"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, abril 16, 2009

Vou ficar desempregado, mas sequestro o chefe

Instituto Humanitas Unisinos - 14/04/09

Uma nova forma de protesto social se estende na França: os trabalhadores começam a tomar os dirigentes de empresas em crise como reféns.

A reportagem é de Antonio Jiménez Barca e publicada no jornal espanhol El País, 13-04-2009. A tradução é do Cepat.

Na terça-feira, dia 06 de abril, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, decidiu entrar na polêmica e se perguntou em voz alta em uma alocução pública: “Mas o que é isto de sequestrar pessoas? Não deixarei que essas coisas aconteçam”, assinalou. Sarkozy se referia à nova forma de protestar de determinados trabalhadores quando se sentem acuados pelo desemprego ou pela demissão: sequestrar os dirigentes da empresa como medida de pressão, como meio para alcançar mais repercussão ou, simplesmente, como mero exercício do direito de espernear.

Tudo começou em março, quando um grupo de trabalhadores manteve refém o presidente da fábrica da Sony França de Pontonx-sur-Adour (Landes), no sudoeste do país, por uma noite inteira. Protestavam contra o que consideravam uma indenização muito baixa do plano de demissões que seria implementado na fábrica. “Não temos muito a perder: já perdemos o trabalho”, se justificou um dos trabalhadores. A moda se estendeu rapidamente em um país que conta com mais de 8% de desempregos e onde o pulular de fábricas que fecham ou que ajustam seu plantel é constante.

Há cerca de duas semanas, frente à demissão de 110 empregados, os trabalhadores da companhia farmacêutica norte-americana 3M em Pithievers (Loiret) tomaram o diretor como refém. Os empregados obrigaram outro executivo de outra empresa a participar junto com eles de uma manifestação.

O caso mais famoso se deu quando um setor da fábrica Caterpillar em Grenoble sequestrou durante um dia quatro diretores da empresa para obrigá-los a desbloquear as negociações pela demissão de 733 trabalhadores. O próprio Sarkozy interveio para anunciar que zelaria para solucionar o assunto. Isto pareceu acalmar os operários, que libertaram os executivos. “Nós somos humanos” disse um deles.

Um outro empregado que participou do sequestro, Patrick Martinez, assegurava há dez dias na televisão com toda a resignação e amargura da crise pintadas em seu rosto de cinquentão de iminente desempregado sem futuro: “Eu não quero sequestrar os chefes. Eu só quero salvar o meu posto de trabalho. E isso é tudo”.

Conforme se estendiam os casos de empresários-reféns e a polêmica tomava conta das ruas, os políticos se pronunciavam sobre o assunto. No domingo passado, a ex-candidata socialista à presidência da República, Ségolène Royal, disse: “Não é agradável que te seqüestrem; é igual a privar alguém de sua liberdade de ir e vir, mas os trabalhadores devem romper por algum lado esta injustiça”.

Martine Aubry, secretária-geral do Partido Socialista francês (PS), acrescentou: “Nenhuma violência que atente contra a liberdade das pessoas está justificada, mas a violência social está sendo exercida com tal brutalidade que pode chegar a explicar casos como os que vemos”. Sarkozy não havia dito nada até a terça-feira, quando lançou a sua pergunta retórica: “Mas o que é isto de sequestrar pessoas...?”.

A resposta chegou a ele ainda na terça-feira à noite: um grupo de trabalhadores da fabricante britânica de adesivos Scapa em Ballegarde-sur Valserine (Ain) sequestrou quatro de seus dirigentes, três ingleses e um francês, para obrigá-los a renegociar as demissões. Mantiveram-nos presos por uma noite. No dia seguinte, os chefes e os trabalhadores se reuniriam no Ajuntamento do Povo, depois que libertassem os diretores e estes se comprometessem a continuar as negociações.

Há sociólogos que acreditam que “o povo está se divorciando das elites”, como afirmava Denis Muzet, ao comentar estes sequestros em Les Echos. As diversas associações patronais assinalaram com muita preocupação a escalada do fenômeno, e lembram: “Independentemente de quem a crise afetar, nunca se pode aceitar o descumprimento da lei”.

Contudo, até agora, nenhum empresário ou executivo denunciou a agressão. Por esta razão, ninguém foi preso.

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