, o crédito para pessoas físicas até R$ 5 mil teve retração. Não faz sentido isso. Ou seja, estão pagando os juros e amortizando, já. É um senhor aperto do crédito. Ser mais precavido é uma coisa, aumentar as taxas desproporcionalmente é outra.
O fato do sr. ter sido economista-chefe da Febraban tem alguma influência em sua análise?
Não. Sempre fui objetivo. Tanto na Febraban quanto fora da Febraban. Sempre preservei minha independência. Foram cinco anos e meio na Febraban, oito na ABBC (Associação Brasileira dos Bancos Comerciais). Ainda tenho vários clientes bancos em minha consultoria. A demora em comprar carteiras não era tão longa antes. Os limites de crédito para bancos pequenos foram cortados. São as mesmas instituições financeiras, a mesma coisa. Por que as taxas do cheque especial subiram tanto? Não mudou tanto a economia para justificar.
Qual o impacto na economia?
É recessão. Já há projeções para o crescimento do ano que vem na faixa de zero. Antes, estimavam 4%. O impacto é muito grande. Se você quebra o crédito, começa o efeito dominó. Temos que evitar isso a qualquer custo. O Banco Central tem atuado, mas ainda pode fazer mais. O crédito tem um papel importante neste momento da história, pode ser o herói ou o vilão da crise.
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