por LUIZ CARLOS AZENHA
Começou a campanha de 2010. Já está pegando fogo, nos bastidores. Se 2006 serve de exemplo, vai ser quente. Em 2006 eu era repórter da TV Globo. Notei, quando estava lá, o que batizei de "repercussão seletiva de capa". É como a indignação seletiva.
Funciona assim: a capa da Veja detona o Lula? Repercute no Jornal Nacional. A capa da Carta Capital detona o Gilmar Mendes? Não repercurte no Jornal Nacional. Eu mesmo, como repórter da Globo, fui escalado pela emissora para repercutir uma capa da Veja sobre uma acusação feita a um dos irmãos de Lula. Na época eu argumentava que nós não deveríamos nos fiar em informações apuradas por outros veículos. E se a informação for falsa? E se não tiver sido bem apurada? Nada mudou. Aí, quando foi para apurar denúncias relativas a José Serra, então candidato a governador de São Paulo, "gaveta".
Já temos um exemplo de indignação seletiva: a repercussão da entrevista do senador Jarbas Vasconcellos à Veja. Funciona assim: a Veja publica, os jornais e a TV Globo repercutem. Em torno de uma denúncia, alguns fatos são apurados. Tantos quantos for necessário para criar uma "crise" ou um "escândalo" e limitados a implicar os adversários. No caso atual o objetivo do PSDB é dividir o PMDB em dois: o "nosso", o de Orestes Quércia, limpinho, imaculado, campeão de ética e pureza. E o "deles", o do Lula -- e, portanto, da Dilma --, sujo como pau de galinheiro. Não dá para defender José Sarney. Nem Renan Calheiros. Mas não dá para imaginar o Quércia como paladino na luta contra a corrupção e a modernização política.
É absolutamente óbvio que o Congresso, como disse o Lula lá atrás, é um antro de picaretas. Mas é "nosso" antro de picaretas. Foi eleito por nós, brasileiros. Não dá para jogar a responsabilidade nos marcianos, nos nordestinos ou no Chávez. Hoje tanto Serra, quanto a Dilma, quanto o Aécio, quanto o Ciro estão de mãos amarradas. Todos buscam fazer composições pensando em 2010.
A vantagem do Serra, que na verdade eu não acho tão vantagem assim, é que ele tem um esquema midiático controlado nos bastidores: é o eixo Veja-jornalões-TV Globo. Quem melhor explicou esse esquema, por incrível que pareça, foi o Sarney: a filha dele foi vítima do esquema do Serra, que detonou a candidatura de Roseana Sarney a partir de uma capa da revista Veja. A capa da Veja está aqui. E o Sarney fez um discurso explicando como agiu o esquema do Serra, que naquele caso incluiu a manipulação de promotores e policiais federais. O discurso, para quem quiser relembrar, está aqui.
Existe uma vantagem nesse esquema: a ala serrista do PSDB pauta o noticiário. Foi assim em 2006. Havia três CPIs apurando fatos relativos ao governo Lula. E o Jornal Nacional chegou a dedicar mais de 5 minutos por dia às denúncias. Quantas delas se materializaram em provas e condenações? Pouquíssimas. Ou por incompetência, ou por falta de vontade política, ou por ausência de provas factuais. Fez-se muita política com o "denuncismo". Tanta que esse estilo de campanha, em minha modesta opinião, está desgastado.
Convenhamos: quem é que surgirá como "salvador" da Pátria, pairando feito santo sobre o escombro dos adversários detonados pelo esquema Veja-jornalões-TV Globo? José Serra? Não acho que ele tenha carisma, nem um projeto que entusiasme o eleitorado de fora de São Paulo. Aqui a classe média se move muito mais pela oposição a qualquer coisa que cheire a pobre, preto ou nordestino do que por entusiasmo genuíno pela capacidade gerencial de José Serra. As enchentes, o trânsito caótico e a crise das polícias -- essa sim, uma crise gravíssima -- são inescapáveis. Serra é o anti-Lula num momento em que o presidente da República tem 84% de aprovação popular. Tem futuro um candidato assim?
E, finalmente, chegamos aos métodos: Serra é um político de bastidor. Ficção ou realidade, todo jornalista já ouviu falar de pelo menos uma situação em que o Serra ligou para o patrão pedindo a cabeça de repórter. O governador paulista é autoritário. É incapaz de lidar com a complexidade política de uma sociedade de massas como a brasileira, em que não dá para resolver o problema dos sem-terra, por exemplo, à bala. Ele não tem o traquejo de sindicalista do presidente Lula, que é naturalmente um conciliador. Eu não quero desfazer do poder da mídia, nem do poder da máquina de propaganda que se articula para levar Serra ao Planalto.
Mas acho que existe um risco: muitos "operadores políticos" e pouco povo. Muita onda e pouca substância. Muito barulho por nada.
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