"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quarta-feira, março 04, 2009

FHC e as lições tardias

Blog do Luis Nassif - 01/03/09


Os artigos de Fernando Henrique Cardoso no “Estadão” são imperdíveis por alguns motivos.

O primeiro, pelo fato de ele ser o grande líder das oposições. É FHC quem dá o tom e os argumentos.

O segundo é que o intelectual não resiste a expor as estratégias do político. Ele coloca, então, publicamente, o que, em geral, se discute em particular com aliados políticos e da mídia. De certo modo, fica parecendo os espetáculos de autocríticas públicas às quais as esquerdas costumavam recorrer nos anos 70 e 80. Lembram-se?

O que ele diz no artigo de hoje:

O nome do artigo é sugestivo:

“O gesto e a palavra”

(…) Não se sabe com que palavras qualificar o que anda pelo mundo: recessão prolongada, depressão, fim do unilateralismo americano na política, multipolaridade, não-polaridade, etc. Por aqui o governo prefere passar em marcha batida sobre o que nos azucrina. Em vez de desenhar quadros sombrios ou róseos para o mercado, faz o decoupling à moda brasileira: descola a economia da política, precipita o debate eleitoral e, nele, vale o discurso vazio.

Exagerou. Lula tornou-se uma das principais vozes em defesa da multipolaridade, conforme pode-se conferir pela repercussão de sua atuação nas reuniões multilaterais pós-crise.

É verdade que não somos os únicos a encobrir as angústias apelando para gestos sem conotação, sequer alusiva, aos fatos e circunstâncias. Basta mencionar a campanha bolivariana pela reeleição perpétua, uma quase-caricatura da política. O significado da democracia se esboroou na “consulta popular”. Se o povo quer o bem-amado para sempre, pois que o tenha e, como disse nosso presidente Lula, se a prática ainda não é boa para o Brasil, é questão de tempo. Quando a cidadania amadurecer, encontrará a fórmula de felicidade perpétua…

Forçou. Lula já se declarou contra reeleição – que foi instituída por FHC. A própria mídia fala em conversas dele com a oposição visando aumentar o mandato para 5 anos, sem reeleição.

(…) O descolamento entre a política e a realidade das pessoas (não só a economia), a repetição simbólica de gestos que guardam pouca relação com um ambiente racional, mas “ligam” o ator com a plateia e com a “sociedade”, está se tornando regra nas atuais democracias de massas. (…) Quando me recordo do “sangue, suor e lágrimas” dito por Churchill ao se tornar primeiro-ministro em plena guerra contra o nazismo, do discurso em Fulton, quando disse que uma “cortina de ferro descia sobre a Europa”, ou de vários pronunciamentos de Roosevelt, como o de posse em plena Depressão, célebre pela frase “nada há a temer, exceto o próprio medo”, ou ainda de Getúlio Vargas no estádio do Vasco da Gama apelando aos trabalhadores, e comparo com a retórica atual, há um abismo a separá-los.

É curioso, porque o próprio FHC enfrentou cinco crises internacionais – quando, depois da primeira, jamais o país poderia ter entrado nas demais. Em todos os casos, o que ele fez foi minimizar as crises e a situação do país, deixando-o à mercê da crise seguinte.

E não se diga que é fenômeno de países de “democracia pouco amadurecida”. A entronização de Obama como imperador de todos os americanos, na magnífica posse no Capitólio, assemelhava-se a uma grande cena romana. O cenário era tão expressivo, a fusão simbólica do recém-eleito com os founding fathers e com os valores fundamentais da democracia americana eram tão fortes que obscureceram o conteúdo do discurso inaugural.

O sociólogo está se surpreendendo com características recorrentes das democracias de massa, quando confrontadas com líderes carismáticos. Talvez por não ter conseguido chegar naquilo que é a ambição de todo governante: o imaginário popular.

(…) Ainda na semana passada, na primeira visita presidencial ao Congresso, o que foi dito sobre a crise econômica e sobre o futuro foi menos importante do que o reafirmar o “yes, we can”, num cenário da pátria unida para perpetuar sua glória. Mesmo que o castelo financeiro esteja desabando, a América vencerá, era a mensagem. No caso, nada que ver com Chacrinha, o símile é outro: a invocação do pastor, a reafirmação da fé, e não a troca simbólica de favores, do bacalhau, da Bolsa-Família ou da canção de amor.

