"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

quinta-feira, abril 16, 2009

José Cândido e o ‘Rio Negro’

Por Cel Eng R/1 Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 17 de Abril de 2009

Olha esta água, que é negra como tinta.
Posta nas mãos, é alva que faz gosto;
Dá por visto o nanquim com que se pinta,
Nos olhos, a paisagem de um desgosto.

(Quintino Cunha)

Estamos iniciando o planejamento da 2ª fase do Projeto-Aventura ‘Desafiando o Rio-Mar’. Com o objetivo de iniciar uma metódica preparação intelectual sobre nossa próxima jornada, no rio Negro, no final do ano, vamos publicar uma série de artigos que visam apresentar aos leitores um pouco, dos mistérios e encantos dessa jóia de águas negras. A descida do ‘Rio Negro’, de caiaque, é, também, uma homenagem ao importante escritor da literatura brasileira, Euclides da Cunha, no ano do centenário da sua morte. Euclides foi covardemente assassinado em 15 de agosto de 1909, aos 43 anos de idade.

- Projeto-Aventura ‘Desafiando o Rio Mar’ - 2ª Fase

Percorremos todo o Rio Solimões, de Tabatinga a Manaus, num percurso que superou os 1700 quilômetros, tendo em vista a exploração de afluentes, paranás, furos e lagos ao longo de sua calha. Não atingimos o Mar, como o próprio nome do projeto indica, mas resolvemos que, antes de atingi-lo, devemos percorrer o quarto maior rio brasileiro em vazão: o Rio Negro. Estamos na fase de planejamento e treinamento sem uma data marcada para o início da jornada, tendo em vista que ainda não dispormos dos recursos necessários, da ordem de R$30.000,00 para a execução do projeto.

- José Cândido de M. Carvalho (Rio de Janeiro, 20/03/1983).

“Ninguém se forma zoólogo nos livros".

“Desde a infância a Amazônia me fascinava. Aquela visão longínqua da região, um misto de realidade e mito, fora-me proporcionada pelas leituras de viajantes estrangeiros e brasileiros na Hiléia, sobretudo os naturalistas A. R. Wallace, H. W. Bates e G. Cruls e outros. Influência não menor tiveram em minha mente, as histórias regionais a mim contadas pelo então ex-Diretor da Escoa Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa, Minas Gerais, Doutor José Soares de Gouvêa, um autêntico naturalista amador, que fizera cursos especializados sobre borracha na Inglaterra e teve oportunidade de viver algum tempo em Manaus.

Ao ingressar como naturalista do Museu Nacional, já tendo cursado o Mestrado e o Doutorado em Universidades dos Estados Unidos da ‘América,’ surgiu então a possibilidade de ir à Amazônia e estabelecer um confronto com aquilo que sabia através de livros e histórias, e a realidade animal e vegetal da região. Embora sem os recursos mínimos necessários para tarefa dessa envergadura, apenas com uns poucos cruzeiros na mochila de viagem, mas com uma saúde solidamente comprovada e uma disposição para o trabalho fora do comum, da qual lembro-me com saudades, decidi não esperar por oportunidades futuras. Assim foi que, munido dos parcos recursos que possuía, uma bagagem que não ultrapassava umas cinco dezenas de quilos, de muita resolução e coragem, embrenhei-me pelo Rio Negro.

Levava-me o propósito de realizar observações sobre a fauna, a flora e as populações regionais, coligir exemplares, taxidermizá-los ou trazê-los vivos para o Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, onde exercia cumulativamente a função de zoólogo. Os indígenas existentes na região foram também alvo de minha curiosidade. Pude observar os sistemas de vida, a economia, educação, enfim o universo natural do índio. Impressionou-me e revoltou-me sobremodo a brutal exploração e escravização pelos brancos, ditos civilizados, sobretudo os regatões, através as barganhas mais desleais e injustas.

É preciso que se diga aqui, às gerações de hoje e do futuro, que, em tempos passados, um naturalista que se embrenhasse pelas matas amazônicas, até então virgens e soberanas, teria que viver em pleno equilíbrio ecológico com a região, enquadrado dentro da cadeia alimentar natural. (...)

