Confesso nunca ter sido um entusiasta de ideologias. De qualquer lado que fosse, para mim sempre funcionaram como camisas de força, impedindo o livre pensamento.
Além disso, partiam do pressuposto que tudo o que o outro lado defendia era, em princípio, maléfico – e, na outra ponta, todas as propostas do próprio lado, virtuosas.
Mais que isso: esse jogo acaba levando a posições antagônicas sobre qualquer assunto. Se A tomava um lado, o outro tinha que ser B.
O que aprendi, acompanhando a economia brasileira desde os anos 70, é que um grupo sempre se fortalece em cima da estratificação do grupo anterior. Entra, acerta os pontos mais tortos do modelo anterior, mas, por sua vez, cria sua própria estratificação – que só será rompida quando o grupo anterior volta. É o movimento pendular, imagem à qual recorro há décadas.
O período estatizante
A história recente do país é rica nisso. O modelo de intervenção do Estado funcionou dos anos 30 aos 70, tornou-se amplamente disfuncional a partir do início dos anos 80. Toda a economia estava amarrada, havia um nacional-desenvolvimentismo com olhos exclusivos na grande empresa estatal e na grande empresa nacional. Nem se pensava em inclusão social, apoio a pequenas e micro empresas.
Regulamentos, reservas de mercado, burocracia, lei de informática e outros aleijões serviam apenas como ferramenta para beneficiar grupos específicos.
Algumas idéias surgiram nos anos 80, mas não frutificaram devido à estratificação do modelo. O economista Júlio Mourão propôs a chamada integração competitiva – abertura gradual da economia para permitir às empresas brasileiras integrarem-se gradativamente à economia internacional e foi quase linchado pelos desenvolvimentistas. Paulo Nogueira Neto acenou com as primeiras bandeiras ambientais, José Israel Vargas com os primeiros programas de gestão e qualidade. Tudo ficou em segundo plano devido, primeiro, à mitificação dos planos econômicos. Depois, devido à vã ideologia.
Idéias sobre gestão eram consideradas formas de exploração do homem pelo homem. Idéias sobre meio ambiente, sustentabilidade, não encontravam eco.
Aí surge Fernando Collor como um furacão, arrebenta com o velho modelo através de medidas desastrosas (como a reforma administrativa) e outras virtuosas (ampliação dos programas de qualidade, preocupação com o consumidor, combate aos cartéis).
O ciclo financista
Entra-se no novo ciclo. Collor, o pragmático, dura um ano. A partir da entrada de Marcílio Marques Moreira na Fazenda tem início o ciclo financista – que encontra seu auge no governo FHC.
A ala desenvolvimentista do PSDB propunha um estado enxuto, porém forte, um governo voltado para as funções básicas do Estado –prover saúde, educação e regulação. Acabou engolfada pelo mercadismo em causa própria de seus economistas.
No fundo, o que estava em jogo era substituir os vitoriosos do antigo modelo – indústria nacional, estatais – pelos novos vitoriosos – gestores de fundos. É um período em que se cobrem de favores um Jorge Paulo Lehmann, Daniel Dantas, gestores de fundos.
Boas idéias do período, como as novas políticas sociais, não recebem a menor prioridade. Educação vira uma questão estatística. E a noção de empresa pública se perde.
Arrebentaram com a estrutura existente, arrebentaram com a estrutura de pequenas e médias empresas (que jamais recebeu amparo no modelo anterior, saliente-se). Assim como no modelo anterior, os fatos e conveniências acabaram se impondo sobre o pragmatismo, criando vícios enormes.
A síntese
Um novo modelo teria que buscar o que os dois anteriores tinham de melhor e não embarcar na visão dogmática que marcava cada qual.
Há que se ter estado; as políticas sociais devem ser o foco de toda ação pública. Mas há que se ter uma economia competitiva, e isso significa racionalização de gastos, sem redução do atendimento social – o que só é possível com boa gestão. Há que se fortalecer as cadeias produtivas, o mercado de capitais, mas tendo como foco a defesa da produção interna – sem embarcar no paternalismo dos anos 80. Há que se ter o fortalecimento do funcionalismo público, mas reforçando a meritocracia.
Desde que voltado para o aumento da eficiência da economia real, o mercado de capitais é peça essencial, assim como as parcerias público-privadas, assim como o fortalecimento e a profissionalização do funcionalismo públicos.
O ponto central é definir os fins – promoção social, desenvolvimento sustentável, geração de empregos – e, depois, buscar os meios mais adequados.
Tendo isso em mente, ser de esquerda ou direita se resumirá apenas à gradação em torno do coquetel de medidas colocadas à disposição da política econômica.
Mas não há a menor dúvida de que, quando essas ideias pegarem, um grupo vai se apossar deles como instrumento de poder. O jogo político é definitivamente um jogo em que as ideias são colocadas debaixo de embrulhos ideológicos para propiciar o controle do poder do Estado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário