Agricultores do Sul do Brasil colhem na roça as mudanças climáticas que cientistas observam com satélites e outros equipamentos. O frio diminui na Região Sul e produtores de culturas mais vulneráveis, como maçã e ameixa, têm precisado adaptar lavouras para manter a produção. Dados da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) revelam que o oeste do estado (onde se concentram as lavouras) está mais quente e seco e o litoral, mais chuvoso.
A reportagem é de Soraya Aggege e publicada pelo jornal O Globo, 23-04-2009.
A maior produtora de maçãs do Brasil, a Fischer Fraiburgo Agricultura Agrícola, está deslocando suas plantações de Fuji, a variedade que depende de mais horas de frio, e já se prepara para mudanças na Gala, que também tem sofrido com os invernos mais mornos.
— Percebemos as mudanças nos pomares e em nossas medições. O calor tem aumentado muito. Sabemos que o aquecimento é irreversível e já iniciamos as adaptações. Não é possível mais plantar a Fuji nos pomares de Fraiburgo. Transferimos a produção para São Joaquim, que é a cidade mais fria do Brasil. Deslocamos a produção e investimos em variedades mais adaptadas a climas quentes — diz o engenheiro agrônomo João Mena Neto, responsável pela área técnica da Fischer.
Bananas no lugar das maçãs
A Fuji precisa de um total de 600 horas de frio inferior a 7,2 graus Celsius a cada inverno para se desenvolver, e a Gala entre 500 e 600 horas. Porém, as regiões mais adequadas para as maçãs, como Fraiburgo e São Joaquim, registram redução progressiva no número de horas de frio no inverno. O chefe da estação experimental da Epagri em Caçador, Gabriel Berenhauser Leite, explica que a temperatura média mensal, medida em janeiro, subiu 1,3 grau Celsius entre 1960 e 2009. No período de junho e agosto, as horas de frio têm diminuído desde 1971.
Em Caçador o inverno encolheu em 3,8 dias. Isso significa apenas 360 horas de frio inferior a 7,2 graus, sendo que em 1971 a média era de 450 horas de frio. Na cidade mais fria do Brasil, São Joaquim, os efeitos também são notáveis. Caiu de 650 para 500 horas de frio anuais o tempo necessário ao cultivo da maçã. Mas como São Joaquim ainda tem as 500 horas necessárias, a Fischer passou a produzir a Fuji lá.
— Se a temperatura média subir de 1,3 para 2 graus, teremos só 300 horas de frio, no máximo, em todo o meio-oeste de Santa Catarina. Nesse cenário, o clima será propício apenas para outras culturas, como banana — diz Berenhauser.
As mudanças nas macieiras não são percebidas apenas nos frutos. As florações estão antecipadas em cerca de 20 dias.
— Para dar uniformidade aos cultivares que exigem mais frio, é preciso realmente que os invernos sejam regulares. Caso contrário, as flores ganham perfis diferentes e os frutos ficam menores. As geadas tardias, que também têm ocorrido, fazem com que o pêssego e a ameixa abortem a flor e produzam frutos pequenos — afirma o engenheiro agrônomo da Fischer, empresa que tem investido na observação própria do clima, com estações para controle de temperaturas e medição pluviométrica.
O chefe da Epagri, Hugo Braga, afirma que as constatações dos agricultores são justificadas. Com base em estudos climáticos dos últimos 30 anos, ele aponta uma elevação de quase 3 graus Celsius na temperatura mínima. Ele também constatou uma tendência de aumento das chuvas e, paradoxalmente, dos períodos de secas.
— Até 1975, era muito raro chover 100 milímetros em um dia. Hoje vemos isso acontecer em quase todos os meses, principalmente na região litorânea do estado. Em novembro passado, tivemos mil milímetros em Blumenau. No oeste, onde está a maior parte da agricultura, ocorrem mais secas. Há uma dicotomia no estado hoje, causando prejuízos tanto no litoral quanto nas lavouras em geral — afirma Braga.
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