"Estudo mostra que, com o número de horas consumido nos deslocamentos, em 30 anos uma pessoa com salário de R$ 5,7 mil por mês terá desperdiçado R$ 3,5 milhões; outra, com salário de R$ 760, perderá o equivalente a R$ 1,5 milhão", escreve Washington Novaes, jornalista, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 10-04-2009.
Segundo o jornalista, "diante de todas essas estatísticas, espanta que as políticas públicas brasileiras continuem tão distantes da gravidade da questão". E dá um exemplo: "Ainda há pouco, com a alegação de manter o mercado na indústria automobilística e evitar desemprego, prorrogou-se a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sem exigir qualquer contrapartida". E pergunta: "Por que não estabelecer, como já se faz em outros países, que só se licenciará um veículo novo com a prova de que um antigo foi retirado de circulação? Não importa que o rodízio de veículos tenha retirado da circulação em São Paulo um número menor do que foi licenciado desde a implantação do sistema e hoje o problema é mais grave do que naquela época? Aonde se pretende chegar?"
Eis o artigo.
Cada vez que se conhece um novo estudo sobre o transporte na Região Metropolitana de São Paulo cresce a perplexidade. E não foi diferente com o caderno especial Origem/Destino, publicado por este jornal em 3 de abril, abrangendo 59 municípios numa pesquisa que consultou 90 mil pessoas. Vê-se ali que o tempo consumido pelos deslocamentos cresce a cada investigação (está, na média, em 70 minutos por pessoa, 10 minutos mais que uma década antes). O deslocamento mais frequente é a pé (12,6 milhões de viagens/dia), mais do que em ônibus (9 milhões de viagens/dia) e trens (10,4 milhões). O número de motos cresceu 388% em uma década (145.651 para 710.638). Trabalho (44,5% das viagens) e educação (34%) são as maiores causas de deslocamentos.
A perplexidade cresce diante dos custos crescentes e da ausência de alternativas nas políticas públicas. No caderno, estudo de Marcos Fernandes, da Fundação Getúlio Vargas, mostra que, com o número de horas consumido nos deslocamentos, em 30 anos uma pessoa com salário de R$ 5,7 mil por mês terá desperdiçado R$ 3,5 milhões; outra, com salário de R$ 760, perderá o equivalente a R$ 1,5 milhão. E cada vez mais pessoas deslocam-se em automóveis - em 1997 eram principalmente as que ganhavam mais de R$ 3.040 e, 10 anos depois, passaram a abranger as que ganham a partir de R$ 1.520 - mas com um tempo de percurso cada vez maior, porque nesse período a frota de carros particulares passou de 3,09 milhões para 3,60 milhões, mais 509 mil veículos, ou 50,9 mil por ano, ou cerca de 200 carros novos licenciados a cada dia. Nesse espaço de tempo, a população da área aumentou de 16,79 milhões para 19,53 milhões. Os veículos coletivos respondem por 55% do transporte e os automóveis por 30%.
Mais de uma vez já se citou neste espaço o estudo do especialista Nelson Choueri, que há alguns anos calculou que, com o tempo consumido nos deslocamentos em São Paulo, perdem-se 165 vidas úteis por dia (em horas de trabalho) ou cerca de 50 mil por ano, que valem (pelo salário médio) R$ 14,4 bilhões anuais. Se esse valor pudesse ser convertido em investimentos, eles seriam suficientes para em duas décadas implantar o metrô em toda a cidade.
Outro especialista, Adriano Murgel Branco, ex-secretário de Transportes do Estado, ao receber em 2008 o título de "engenheiro eminente", do Instituto de Engenharia, afirmou que na região metropolitana os "prejuízos socioambientais" no trânsito e no transporte em geral vão de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões por ano ("um orçamento municipal a cada ano"). E em 50 anos o total chegaria a US$ 1 trilhão, uns 75% do PIB brasileiro. Cáspite!
E não é só. As pessoas consomem 20% de seu tempo "útil" no transporte. O rendimento energético de um veículo individual não passa de 30% - o restante perde-se como calor. O deslocamento de uma pessoa por automóvel consome 26 vezes mais energia que o mesmo percurso em metrô. Mas deste só se construíram, em média, 1,5 quilômetro por ano em quatro décadas. E esse não é o único desperdício: 93% das cargas no Estado de São Paulo são transportadas por caminhões - quando o transporte ferroviário, cada vez mais sucateado, é algumas vezes mais barato -, que em média têm 20 anos de uso, sem inspeção veicular, e são conduzidos por motoristas que trabalham de 20 a 30 horas seguidas. Por essas e outras, a Associação Nacional de Transportes Públicos tem clamado que na cidade de São Paulo o transporte já ocupa mais de 50% do espaço total, somando ruas, avenidas, praças, garagens e estacionamentos. O que deveria ser meio passa a ser fim em si mesmo.
Tudo isso é parte do preocupante balanço do transporte no mundo, que há poucos dias foi de novo examinado no âmbito de mais uma reunião da Convenção do Clima, em Bonn. O setor, englobando as diversas áreas, já responde pela emissão de mais de 5 bilhões de toneladas de poluentes por ano e, no ritmo atual, chegará a 9 bilhões em 2030. Essa poluição é responsável pela morte de 700 mil pessoas por ano, segundo a Organização Mundial de Saúde. Na capital paulista, são 20 mortes por dia, segundo estudo recente da Faculdade de Medicina da USP.
Diante de todas essas estatísticas, espanta que as políticas públicas brasileiras continuem tão distantes da gravidade da questão. Ainda há pouco, com a alegação de manter o mercado na indústria automobilística e evitar desemprego, prorrogou-se a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sem exigir qualquer contrapartida. Por que não estabelecer, como já se faz em outros países, que só se licenciará um veículo novo com a prova de que um antigo foi retirado de circulação? Não importa que o rodízio de veículos tenha retirado da circulação em São Paulo um número menor do que foi licenciado desde a implantação do sistema e hoje o problema é mais grave do que naquela época? Aonde se pretende chegar?
Espanta ainda a ausência de políticas públicas para os pedestres, que respondem pela maior fatia de deslocamentos. E leva-se no deboche ou na piada a sugestão do escritor e humorista Ziraldo de que se implantem urinódromos nas grandes cidades, já que os transeuntes dependem de favor de donos de botequim e outros estabelecimentos para satisfazer suas necessidades, mesmo sabendo que boa parte dessas pessoas é idosa, com necessidades mais frequentes.
Se não for por sabedoria, que o seja ao menos por compaixão. Ou então pode tornar-se regra a história contada há algum tempo por um grande ator brasileiro. Sua tia, idosa, não queria mais sair à rua no Rio de Janeiro, onde morava. Com a insistência dos parentes, uma manhã saiu por Copacabana e sentiu, no meio do caminho, urgência de uma instalação sanitária. Recorreu ao boteco mais próximo, onde, temerosa da escuridão, não fechou a porta. Entrou um bêbado e urinou sobre ela, sem nem sequer vê-la. E ela nunca mais saiu de casa.
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