Site do Azenha - Atualizado em 12 de abril de 2009 às 11:50 | Publicado em 12 de abril de 2009 às 11:47
Mais uma vitória boa demais para ser verdade
Robert Fisk, 11/4/2009, The Independent, Reino Unido
Com supostos 90,23% dos votos, Abdul Aziz Bouteflika, 72 anos, presidente da Argélia, conquistou mais um mandato presidencial, terceiro e, nisso, sem precedentes – além de possivelmente inconstitucional –, vitória que provocou tumultos na região berbere do Kabile leste da Argélia e o ceticismo de todos, exceto do mundo árabe.
O parlamento da Argélia foi atropelado para dar a Bouteflika a chance de um terceiro mandato, para que o velho comandante permaneça ao timão de mais um mandato suposto democrático até 2012 quando – sabe-se lá! – talvez arquitete o quarto mandato. Para presidente cuja hospitalização na França há pouco tempo acordou temores sobre sua longevidade, o sucesso talvez funcione como elixir de vida.
Bouteflika com certeza segue o espírito dos processos eleitorais árabes. Em 1993, Hosni Mubarak do Egito "conquistou" 96,3% dos votos a favor do terceiro mandato de seis anos; na quarta vitória, em 1999, foram só 93,79%, o que o aproxima dos tímidos 90,24% de Bouteflika. Deve-se lembrar contudo que o presidente da Argélia foi eleito por modestos 73,8% em 1999 – o que explica que seu ministro do Exterior estivesse ontem tão feliz de ter obtido vitória tão mais ampla.
Claro. Poucos podem sonhar com bater o recorde de Anwar Sadat e seus espetaculares 99,95% de votos no referendo de 1974, no Egito. Saddam Hussein chegou aos 99,96% quando foi eleito presidente do Iraque em 1993 (e ninguém descobriu, até hoje, onde se esconderam aqueles traiçoeiros 0,04%), mas, afinal alcançou a marca dos 100% nas eleições de 2002 – o que cobre Bouteflika de vergonha.
Em 2005, Máhmude Abbas obteve 62,3% de votos e foi eleito presidente da Palestina – o que é quase verossímil –, mas poucos superam os 99,98% de Hafez al-Assad para novo mandato de sete anos na presidência da Síria em 1999. Só 219 cidadãos sírios foram doidos o suficiente para votar contra Assad (ou votar em branco).
A presidência de Bouteflika foi marcada por menor violência na guerra selvagem entre seu governo (o famoso e corrupto "poder") e os insurgentes islâmicos; e uma anistia permitiu que muitos opositores armados do governo se rendessem. Mas a mesma anistia também permitiu que a polícia de segurança argelina escapasse impune dos crimes de tortura e massacre depois de 1992.
Os dois mandatos anteriores de Bouteflika também foram marcados por massivos projetos de construção civil, pagos em larga medida com dinheiro do petróleo e do gás. Enfrentou pouca oposição verdadeira na última eleição. Os argelinos reclamaram que as autoridades locais não forneciam alvarás de construção a quem não apresentasse títulos carimbados de eleitor – o que talvez explique que o governo ontem tenha subestimado a própria expectativa de vitória e previsse cerca de 74% de votos.
Deve-se observar, é claro, que todos os presidentes árabes acima são – ou foram – aliados dos EUA, inclusive Saddam. Bouteflika é mais um "par de mãos confiáveis" encarregado de outro front da "guerra contra o terror" – por mais que a expressão esteja atualmente proibida na Casa Branca.
O artigo original pode ser lido em:
http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/fisk/robert-fisk-another-win-thats-too-good-to-be-true-1667298.html
Robert Fisk, 11/4/2009, The Independent, Reino Unido
Com supostos 90,23% dos votos, Abdul Aziz Bouteflika, 72 anos, presidente da Argélia, conquistou mais um mandato presidencial, terceiro e, nisso, sem precedentes – além de possivelmente inconstitucional –, vitória que provocou tumultos na região berbere do Kabile leste da Argélia e o ceticismo de todos, exceto do mundo árabe.
O parlamento da Argélia foi atropelado para dar a Bouteflika a chance de um terceiro mandato, para que o velho comandante permaneça ao timão de mais um mandato suposto democrático até 2012 quando – sabe-se lá! – talvez arquitete o quarto mandato. Para presidente cuja hospitalização na França há pouco tempo acordou temores sobre sua longevidade, o sucesso talvez funcione como elixir de vida.
Bouteflika com certeza segue o espírito dos processos eleitorais árabes. Em 1993, Hosni Mubarak do Egito "conquistou" 96,3% dos votos a favor do terceiro mandato de seis anos; na quarta vitória, em 1999, foram só 93,79%, o que o aproxima dos tímidos 90,24% de Bouteflika. Deve-se lembrar contudo que o presidente da Argélia foi eleito por modestos 73,8% em 1999 – o que explica que seu ministro do Exterior estivesse ontem tão feliz de ter obtido vitória tão mais ampla.
Claro. Poucos podem sonhar com bater o recorde de Anwar Sadat e seus espetaculares 99,95% de votos no referendo de 1974, no Egito. Saddam Hussein chegou aos 99,96% quando foi eleito presidente do Iraque em 1993 (e ninguém descobriu, até hoje, onde se esconderam aqueles traiçoeiros 0,04%), mas, afinal alcançou a marca dos 100% nas eleições de 2002 – o que cobre Bouteflika de vergonha.
Em 2005, Máhmude Abbas obteve 62,3% de votos e foi eleito presidente da Palestina – o que é quase verossímil –, mas poucos superam os 99,98% de Hafez al-Assad para novo mandato de sete anos na presidência da Síria em 1999. Só 219 cidadãos sírios foram doidos o suficiente para votar contra Assad (ou votar em branco).
A presidência de Bouteflika foi marcada por menor violência na guerra selvagem entre seu governo (o famoso e corrupto "poder") e os insurgentes islâmicos; e uma anistia permitiu que muitos opositores armados do governo se rendessem. Mas a mesma anistia também permitiu que a polícia de segurança argelina escapasse impune dos crimes de tortura e massacre depois de 1992.
Os dois mandatos anteriores de Bouteflika também foram marcados por massivos projetos de construção civil, pagos em larga medida com dinheiro do petróleo e do gás. Enfrentou pouca oposição verdadeira na última eleição. Os argelinos reclamaram que as autoridades locais não forneciam alvarás de construção a quem não apresentasse títulos carimbados de eleitor – o que talvez explique que o governo ontem tenha subestimado a própria expectativa de vitória e previsse cerca de 74% de votos.
Deve-se observar, é claro, que todos os presidentes árabes acima são – ou foram – aliados dos EUA, inclusive Saddam. Bouteflika é mais um "par de mãos confiáveis" encarregado de outro front da "guerra contra o terror" – por mais que a expressão esteja atualmente proibida na Casa Branca.
O artigo original pode ser lido em:
http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/fisk/robert-fisk-another-win-thats-too-good-to-be-true-1667298.html
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