"Ao mesmo tempo em que o país caminhou para um sistema bancário de referência global, mantiveram-se ativas as mazelas da inclusão social. O encaminhamento de um novo projeto de desenvolvimento econômico e social deve pressupor o fortalecimento do sistema bancário e financeiro simultaneamente ao cumprimento de metas crescentes de inclusão social no Brasil", escreve Marcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em artigo publicado no jornal Valor, 16-04-2009.
Eis o artigo.
Em qualquer sociedade moderna, os serviços financeiros fazem parte do padrão de bem estar socioeconômico. As dificuldades de acesso aos mecanismos bancários de poupança e crédito, por exemplo, não somente podem comprometer a necessária isonomia competitiva no interior das forças de mercado, como também tornam mais intensas as diferenças que separam os segmentos ricos da população pobre.
Por conta disso, a literatura internacional especializada considera a dimensão dos serviços financeiros como um dos componentes do processo de inclusão social. No Brasil há espaço para o maior avanço nos estudos e debates acerca da inclusão financeira, especialmente em razão dos expressivos indicadores de desigualdades.
De maneira geral, identificam-se sinais de exclusão financeira quando o acesso aos serviços bancários não se encontra plenamente universalizado, sem a presença de agências próximas aos cidadãos, assimetrias importantes nas informações para todos, custos expressivos aos usuários e inadequadas finanças ao desenvolvimento econômico e social. Não obstante os esforços direcionados ao curso da modernização do sistema bancário brasileiro, constata-se ainda a manifestação de significativos obstáculos ao avanço da inclusão social. Podem ser destacados, por exemplo: a insuficiente difusão de agências bancárias ao conjunto da população e em todo o território nacional, as imperfeições na distribuição das informações, o elevado custo dos serviços e o descolamento das finanças às necessidades reais do desenvolvimento produtivo nacional.
O grau de atrofia constatado no sistema financeiro em relação à inclusão social e ao setor produtivo deve-se, em boa medida, ao contexto recente que marca as principais modificações na indústria bancária brasileira. Desde os anos 90 que se percebe como a nova reconfiguração bancária não se mostra suficiente para apoiar tanto a expansão produtiva como minorar o desequilíbrio na intermediação dos recursos entre setores e regiões atrasadas e avançadas.
Na década de 1960, por exemplo, a reforma bancária e financeira foi realizada com o fim de estimular a aceleração da acumulação de capital e enfrentar os problemas atinentes às transferências intersetoriais e inter-regionais de poupança e crédito. Frente à rápida e drástica transição da população rural para as cidades e à desaceleração econômica, após o êxito do Plano de Metas, havia necessidade de ampla modernização do sistema bancário e financeiro nacional. Mesmo no contexto das políticas anti-inflacionárias ortodoxas do início do governo militar (1964 - 85), houve o mais importante redesenho da estrutura bancária e de serviços financeiros desde 1945, quando havia sido instituída a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc). Para além da introdução da correção monetária, as operações financeiras foram reformuladas a partir da maior regulação pública (criação do Banco Central) e do aumento do papel dos bancos estatais compatível com a expansão dos bancos privados nacionais. Exemplo disso foi o surgimento das primeiras redes nacionais de operação bancárias em meio à importante onda de inovações técnicas orientadas pela criação de empresas estatais no âmbito da infraestrutura, energia e telecomunicações (EPEA, "Situação Monetária, Creditícia e de Mercado de Capitais: Diagnóstico Preliminar para o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social", 1966). Naquela oportunidade, a integração do sistema financeiro se apresentou funcional à acumulação produtiva simultaneamente à incorporação parcial da população aos serviços financeiros. Em 1970, por exemplo, cada banco possuía, em média, 53 agências, enquanto em 1960 eram somente 16.
Com a retomada do regime democrático, simultaneamente à grave crise da dívida externa do início da década de 1980, o tema da reforma bancária e financeira passou a ganhar novamente destaque. Estava claro que a continuidade da correção monetária potencializava a inflação, bem como a financeirização da riqueza deslocava-se das necessidades da economia real. A convergência política em torno de uma nova reconfiguração financeira e bancária começou a ganhar força com a Assembleia Nacional Constituinte, por meio de importantes medidas implantadas, como a criação dos bancos múltiplos, o fim da conta movimento e da carta-patente para existência de bancos. Rapidamente, o Brasil assistiu tanto a duplicação da quantidade de bancos como a forte expansão das agências bancárias em todo o território nacional.
Mas, o que pareceria indicar um novo cenário de inclusão financeira terminou sendo alterado pelo movimento de privatização de bancos públicos e desregulamentação financeira, capaz de reduzir a quantidade de bancos privados nacionais e aumentar a presença de grandes bancos estrangeiros. Mesmo com o avanço na modernização tecnológica nos equipamentos e a maior sofisticação nos serviços financeiros, houve redução de agências e esvaziamento dos bancos nas regiões e setores econômicos menos desenvolvidos. Ao mesmo tempo em que o país caminhou para um sistema bancário de referência global, mantiveram-se ativas as mazelas da inclusão social. O encaminhamento de um novo projeto de desenvolvimento econômico e social deve pressupor o fortalecimento do sistema bancário e financeiro simultaneamente ao cumprimento de metas crescentes de inclusão social no Brasil.
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