A crise atual, por sua extensão e intensidade, propicia a ocasião de finalmente transformar a arquitetura geoeconômica e geopolítica do mundo, escreve Ignacio Ramonet, jornalista, em seu novo livro, "O krach perfeito". Carta Maior, 12-04-2009, publica o capítulo final da obra.
Eis o texto.
Em pânico pelo choque da crise, numerosos governos, como vimos, jogam no lixo suas convicções liberais. Alguns de repente exigem a supressão dos paraísos fiscais. A maior parte deles redescobre Keynes e anuncia aumentos importantes do gasto público. Renegando sua própria doutrina, o próprio FMI reivindica agora intervenções públicas maciças.
O modelo de capitalismo definido, buscando o maior lucro possível, pelos Estados desenvolvidos, é duramente criticado. E seria indecente que esses mesmos Estados, presentes no G-20, “refundassem” um novo sistema econômico para preservar, uma vez mais, seus interesses e sua dominação. É certo que, em Washington, em 15 de novembro de 2008, na Cúpula do G-20, havia Estados do Sul como a China, a Índia, a África do Sul, o Brasil, a Argentina e o México, cujos representantes não esconderam sua indignação porque seus países sofrem as conseqüências a má regulação da economia norte-americana. Alguns viram como, em dois meses, seus esforços para reduzir a pobreza se perderam.
Essa primeira grande Cúpula internacional (a segunda se realizaria em Londres, em abril de 2009), para tentar conter a grave crise econômica e “refundar o capitalismo”, não foi convocada pela ONU, única instancia internacional legítima para fazê-lo, mas pelo presidente de fim de mandato dos EUA, George W. Bush, que concluía seu segundo mandato calamitoso.
Isso testemunha a marginalização crescente da ONU. Seu Secretário Geral, Ban Ki-moon, tinha no entretanto proposto que uma reunião de cúpula do G-8 ampliado se realizasse, com o mesmo objetivo, na sede da ONU em Nova York, antes do fim de 2008. Mas sua convocação não teve resposta.
Esta é uma prova a mais e significativa das mudanças ocorridas nas últimas décadas, que diminuíram o peso da ONU em termos de “governabilidade” planetária e da vontade de substituir essa organização pela reunião de Estados, de legitimidade autoproclamada (sobretudo o G-8) que se atribuem agora o direito de dirigir o mundo sem nenhum consenso internacional, na simples base do direito dos mais fortes.
A crise atual, por sua extensão e intensidade, propicia no entanto a ocasião de finalmente transformar a arquitetura geoeconômica e geopolítica do mundo. Mas não apenas em palavras, como se faz por ocasião de cada krach de maneira muito hipócrita. “Nós viemos dizer que nós queremos construir um mundo novo, o mundo do século XXI – como declarou, por exemplo, Nicolas Sarkozy, cujo temperamento ultraliberal não precisa ser provado, no momento da Cúpula do G-20 em Washington. Esta crise pode ser uma oportunidade se não caímos nas detestáveis atitudes do passado, que nos levaram para onde estamos hoje.” Não hesitando, além disso, em estigmatizar, por sua vez, os hedge funds, os paraísos fiscais e as “instituições financeiras que não se submetem a nenhum controle”.
A crise é uma grande infelicidade, mas como um efeito de alavanca, ela pode propiciar também uma ocasião histórica para fazer nascer um mundo novo, uma planeta definitivamente prevenido contra outros krachs as bolsas e suas conseqüências sociais. Mas, para isso, o G-20 não é suficiente.
Esse tipo de “Cúpula refundadora” só tem sentido se os cidadãos que recusam o neoliberalismo como “horizonte insuperável” estejam representados nela. O poderoso movimento social que, desde a criação de Attac (1998), da batalha de Seattle (1999) e do lançamento do Fórum Social Mundial (2001), se estendeu sobre o conjunto do planeta, têm o que dizer. Principais vitimas da crise, os cidadãos – por meio de suas associações, ONGs e sindicatos – têm soluções a propor para que o desarme do poder financeiro se torne se torne um canteiro cívico maior. O capital e o mercado repetiram, durante trinta anos, que eram eles, e não as pessoas, que faziam a história e a felicidade dos homens. É preciso agora recordar que não há apenas economia como questão mundial: a proteção do meio ambiente, a ajuda ao desenvolvimento, a necessidade de justiça social e a preocupação pelos direitos humanos são também temas mundiais. E são os cidadãos do planeta que devem tomá-los em suas mãos.
Para refundar um novo sistema econômico, não basta controlar melhor os bancos, enquadrar os mercados dos produtos derivados, atacar os paraísos fiscais, controlar as remunerações dos traders, terminar com os super-bônus e os paraquedas dourados, reformar as agências de notação, mudar as normas contáveis, regulamentar os fundos especulativos, conceder menos créditos para a especulação, limitar as agências notariais, impedir os hege funds ou reativar a economia pelos gastos públicos. Todas essas medidas são, aliás, desejáveis. Mas seria preciso sobretudo dar aos cidadãos um maior controle sobre os recursos estratégicos dos Estados e sobre as decisões econômicas que têm a ver com as suas vidas. É preciso criar organizações financeiras internacionais que atribuam prioridade às necessidades dos homens. Que respeitem e defendam integralmente a carta os direitos do homem, a justiça social e um meio ambiente equilibrado. É preciso garantir empregos decentes e serviços fundamentais gratuitos ou subvencionados como a saúde, a educação, a cultura, a habitação, o transporte, o acesso à água potável e a uma energia limpa e renovável.
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