É comum entre nós o mote de que ‘santo de casa não faz milagres’. Eu, pessoalmente, poderia estender esse dizer aos naturalistas brasileiros que surgiram após o século XIX, quando praticamente se encerrou o ciclo dos viajantes estrangeiros pelo interior do Brasil. Essa impressão me vem à mente quando leio relatos de conterrâneos sobre a Hiléia brasileira, onde apenas naturalistas de terras estranhas são mencionados.

Espero que esta modesta contribuição possa lembrar, aos escritores sobre a Amazônia, que brasileiros, vivendo no Brasil e a serviço de instituições nacionais, também contribuíram para o conhecimento da flora e da fauna hiléianas, percorrendo suas matas, paranás, igarapés, igapós, comendo mixira, bebendo chibé ou cachiri, saboreando farinha com peixe cozido apanhado em mergulhos nos cacuris ou matapis dos in dígenas. Não seria de menos lembrar as vorazes piranhas, os candirus, as picadas dos piuns, catuquins, muriçocas, ca¬rapanãs e mutucas; os morcegos hematófagos e as lendárias boiúnas, representadas pelas grandes sucuris.

Durante sessenta e oito dias tive a ventura de conviver com a natureza e as populações esparsas do Rio Negro, como um ‘doutor botânico’, como ali são chamados os natura¬listas, a ponto de me afeiçoar de modo estreito com a região. Conforme escrevi no fim do meu diário, ‘sozinho, sem doen¬ças ou aborrecimentos, em plena liberdade... nunca pensei que pudesse viver tão primitivamente... espero poder um dia voltar a estas regiões magníficas, onde a natureza certamente imperará soberana por muitas décadas... e a todos... dos quais porventura, ouvir a expressão ‘inferno verde’, irei su¬gerir imediatamente que a palavra ‘inferno’ seja substituída por ‘paraíso’. Sim, ‘Paraíso verde!’.

- Rio Negro, 25/05/1949

“O comandante do ‘João’ é o seu proprietário, José Caminha Pereira da Silva. Esse denodado brasileiro, homem de extraordinária fibra e grande capacidade de trabalho, labuta no Rio Negro a 25 anos, conhecendo todos os seus afluentes e discutindo com acerto os problemas locais e os meios de solucioná-los. Segundo me declarou, as chuvas no Rio Negro começam em abril, sendo a enchente máxima nos meados de junho. Informam os caboclos da região que a água começa a baixar no dia de São João. Essa afirmativa é generalizada em todo o rio. O verão é de julho a março, sendo de janeiro a março a época mais seca, quando é mais intenso o calor. Os temporais são freqüentes, sobretudo nesse período. A região é sadia, muito mais para o Alto Rio Negro. Com a ‘quebra d'água’, surge o impaludismo de maneira intensa, sobretudo nos meses de junho a agosto. A mata alaga-se numa considerável extensão, quilômetros a dentro, principalmente no trecho de Barcelos até Manaus”.

- Rio Negro, 26/05/1949

“Estamos passando por Airão. No meu relógio são 7 horas da manhã. Fizemos excelente viagem, tendo sido atingidos apenas por dois ou três fortes aguaceiros de curta duração, como só acontece nos trópicos. A paisagem torna-se cada vez mais deslumbrante, o rio com uma infinidade de trepadeiras de coloração verde brilhante, com claros aqui e acolá, onde surge uma palmeira ou grupos de aráceas com folhas avantajadas. Por todos os lados impera a mata, soberana e virgem, como que saindo de um mundo aparte, no qual o elemento predominante é a água. No horizonte grossas nuvens ornamentam o céu, desabando curtos temporais de quando em quando. A planície é imensa e a solidão extrema. (...) Airão é atualmente um lugarejo com cerca de 16 casas, na margem direita do rio. Disse-me um morador ali residente há 50 anos, que o local já foi próspero, com 3 casas de comércio e muitas residências. Após a queda da borracha, só restaram essas 16 casas, das quais apenas meia dúzia poderia ter realmente esse nome. Estão reformando algumas delas, fazendo apenas a frente de tijolos, deixando o fundo de madeira mesmo. (...) Mais acima atingimos Carvoeiro, povoado de 12 casas, no momento estabilizado. Fica situado em frente à foz do Rio Jufari, do qual fazem boas referências os locais. Ao contemplar Carvoeiro, lembrei-me de Wallace, que há 100 anos atrás, referindo-se ao local disse: ‘alcançamos Carvoeiro, desolada e semi-deserta aldeia, como são em geral todas as povoações do Rio Negro’. Não seria errado repetir atualmente aquela informação desse naturalista”.

