Fome. Ela existe dentro de um paradoxo de extrema falta e abundante desperdício. Mas é possível entornar o caldo e cozinhar folhas e talos sem medo do saboroso e nutritivo resultado.
A reportagem é de Leticia Freire, do Mercado Ético e publicada pela Agência Envolverde, 24-04-2009.
A perda de alimentos, na maioria das vezes, ocorre por despreparo das pessoas do ramo da agroindústria e dos consumidores. Na hora da colheita, a uva é arremessada lá do alto da parreira para o chão, sem amortecedor. No transporte, as bananas vêm amassadas pelas caixas de madeira empilhadas umas sobre as outras. Nos centros atacadistas, os abacaxis que vieram amontoados nos caminhões continuam amassados no balcões de venda.
Nos mercados, os consumidores amassam a cebola com as mãos, enfiam a unha no chuchu e quebram a ponta da vagem para checar se o produto tem qualidade. Se o alimento não agradar o exigente comprador, o destino da cebola, do chuchu ou da vagem é o lixo. Ninguém vai querer uma comida amassada ou quebrada, mesmo que ela ainda esteja boa para consumo.
Estudo realizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Centro de Agroindústria de Alimentos mostra que 10% do desperdício no Brasil ocorrem durante a colheita; 50% no manuseio e transporte dos alimentos; 30% nas centrais de abastecimento; e os últimos 10% ficam diluídos entre supermercados e consumidores. ‘‘Todo mundo é responsável pela co-criação dessa realidade de fome versus desperdício”, avalia a nutricionista da ONG Banco de Alimentos, Aline Rissatto Teixeira.
Poder de venda X poder de consumo
É preciso aceitar que a fome e o desperdício de alimentos são dois dos mais relevantes problemas que o Brasil. A partir disso, é possível mudar a realidade.
Por exemplo, o caso dos produtos que não passam no controle de qualidade. Quando eles perdem o poder de venda, vão direto para o lixo, mesmo que ainda possam ser consumidos. “Se os produtos estão embalados, dentro do prazo de validade e não foram violados, eles podem ser consumidos. Esses produtos perdem seu poder de venda, mas não de consumo” explica Aline.
O alimento que teria o lixo como destino constitui-se na matéria prima do trabalho da ONG Banco de Alimentos. É como se fosse colhido pela segunda vez. “Daí o conceito de colheita urbana”, ilustra a nutricionista. Desde 1999 a ONG já arrecadou mais de 3 mil toneladas de alimentos. Ajudando mais de 50 entidades, a ONG conta com o apoio de mais de 50 empresas doadoras de alimentos, além de parceiros e apoiadores da idéia.
Ensinando a pescar
Operacionalmente, o Banco de Alimentos busca onde sobra e entrega onde falta. Os alimentos fornecidos pelas empresas doadoras são distribuídos entre instituições beneficentes cadastradas, possibilitando a complementação alimentar de todas as pessoas assistidas pelas instituições.
Mas se a idéia é combater a fome, é preciso, também, combater o desperdício. A ONG oferece cursos para aproveitar melhor os alimentos. As capacitações técnica gratuitas são voltadas aos funcionários das instituições cadastradas. Para a comunidade em geral a entidade também oferece palestras e oficinas culinárias. “É preciso aprender a diversificar o uso dos alimentos, entender o consumo das partes não convencionais como cascas, folhas e talos. Tudo isso compõe uma parte importante para combater o desperdício e consecutivamente a fome”, reforça Aline.
Em caso de crise, aposte na educação nutricional
O papel da educação nutricional, de auxiliar indivíduos a estabelecer práticas e hábitos alimentares adequados às suas necessidades nutricionais de acordo com os recursos alimentares locais, hábitos alimentares, condição sócia econômico, cultural, antropológica, psicológica e outras, torna-se um elemento fundamental da sustentabilidade.
Em época de crise e aumento no preço dos alimentos conhecer melhor o que se compra e o como se come, ajuda a reduzir custos pessoais, além de ser uma prática boa para o planeta. “Cada vez mais pessoas querem aprender como aproveitar bem e integralmente os alimentos. Isso é bom para todo mundo afinal, não precisamos ser impotentes diante da realidade da fome e do desperdício. Podemos fazer alguma coisa, sempre.”, diz Aline.
Para saber mais:
O Banco de Alimentos, trabalha, efetivamente, desde janeiro de 1999. Seu objetivo é minimizar os efeitos da fome, através do combate ao desperdício de alimentos e promover educação e cidadania.
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