A crise econômica internacional não atingiu apenas o Brasil com a maior queda mundial das Bolsas de Valores — já chegou a 50% este ano — ou com as perdas das empresas, especialmente as exportadoras, que tentaram especular contra o dólar na crença do real forte. Graves danos colaterais atravessaram o Atlântico e vieram pegar desprevenidos dois dos maiores emblemas da gestão lulista: o petróleo do pré-sal tornou-se da noite para o dia inviável economicamente, e o etanol perdeu sua atratividade, tudo por conta da queda do preço internacional do barril de petróleo, cotado hoje abaixo dos US$ 70, preço, aliás, previsto para todo o próximo ano.
O comentário é de Merval Pereira e publicado no jornal O Globo, 25-10-2008.
No quesito pré-sal, que o presidente Lula pretendia transformar em seu carro-chefe na campanha presidencial de 2010, não bastasse o preço do petróleo, só a dificuldade de conseguir financiamento para a caríssima operação de perfuração já tornaria o empreendimento de difícil execução a curto prazo, como planejava o governo.
O preço do barril de petróleo caindo aos níveis em que estão tornaram o petróleo do pré-sal uma radiosa promessa para tempos mais propícios.
O próprio governo, através de seu ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, já havia anunciado que o barril do petróleo abaixo de US$ 80 não justificaria economicamente o empreendimento.
Os testes em 2010 em dois poços do pré-sal no campo de Cachalote, em plena campanha eleitoral, mantidas as condições econômicas, servirão apenas para a foto do presidente Lula com o macacão amarelo e a mão suja de petróleo, da mesma maneira que quando comemorou a auto-suficiência brasileira do petróleo, que só existe na teoria.
Na prática, continuamos tendo que importar óleo leve e desde 2006, o ano do anúncio oficial da auto-suficiência, continuamos tendo déficit.
Em agosto deste ano, por exemplo, o país importou nada menos do que US$ 818 milhões em petróleo.
Com relação ao etanol, para nosso desconforto, quem está mais empenhado em rever os subsídios dos produtores americanos é o candidato republicano John McCain, que, tudo indica, não vai ganhar.
No último debate presidencial, McCain se referiu ao etanol produzido no Brasil com base na cana-de-açúcar, e prometeu que cortaria a tarifa imposta à importação do produto brasileiro “porque distorce o mercado”.
De fato, o custo subsidiado da produção do litro de etanol de milho é de US$ 0,30 nos Estados Unidos, enquanto o de cana, sem subsídios, no Brasil, é de US$ 0,22. Brasil e Estados Unidos detêm cerca de 70% da produção mundial de álcool, e outros produtores são Índia, China, África do Sul e União Européia.
Tanto os Estados Unidos quanto a França, o quinto maior produtor mundial de etanol, fazem seu combustível com outros produtos que não a cana-de-açúcar — os EUA do trigo e milho, e a França da beterraba —, mas ambos os países têm que dar fortes subsídios para tornar o produto economicamente viável.
O forte lobby dos produtores americanos foi enfrentado por McCain durante a campanha, e ele não teve receio de defender o fim do subsídio até mesmo em Iowa, onde a produção americana tem seu centro. A ponto de um senador do estado, o republicano Charles Grassley, ter enviado uma carta ao presidente George W. Bush, na ocasião em que foi assinado um protocolo de cooperação entre Brasil e Estados Unidos, dizendo que não compreende por que o país usa o dinheiro do contribuinte americano “para encorajar a produção de etanol em outro país”.
McCain afirmou também que cortaria os subsídios à agricultura, outra demanda dos países emergentes nas discussões da Rodada de Doha para abertura comercial internacional.
O economista Adriano Pires, consultor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, considera que uma das principais conseqüências da crise, a queda no preço do petróleo, representará em países como os Estados Unidos queda no preço da gasolina e dos demais derivados de petróleo, e comprometerá mais uma vez o mercado das energias alternativas ao petróleo.
“A não ser que o novo presidente americano se convença de que não se deve permitir que a crise retroceda todo aquele processo que já estava acontecendo no mercado americano de venda de automóveis com menor consumo de combustível, preocupação com o meio ambiente (CO2) e com a segurança energética”, ressalva ele, mas sem muita esperança.
“As empresas produtoras de etanol de milho nos Estados Unidos estão dando gigantescos prejuízos. O Bill Gates é um dos investidores que mais perderam. Tudo isso me leva a crer que, além de um maior protecionismo, característica de todo governo democrático, o grande problema do etanol brasileiro no mercado americano é o de como o novo governo americano vai elaborar a política energética num cenário de preços declinantes do petróleo”, diz Pires.
Também o empresário e diplomata Jório Dauster, presidente da Brasil Ecodiesel, produtora de mais da metade do biodiesel do país, lembra que, “embora McCain mereça crédito por defender o acesso livre do etanol brasileiro ao mercado americano, não creio que, se chegasse à Presidência, poderia impor a um Congresso ainda mais fortemente dominado pelos democratas o fim imediato das taxas exorbitantes aplicadas ao produto brasileiro”.
Infelizmente, analisa Dauster, “as práticas protecionistas tendem a ser exacerbadas não tanto devido à crise financeira como tal, mas por conta da recessão que está chegando em seu bojo”.
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