Sob o peso das recentes revoltas financeiras, o cenário da economia mundial está mudando. De privados, bancos e empresas em dificuldade poderão se tornar propriedade pública. Mas nos Estados Unidos e na Europa nem todos estão de acordo.
A reportagem é de Federico Rampini, publicada no jornal La Repubblica, 03-03-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Hoje nos Estados Unidos, nos resíduos mais fortes da direita republicana, está de moda colar nos parabrisas dos carros um adesivo escrito "Comrade Obama, U. S. S. A" [Companheiro Obama]. O companheiro Obama seria o líder dos United Socialist States of America? Mike Huckabee, ex-governador do Arkansas que disputa a nomeação republicana, não tem dúvidas: “Lênin e Stalin estariam felizes pelo que está ocorrendo aqui”. O que provoca a ira dos conservadores é uma palavra: nacionalização. Até agora parciais, latentes, não-ditas, mas sempre nacionalizações.
Para os republicanos, não conta que até o seu ex-ídolo Alan Greenspan, na cúpula do banco central nos tempos de Ronald Reagan a George Bush, tenha dado a sua benção. “Pode ser necessário – disse Greenspan recentemente – nacionalizar temporariamente alguns bancos para poder curá-los”. A razão pela qual os EUA adotam uma medida tão drástica é simples: força maior. Os maiores institutos de crédito – do Citigroup ao Bank of America – já estariam falidos sem a ajuda do Estado. Não se pode permitir que sejam abandonados ao seu próprio destino. A falência de um banco bem menor como Lehman, no ano passado, criou um efeito-colapso sobre todas as finanças mundiais. E visto que o contribuinte já derramou centenas de bilhões de dólares aos bancos, o mínimo que pode pretender é que o Estado possa influir na sua gestão.
É uma fratura histórica? “Não é verdade que a nacionalização seja estranha às tradições americanas – escreve o prêmio Nobel de economia Paul Krugman –, pelo contrário, é americana assim como a torta de mel”. E frequentemente os presidentes da direita recorreram a ela. Foi o republicano Richard Nixon, em 1971, quem iniciou o salvamento da indústria de armamentos Lockheed, transferindo-a temporariamente para a tutela pública. Nos anos 80, Reagan assinou uma nacionalização parecida da Chrysler. Bush pai fez o mesmo com os bancos de poupança em falência (Savings and Loans). Todas essas operações tiveram um custo muito modesto com relação aos resgates bancários de hoje. Mas há um elemento em comum. As nacionalizações norte-americanas foram quase sempre provisórias, em resposta a uma emergência. O Estado substituiu os acionistas privados para afastar as falências que podiam ameaçar a segurança nacional, ou a estabilidade financeira, ou criar danos sociais insuportáveis. Logo que possível, o governo reprivatizou essas empresas.
A posição de Franklin Delano Roosevelt não foi muito diferente durante a Grande Depressão. Mesmo que os seus adversários também o acusassem de ser um socialista, ele não o era de fato: era um liberal concreto, disposto a experimentar qualquer receita para superar uma crise assustadora. Ao procurar inspiração, mais do que para a União Soviética, RooseveltItália fascista. Depois da crise de 1929, o conselheiro de Mussolini, Alberto Beneduce, salvou da falência os maiores bancos italianos com o ingresso do Estado no seu capital, depois inventou o Iri (Istituto per la Ricosstruzione Industriale) (também essas deviam ser soluções provisórias. Na realidade, na Itália o Estado-padrão durou mais de meio século). Roosevelt tomou a estrada das nacionalizações de modo muito pragmático. Criando a Tennessee Valley Authority, por exemplo, deu vida a uma empresa do Estado de energia elétrica para despedaçar o oligopólio dos privados e influenciar sobre as tarifas. olhou com interesse para a
É necessário ir à Europa para encontrar um outro tipo de nacionalização: teorizada como uma solução superior à propriedade privada, mais justa ou mais eficiente, mais inclinada a defender o interesse nacional, mais benéfica para os trabalhadores e para os cidadãos. O antecessor dessas nacionalizações é a expropriação dos bens da Igreja decidida pela Revolução Francesa em 1789. Com o advento do pensamento socialista, o recurso às nacionalizações se torna sistemática: os bolcheviques na Rússia abolem a propriedade privada das terras em 1917 e a propriedade dos bancos e da indústria em 1918: como queria Karl Marx, os meios de produção são coletivizados na ditadura do proletariado (a mesma estrada tomada por Mao Zedong na China em 1949).
Na França, o estatismo tem raízes profundas em diversas tradições políticas, e as nacionalizações foram bipartidárias: em 1936, a Frente Popular confiscou as ferrovias e a nascente indústria aeronáutica. Entre 1944 e 1946, Charles De Gaulle expropriou a Renault, os quatro bancos principais, o transporte aéreo, as minas, a energia elétrica e o gás. A última célebre onda de nacionalizações foi lançada pelo socialista François Mitterrand em 1982 e trouxe para o controle do Estado todas as maiores empresas industriais e bancárias: no fim, em 1983, 25% dos trabalhadores franceses pertenciam ao setor público.
Na Inglaterra, o Labour Party nacionalizou o carvão em 1946, a energia elétrica em 1947, as ferrovias em 1948, o aço em 1967, a Rolls-Royce aeronáutica em 1971 e, por fim, a empresa automobilística British Leyland em 1976.
Os casos são muitos diferentes, como fica evidente pelo elenco inglês.
Às vezes, foram as nacionalizações-resgate que impediram o desaparecimento de empresas moribundas, mas consideradas estratégicas ou socialmente vitais. Outras vezes, os governos europeus (nem sempre e apenas de esquerda) viram na propriedade pública a melhor cura contra as rendas parasitárias nos “monopólios naturais”, como a energia, as telecomunicações, os transportes, a televisão. Assim, foi motivada na Itália a criação do Enel (Ente Nazionale per l'Energia Elettrica) e a nacionalização da energia elétrica decidida pelo primeiro governo de centro-direita em 1962: o ente público substituía uma selva de outros milhares de operadores privados que tinham depenado o consumidor, criando, além disso, graves disparidades regionais.
A onda das desnacionalizações lançada por Margaret Thatcher em 1979 não foi só uma mudança ideológica, em consequência de uma reviravolta quase universal nas relações de força entre direita e esquerda. As inovações tecnológicas também tinham peso. Em muitos setores – começando pelas telecomunicações – tornou-se obsoleto o conceito de “monopólio natural”. Os progressos de eficiência eram facilitados pela competição entre atores privados. Em todo o caso, o acionista público resistiu com bons resultados: a França não teria uma liderança mundial na energia nuclear e na alta velocidade ferroviária se esses setores tivessem sido absorvidos na lógica do benefício de curto prazo que caracteriza as sociedades privadas.
A propriedade pública, porém, nem sempre é uma garantia, nem para o contribuinte, nem para o consumidor: justamente na França, um dos mais graves escândalos financeiros do pós-guerra teve como protagonista o Crédit Lyonnais quando era do Estado.
Hoje, não há, em nenhuma parte do mundo, um “pensamento forte” que teorize o retorno sistemático ao Estado-padrão. As nacionalizações estão ocorrendo contra a vontade, para sustentar blocos inteiros do sistema econômico que estão desabando. Como John Maynard Keynes ensinou, há momentos em que o capitalismo deve ser salvo por si mesmo.
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