O que ambos – Obama e Lula – têm em comum foi ter percebido que os novos tempos exigiam democracia social, inclusão social, a volta aos valores da justiça e da inclusão social. O sociólogo passou por essa possibilidade e ficou cego, nada viu, não foi capaz sequer de ouvir a grande intelectual orgânica da família: dona Ruth.

Faço estes comentários despretensiosos porque me preocupa o que possa vir a ocorrer no Brasil. A mídia e a sociedade cobram um discurso de oposição. Diz-se, e é certo, que ela deve unir-se se quiser vencer. Mas que discurso fazer?

Aqui entramos no que interessa.

O racional, da crítica ao desmanche das instituições, do enlameamento cotidiano da política, deveria ganhar mais vigor, dizem. O grito de Jarbas Vasconcelos estava parado no ar e sua entrevista na Veja deu-lhe um sopro de vida. Mas foi o próprio senador quem mostrou os limites desse tipo de protesto: o governo e o próprio presidente banalizaram o dá-cá-toma-lá. É como nos computadores, quando se envia um e-mail e surge o aviso: a caixa está cheia. A caixa da revolta dos brasileiros contra o mau uso da política parece estar cheia. Temo que qualquer discurso “político” seja logo desqualificado pelos ouvintes.

A óbvia Veja, o óbvio Bucci, o óbvio jornalismo político neocon, tratando a entrevista como um “divisor de águas”, uma nova entrevista do Pedro Collor, e o chefe da oposição, não abrindo mão da análise, tratando-a como foi: um furo nágua.

Quer isso dizer que as oposições devem silenciar sobre a perda de substância das instituições, sobre o clientelismo e a corrupção larvar, tudo com a leniência de quem manda? Não. Mas precisam inventar uma maneira de comunicar a indignação e as críticas que toque na alma das pessoas.

Como tocar, se o chefe da oposição valeu-se dos mesmos expedientes, do mesmo PMDB, do mesmo Geddel, Jáder, Sarney? Se o próprio FHC – com razão – mostrou que essa cooptação era fundamental para a governabilidade?

(…) Não estou dizendo que a comunicação política se resolve pela supressão do discurso analítico. Isso seria rendermo-nos à ideia da política como mistificação (o que, aliás, não é o caso de Obama). Mas quando se dispõe de um ícone, como o Plano Real, por exemplo, ou quando o próprio candidato é um ícone, tudo fica mais fácil.

Em nosso caso, as oposições, além de articularem um discurso programático, condição necessária para quem se respeita e acredita nas instituições, deverão expressá-lo de forma a sensibilizar o eleitorado.

Agora? Depois de ter gasto toda a munição como senhor da guerra, articulado essa frente de jornalistas, com os ataques mais escabrosos não apenas contra a oposição, mas contra quem não aderisse ao seu jogo, se aliado à Veja?

Para tal não bastam a crítica convencional e a discussão da política, tal como ela ocorre no Congresso, nos partidos e na mídia. É preciso buscar os temas da vida que interessem ao povo.

Faça como Jarbas: fale mal da Bolsa Família.

Ademais, a comunicação emotiva requer “fulanizar” a disputa para atribuir ao candidato virtudes que despertem o entusiasmo e a crença.

Dá para entender a marcação (com direito a baixarias) em cima da Dilma? Dá para entender, aliás, todo o conteúdo da entrevista do Jarbas, da Dilma prepotente e do Serra estadista? FHC passou o roteiro integral ao Jarbas.

(…) Mas só eles não bastam. Programa político só mobiliza a sociedade quando é vivido por intermédio do desempenho de personagens que tratam como próprias as questões sentidas pelo povo.

Aprendeu tardiamente. A maior resistência contra FHC não foram sequer as medidas que adotou, a loucura do câmbio. Foi o desprezo a qualquer forma de solidariedade para com os que sofriam com sua política econômica, o tratamento dado aos aposentados, aos petroleiros, aos “adeptos da fracassomania”.

Comentário final

O mais importante da entrevista é a sinuca de bico em que FHC levou a oposição. Com sua inegável inteligência, em um artigo pensado, burilado, sem a rapidez das entrevistas, FHC mostra-se literalmente no mato sem cachorro. Poderíamos falar dos grandes erros cometidos nessa estratégia do PSDB - em parte pelo xeque dado por Lula, em parte por falta de visão de futuro. Mas fica para a próxima, que o post ficou grande demais.

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