- Rio Negro, 27/05/1949

“Chegamos a Barcelos às 4 horas da tarde, após um tremendo aguaceiro. As chuvas nesta região são fortíssimas, molhando tudo em segundos e deixando seus vestígios estampados na vegetação, residências e embarcações. A cidade é constituída hoje por cerca de 18 casas, já tendo sido sede da capitania por duas vezes, desde sua criação em 1757 até 1791, e de 1799 até 1804. Disseram-me que só a guarnição militar de Barcelos era superior a 600 homens. Hoje, a vida do lugar resume-se na Missão Salesiana e algumas repartições estaduais. Foi aí que, em 1728, foram aldeados pelos carmelitas os índios Manáus, Barés e Baniuas, criando-se, a seguir, a primeira casa de ensino do Amazonas (seminário dos Carmelitas) . Com sua passagem para capital da Capitania de São José do Rio Negro, foram elevadas à categoria de vida as aldeias Mariuá, Bararoa e Itarendaua. No início do seu segundo período como capital, um censo realizado para o Rio Negro dava-lhe um total de 15.480 habitantes”.

- Tapurucuara, 29/05/1949

“Ao banhar-me no rio, em frente à ilha, fui picado duas vezes na perna por algum animal, ficando bem viva e sangrando a ferida onde mordeu. Segundo os moradores do local, aquilo não era outra coisa senão mordidelas de candirus, (Pygidiidae) que se aproveitavam das pessoas no momento do banho para se alimentar. Não senti dor alguma no momento das mordidas, só as descobrindo posteriormente, pelo sangue que escorria das mesmas. Não me foi possível, por mais que tentasse, capturar exemplares desse animal”.

- Rio Negro, 30/05/1949

“Comi, pela primeira vez, uma farinha de peixe denominada piracuí. É feita de peixe moqueado bem torrado, socado num pilão com espinhas e tudo, conservando-se assim em boas condições durante muitos dias”.

- Uaupés, 01/06/1949

“O nome Uaupés é proveniente de Uaupé ou Boapé, antigo tuxaua residente com seu grupo na foz do rio desse nome, no local onde hoje se ergue a povoação de São Joaquim. Esse nome ficou conhecido desde a metade do século XVIII, quando ali chegaram os primeiros bandeirantes do Pará. Uaupé é também o nome de um pássaro, a jaçanã, em língua geral”.

Alexandre Rodrigues Ferreira, na sua ‘Viagem Filosófica pelas capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá’, escreve: “Leio nos diaristas, que o verdadeiro nome do rio Uaupés é Ucaiari, que quer dizer na língua dos Manaus e dos Barés rio de água branca (...)

- Taracuá, 06/06/1949

“Em Taracuá, pela primeira vez ouvi falar em daracubi, ou seja, uma espécie de minhoca que ocorre nas folhas das bromélias durante a estação chuvosa, sendo de tamanho regular e ótima isca para pesca. Os índios retiram as bromélias com as daracubis e dependuram-nas em suas casas ou junto às canoas, utilizando-se das mesmas em suas pescarias durante grande parte do ano. Segundo eles, essa minhoca conhece quando deve abandonar a bromélia, cortando e deixando cair pequenos fragmentos da folha e acompanhando seus movimentos lá de cima. Não pude compreender bem a história narrada com apenas meia dúzia de palavras em português e devo confessar que muito pouco aprendi do tucano, até o presente momento. A minhoca comum recebe, nesta região, a designação de chibui. (...) Vim observar aqui coisas interessantes e que muito me alegraram. Uma delas foi a presença do marimbondo chamado no Xingu de tunú tunú (Stictia signata) junto ao gado da Missão. Observei que eles rondavam constantemente as vacas com o fito de apanhar as mutucas que vinham sugar estas últimas. Às vezes capturam, como observei, mutucas de grande porte, caindo com elas ao solo e dando cabo das mesmas em segundos”.

