O Governo Federal economizou R$ 370 milhões com a utilização de Software Livre, ao invés de pago. O dado foi gerado a partir de informações da Pesquisa de Software Livre, aplicada em 2008 pelo Comitê de Implementação de Software Livre (CISL). O número é incompleto, pois apenas 62 instituições públicas, das 99 participantes do participantes do programa, responderam o questionário responsável pela medição.
A reportagem e a entrevista é de Juliano Domingues e publicada pelo jornal Brasil de Fato, 23-04-2009.
Software livre é qualquer programa de computador que pode ser usado, copiado, estudado, modificado e redistribuído sem nenhuma restrição.
De acordo com o coordenador do CISL e presidente do ServiçoFederal de Processamento de Dados (Serpro), vinculado ao Ministério da Fazenda, Marcos Vinicius Ferreira Mazoni, a utilização deste tipo de produto, além um fator de economia para o governo, gera um debate sobre sermos, ou não, agentes da evolução, aplicação e preservação de uma tecnologia nacional.
Eis a entrevista.
O número de R$ 370 milhões já é expressivo, mas parece que ele poderia ter sido maior ainda, pois não foram todas as instituições públicas que contabilizaram suas economias. Isso é certo?
Na verdade esse dado é extraído de um questionário colocado na rede, portanto, nós sabemos que muitas outras organizações, que também aturam com software livre, não tiveram engajamento no questionário. Então são dados que ainda não temos. E ainda não temos também outras informações sobre projetos se só que foram desenvolvidos porque se utilizaram da lógica do software livre porque, do contrário, ou seja, caso se tivesse usado software privado, o pagamento de licenças inviabilizaria a implantação a implantação. Nós temos também a introdução do software livre em unidades do governo federal como, por exemplo, a Fundação Chico Mendes que toca todos os projetos dos parques (Unidades de Conservação) e que hoje usa o Expresso da Comunicação (programa do governo voltado para o desenvolvimento da área), e que é um projeto que saiu do zero. Nem se imaginava em fazer isso, caso houvesse a necessidade de pagar licenças para o ambiente de comunicação. Então sem dúvida nenhuma, nós poderíamos ter chegado a um número muito maior, mas como a nossa preocupação é mostrar aquilo que a gente possa provar, nós chegamos a esse número de R$ 370 milhões contabilizando o que seria a compra de licenças para alguns projetos e a sua substituição por software de código aberto. Repito que é verdade que se todos os nossos planejamentos tivessem sido atingidos, nós teríamos um número maior. Mas o importante é que o nosso plano visa avançar com segurança, portanto, é certo que este número vai crescer daqui para frente.
Há alguma estatística que mostre qual seria a economia caso todas as instituições públicas usassem software livre?
O Brasil gasta algo em torno de US$ 1 bilhão por ano, com o pagamento de licenças. Se levarmos em conta que o governo federal brasileiro corresponde a 55% desse mercado, então estamos falando de US$ 550 milhões gastos em licenças. É claro que nem tudo pode ser substituído por software livre, mas esse é o universo de licenças que são pagas pelo país e a gente faz essa simulação. Mas acho que se conseguíssemos substituir até 60% disso tudo por código aberto, já será algo fantástico. Eu não falo em 100% porque há sistemas que realmente devem continuar atuando com software proprietário.
Existe alguma resistência por parte dos órgãos públicos na utilização de software aberto? E, se sim, a que se deve essa resistência?
Há resistência, sim e isso é algo natural. Não é algo forçado por empresários de software proprietário, por exemplo. É algo que simplesmente se deve ao conhecimento que as pessoas têm. Aquele usuário final da tecnologia da informação não é um ativista deste mundo “livre”. Ele é apenas um usuário, um simples trabalhador que precisa de seu conhecimento em tecnologia para trabalhar. Hoje, por exemplo, quando cai uma rede de computadores ou internet, nós ficamos sem condições de trabalho dentro de um escritório. Então não é algo simples, e quando o usuário sente que ele não domina a proposta que é feita de mudança de tecnologia, é natural que ele haja em direção ao que ele acha que é mais seguro. Ou seja, manter essa rede com software pago mesmo. Afinal ele vai ser cobrado pelo resultado final do trabalho dele, não importando se aquilo foi feito com programa livre ou pago. É por isso que, muito mais importante que convencer os nossos usuários finais a mudar, nós temos que estabelecer condições de segurança para que ele realize este processo, para que isso ocorra sem nenhum prejuízo, e sim com ganhos para esta pessoa.
Fale sobre a implantação do software livre como uma alternativa a privatização do conhecimento e como algo estratégico para o desenvolvimento de uma tecnologia nacional.
A tomada de decisão sobre o uso de software sempre aparece para a sociedade na economia que se faz com seu uso, ou seja, como esses R$ 371 milhões. Mas na verdade essa estratégia tem um outro cunho. Nós podemos manter os investimentos no mundo do software, mas não mais em royalties, e sim pagando pessoas e conhecimento. Na verdade o que estamos procurando são elementos que vão além, ou seja, que Estado brasileiro e mesmo empresas privadas tenham controle sobre a evolução da tecnologia. Assim eu não fico mais dependente daquele fornecedor de software que faz uma nova versão do seu produto – muitas vezes inclusive sucateando o meu hardware, e que decide assim que produto eu uso, por quanto tempo eu uso, quantas vezes eu pago e quanto eu pago. É isso na verdade que está em jogo, nós sermos agentes da evolução, aplicação e preservação da nossa tecnologia ao longo dos anos. Os sistemas de grandes corporações, e aí entra o governo, não são sistemas de um ou dois anos, na verdade se usa o mesmo sistema por décadas. Então eu tenho que ter o controle sobre qual software eu vou usar ali dentro.
A sociedade em geral tem que se apropriar disso. Trata-se de uma questão também econômica, pois aí esse dinheiro dos royalties passa a circular dentro do país e assim passaremos a gerar produtos com maior valor agregado. Eu duvido que quem tenha um produto de mercado de dez anos atrás, ainda tenha suporte para a sua operação hoje, e eu estou falando desde planilhas, editores, até sistemas operacionais de dez anos atrás, como é o caso do Windows, por exemplo. Eu gosto muito de usar como exemplo, o caso de Santos Dumont, pois quando ele libera os códigos do Demoiselle, em 1907, ele cria a condição para evolução da indústria aeronáutica, sem pagamento de royalties, fazendo, em vez disso, com que a indústria ganhe dinheiro com a construção de aviões e não com o pagamento de royalties. Por isso essa a grande diferente da tecnologia dele, em relação à dos irmãos Wright que ficou parada. O mundo evolui pelos caminhos onde o conhecimento estava liberado e não por onde ele estava privatizado.
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