A África já viu os gostos do líder rebelde do Congo, Laurent Nkunda, antes. A história do revolucionário que se enfurece no interior do país em um avanço rêlâmpago e toma o poder é uma história familiar desde a nativa República Democrática do Congo de Nkunda até as Ilhas Comores. Às vezes, assim como com Paul Kagame na Ruanda ou com Yoweri Museveni na Uganda, os novos líderes são uma melhoria. Mas, em outros casos, como com Robert Mugabe no Zimbábue ou Laurent Kabila, o pai do atual presidente congolês que foi assassinado, eles rapidamente impõem a autocracia e a corrupção que eles inicialmente estavam combatendo.
A reportagem é de Alex Perry, da revista Time, 27-11-2008. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nkunda ainda está no interior, ao longo da fronteira com a Ruanda, no leste do Congo. Mas o rebelde tutsi dobrou o seu território em poucas semanas semanas, precipitando uma crise humanitária que envolve milhões de refugiados. E com suas forças cercando a capital regional Goma e enfrentando um exército nacional em ruínas e um fraco e isolado presidente, sua ameça para tomar a capital congolesa Kinshasa repentinamente deve começar a ser levada a sério. A decisão de Nkunda a realizar uma reunião e uma entrevista coletiva no dia 22 de novembro em Rutshuru, recentemente capturada por suas forças, foi uma chance de descobrir que tipo de líder ele pode provar ser.
Nkunda chega com duas horas de atraso, percorrendo com pose até parar em frente a uma multidão suada de dois mil em uma Toyota Land Cruiser toda preta, ladeada por guarda-costas uniformizados esportivamente. Assim que Nkunda desembarca, os valentões empurram e chutam repórteres e espectadores, então permanecem com cara de lua e pernas afastadas ao redor do seu homem, armas penduradas sobre seus ombros e apontadas para baixo, dedos indicadores correndo ao longo da guarda – a pose das tropas de elite de Fort Bragg até o sul das Filipinas. Nkunda é um homem que administra sua aparência cuidadosamente, talhando uma aparência alta e levemente dandy em trajes militares, uma boina roxa e óculos dourados, e carregando uma bengala preta coroada com uma cabeça de água prateada. Às vezes, ele é afetado por uma aparência de profeta pregador: um longo e esvoaçante sobretudo preto, um colarinho alto de lã creme e um chapéu de pastor preto com abas largas. Mas para o encontro – talvez a aparição mais pública que ele já tenha feito – Nkunda escolha um novo traje: camuflagem de deserto norte-americana. A sugestão parece ser de que Nkunda é, de coração, um ocidental, um democrata – um bom homem na África.
Comprova-se que o tema do dia é projetar uma razoabilidade urbana. Na conferência à imprensa, Nkunda, 39 anos, pai de seis filhos, diz que está pronto para conversar na hora que o presidente Laurent Kabila escolher. Ele nega que esteja interessado na presidência e fala, ao invés, em uma posição no exército congolês – “onde eu me sinto mais confortável”. Dois dias depois, ele se estende sobre esse tema, declarando que está pronto para integrar suas forças com o exército. Seu sonho, ele diz, não é uma ambição pessoal, mas o de um “grande Congo”, não mais ofuscado por seus vizinhos menores e mais desenvolvidos.
Mas Nkunda tem método – e não há nada nisso que sugira razoabilidade. Foi a sua anterior recusa a se integrar com o exército nacional que, em 2004, deu início ao estágio atual da guerra civil de 15 anos do Congo. Suas forças a recém gastaram os últimos dois meses matando as mesmas tropas as quais ele, agora, diz que quer se juntar. E Nkunda tem uma história de crimes de guerra. A ONU acusa suas forças de executar inimigos e estuprar mulheres e acusou-o de crimes de guerra em setembro de 2005. Este mês, acusou suas forças – agora somando cerca de sete a oito mil homens – de tomar parte no massacre de pelo menos 50 pessoas no dia 05 de novembro em um vilarejo de Kinwanja, a 20 minutos de caminhada pela estrada. Isso pode explicar a tentativa de projetar uma face mais gentil. “Eu acho que Kiwanja foi um grande erro tático”, diz Tatiana Carayannis, especialista sobre Congo no Social Science Research Council em Nova Iorque. Em outras palavras, essa não é uma mudança de direção. Pelo contrário, é uma troca de tática de um líder pragmático em busca de um objetivo único: poder.
Às vezes, Nkunda, que prometeu um “inquérito” sobre as mortes, não pode impedir que suas verdadeiras cores se mostrem. Durante a reunião, ele repreende severamente a multidão por sua covardia. “Se vocês têm medo, então me respeitem”, disse. “Eu não tenho medo. Não comparem vocês comigo. Se vocês têm medo, deixem-me passar. Saiam do meu caminho. Eu não tenho medo”. Havia também uma espécie de propaganda grosseira e orquestrada. Diversos desertores do exército congolês deram testemunho de Nkunda lembrando como eles trocaram de lado depois de se darem conta de que a justiça estava no lado rebelde. Então um ladrão esfarrapado e um ex-miliciano Mai Mai também foram levados à frente da multidão para testificar que seu ex-grupo era culpado por saquear e atacar civis, e não os homens de Nkunda. Se é que seja verdade, tais tentativas brutas de administração de imagem só aumentam a pobre reputação de Nkunda. Perguntado sobre como ele via o um milhão de refugiados e a crise humanitária que a sua campanha ajudou a criar, ele respondeu: “Isso é guerra. Nós estamos lutando. As pessoas estão com medo. Claro”. Perguntado se iria marchar sobre Kinshasa, o líder rebelled respondeu: “Por que não?”. Durante o encontro, ele acrescentou: “Nkunda está aqui hoje para trazer liberdade. O país inteiro vai ser libertado”. Quantas vezes a África já ouviu isso?
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