- Taracuá/Pari, 08/06/1949

“Cabe-me registrar aqui, também, a existência, no Tiquié, como desde o médio Rio Negro, de um peixinho que, perseguido, corre alguns metros sobre a água, tal qual peixe voador, Às vezes dão corridas de mais de 20 metros”.

- Pari Cachoeira, 10/06/1949

“Aproveitei a manhã coletando num trecho da mata alta e sombria. Foram comigo três índios, todos muito lerdos e desinteressados. Pude recolher vários aradidíos e insetos micetófagos interessantes. A seguir, como estivesse inteiramente molhado, vim coletar peixes na cachoeira. Consegui cerca de 21 espécies de peixes miúdos, revistando uma série de matapis dos índios ali colocados. Os índios fazem barragens de um lado da cachoeira, justamente onde o peixe deve subir e ali colocam seus matapis ou jiquis. Excusado será dizer que conseguem seu almoço ou jantar em poucas horas, nesta época do ano”.

- Iauretê, 17/06/1949

“Passei a cachoeira numa canoa remada por 4 índios. Valeu a pena, pois pude verificar bem de perto a perícia e arrojo daqueles homens. Os remos batendo compassadamente nos lados da canoa produzem um som surdo, o que parece dar-lhes mais ânimo. A luta iniciada nas primeiras corredeiras, aos poucos assume aspecto épico, sendo preciso rapidez e máxima energia. As ondas, borbotões ou remoinhos, lançam-se furiosos de encontro à embarcação e não poucas vezes a inundam parcialmente. Lentamente, aos solavancos, vai subindo a canoa, por sobre o abismo, como que desafiando a morte. Os índios, calados, músculos tensos, dão tudo que sua força lhes permite. Pouco a pouco, aproximamo-nos da margem oposta e certo alívio cai sobre todos. Mais uma vitória do homem contra a força bruta da cachoeira, fato esse que nem sempre acontece”.

- Içana, 22/06/1949

“Após uma noite mal dormida em Umiri, chegamos à povoação de Içana às 9 horas da manhã. Ali procurei o Sr. Valentin Garrido, para quem levava um telegrama. Recebeu-me muito bem, servindo-nos café e prestando boas informações sobre a região. Disse-me que na casa em que residia trabalharam Koch-Grümberg e Hamilton Rice durante suas expedições ao Amazonas”.

- Içana/Acutiacanga, 25/06/1949

“Também cabe anotar aqui a autoridade sem par de alguns tuxauas. Na sua oca tudo é feito através de suas ordens ou suas mãos. A ninguém é permitido tratar diretamente com as mulheres ou com os homens da aldeia, sendo de boa ética primeiro consultar o tuxaua ou pedir-lhe que mande fazer isso ou aquilo, mediante tal ou qual retribuição. Está neste caso o contrato de homens para o trabalho de campo ou remo. Nas aldeias onde não haja tuxaua é de bom alvitre tratar com os mais ativos, fato facilmente verificável dando-se uma olhadela em suas residências”.

- Tunuí, 29/06/1949

“Os índios desse local, quase todos banivas, são numerosos e muito tímidos. Conhecem mal o português. Muitos trazem claramente estampadas no corpo as marcas brancas da doença por eles denominada de ‘purupuru’. Esse mal, ocasionado por um espiroqueta do sangue circulante, (Treponema carateum) parece ser responsável, além de outras coisas, por um desequilíbrio da pigmentação da pele, albina nuns pontos e inteiramente melânica em outros, notadamente em torno dos olhos e do nariz”.

- Boca do Içana, 04/07/1949

“Acabada a reza, o tambor rufou nova e fortemente, desta vez em compasso diferente e já dentro de casa. Começou aí a ‘dança do sucurijú’, todos em círculo, caminhando em determinada direção e, de quando em vez, um par entrando no meio da roda e requebrando-se a valer. A dama era obrigada a acompanhar os requebros do homem, sob pena de ser estrepitosamente vaiada. A seguir, dançou-se o ‘macaco’, dança só para homens, na qual, juntando uma perna na do adversário, procura-se derrubá-lo ao chão, tentando elevá-lo o mais possível do mesmo. Primeiro uma perna, depois a outra, sem parar a dança, pulando como macacos, donde lhe vem o nome. Terminada a dança, os componentes da roda fazem um tremendo bolo, juntando-se, com a perna direita erguida, de forma que aqueles que não conseguem penetrar nessa roda acabam também sendo fortemente apupados pelos assistentes”.

- Cucuí, 10/07/1949

“Cucuí foi criada no governo de Floriano para servir como colônia de reclusão para os políticos conspiradores. Hoje, somente resta a lembrança e algumas histórias, não existindo, no local, pessoa alguma ligada a isso. Funciona aqui um posto de fronteira de nosso exército, no momento com 18 homens. Nestes últimos anos parece que o destacamento tem passado por muitas agruras, estando, atualmente, atravessando um período de reconstrução. Fica o lugarejo um pouco abaixo da linha da fronteira, do lado esquerdo do Rio Negro, ao sul da Serra de Cucuí, um pouco acima, já em território venezuelano. Numa ilha bem no meio do rio, existe um marco delimitando as fronteiras do Brasil com a Colômbia e a Venezuela. Dali para cima, a Colômbia fica à direita e a Venezuela à esquerda. A serra é muito visível, tendo grande parte de sua seção mais elevada, nua ou apenas recoberta por vegetação crescente sobre a pedra”.

- Marabitanas, 13/07/1949

“Deixamos Cucui às 9,12 horas da manhã. Levo comigo o Graciliano, meu companheiro desde Uaupés. A viagem de descida foi ótima. Ao passar por Marabitanas, mostraram-me o lugar do antigo forte dos portugueses. Aqui por perto deve ter existido o arraial de Avidá, onde o jesuíta Manoel Romão, superior das missões espanholas do Orinoco, aportou em 1744, trazido por Xavier de Morais. Foi ele o primeiro castelhano a penetrar nestas paragens, demonstrando grande surpresa por não ter encontrado aqui os gigantes que povoaram a região, conforme crença geral entre os índios e espanhóis da Venezuela”.

- Uaupés, 18/07/1949

“Julgo que Wallace não passou do domínio da teoria quando, referindo-se à agricultura local, assim se expressou: ‘quando eu considero a soma excessivamente pequena de trabalho que é necessário nesta região, para converter a floresta virgem em verdejantes pradarias ou em férteis plantações, quase chego a desejar vir para cá com meia dúzia de amigos dispostos para o trabalho a fim de usufruir a região’. Muitos outros também disseram a mesma coisa, porém foram pouquíssimo que tentaram realizar trabalho real, quer criando animais, quer tentando lavouras. Na verdade a coisa é bem outra, bastando ao viajante alguns meses na região para se aquilatar do fato. É o próprio Wallace que, linhas adiante cai em flagrante contradição ao dizer: ‘em toda região do Amazonas jamais foram tentadas coisas como a cultura e a limpeza da terra’. Ao citar os dizeres de Wallace para o Sr. Graciliano Gonçalves, ele deu um sorriso de incredulidade, retrucando: ‘Esse inglês com certeza nunca plantou uma roça’. No período da tarde cuidei da secagem do material já obtido e do seu acondicionamento para a viagem de regresso”.

- Manaus, 28/07/1949

“Pela madrugada atingimos Paricatuba, onde o Rio Negro se estreita tanto que só tem, aproximadamente, um quilômetro de largura. Disse-me o comandante do ‘João’ que a profundidade nesse ponto é superior a 120 metros. Um pouco adiante, a baía do boiuçu, onde são perigosos os banzeiros pela violência que imprimem às ondas. Experimentamos, já ao chegar a Manáus, os efeitos desse fenômeno. O convés do ‘João’ foi varrido pela água e não foram poucas as vezes que os respingos do rebate das ondas nos atingiram. Chegamos ao porto com calor abrasador. Após certo trabalho, consegui um caminhão para levar meus animais até ao aviquário, onde cheguei às duas horas da tarde”.

* Fontes:

CARVALHO, José Cândido de M. - Notas de viagem ao Rio Negro - Brasil - São Paulo, 1983 - Editora GRD.

FERREIRA, Alexandre Rodrigues -. Brasil - Rio de Janeiro, 1971 - Conselho Federal de Cultura.

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