A crise é severa e testa, dia-a-dia, a capacidade de reação das economias. A resposta do Banco Central (BC) tem sido rápida, mas há quem espere um pouco mais da autoridade monetária. Nos últimos dias, esta coluna ouviu opiniões de analistas e ex-integrantes do BC. A maioria aplaude o que tem sido feito, mas sugere novas medidas. Outros acham que a instituição poderia ter atuado, antes da explosão da crise, sobre a jogatina cambial, que pode ter chegado a US$ 50 bilhões.
A reportagem é de Cristiano Romero e publicada pelo jornal Valor, 29-10-2008.
O aspecto mais grave da crise para o Brasil, até agora, são justamente os contratos de empresas exportadoras com derivativos cambiais. Já se sabe que não se trata de um problema exclusivamente brasileiro. Esses contratos também foram feitos, por exemplo, no México e na Coréia, países que, a exemplo do Brasil, estão sofrendo muito com a turbulência. As moedas dessas economias estão se depreciando de forma semelhante ao real.
A crise financeira internacional não começou em setembro. Na verdade, eclodiu em agosto do ano passado, quando os bancos americanos anunciaram os primeiros prejuízos decorrentes de operações com crédito subprime. Nos meses seguintes, a liquidez começou a encolher naquele mercado e também no europeu, obrigando os bancos centrais a reagirem de forma coordenada. No momento seguinte, o custo de captação no mercado interbancário dos Estados Unidos e da Europa cresceu de forma acelerada. A liquidez empoçou.
Enquanto isso, no Brasil, a oferta de crédito bancário, inclusive, com recursos captados no exterior, seguiu batendo recordes sucessivos. Entre janeiro e setembro, segundo dados oficiais, o crédito total da economia avançou 25% - 37,1% em 12 meses! A expansão mais rápida ocorreu no crédito corporativo - aumento de 44,3% em um ano, face a um crescimento de 29,7% na modalidade para pessoas físicas.
Chama a atenção o fato de que isso aconteceu em meio à crise internacional, e a seus reflexos sobre a liquidez no mundo, e à elevação dos custos dos empréstimos no mercado interno. Os juros aumentaram aqui por causa da subida da taxa básica de juros (Selic), a partir de abril, e de outras medidas adotadas pelo BC para controlar o excesso de liquidez.
Desconfia-se que parte dessa expansão dos empréstimos às empresas decorreu das operações com derivativos cambiais. No momento em que o custo do crédito estava crescendo, alguns bancos ofereceram dinheiro mais barato, mas desde que os tomadores concordassem em levar junto o que o ex-ministro Delfim Netto chamou de "hedge tóxico". "Se for isso, essa exposição cambial das empresas está mais disseminada na economia. O anedótico nos diz que alguns bancos foram mais agressivos na oferta desses produtos", diz um analista experiente.
Nos 12 meses até setembro, o volume de crédito com recursos externos cresceu 30%, abaixo dos 48,2% registrados na modalidade com recursos domésticos. Analistas do banco Credit Suisse calculam que, do crescimento total do crédito em 2008, 59% foi feito com empréstimos a taxas flutuantes. Nessa modalidade, estão os financiamentos indexados a derivativos cambiais. "Por aqui, temos uma indicação (ainda que imprecisa) de como este instrumento alavancou o crescimento do crédito a pessoas jurídicas, num momento em que o funding já estava mais caro", pondera o último relatório semanal do banco.
Fontes do BC sustentam que o aumento do crédito oriundo de operações com derivativos cambiais não foi significativo. Essa forma de crédito teria ajudado a substituir, em 2008, instrumentos de captação que desapareceram na poeira da crise - IPOs (sigla em inglês para ofertas públicas iniciais), lançamento de debêntures e ações. Derivativo é um instrumento eficiente do mercado para fazer "hedge". Não é regulado pelo BC, mas pela Comissão de Valores Mobiliários, que somente agora, depois do estouro da boiada, decidiu obrigar as empresas de capital aberto a informar essas operações ao público.
Péssima governança de um lado e ganância exagerada dos bancos do outro tornaram a crise internacional mais grave para o Brasil do que deveria ser. O BC insiste que não tinha nada a fazer, que sua responsabilidade é zelar pela saúde do sistema financeiro, mas um ex-dirigente acha que a instituição poderia ter dado uma espiada, na medida em que muitas empresas tomaram recursos na modalidade duplo indexador, "outra idéia maluca". "O BC talvez pudesse ter dado uns puxões de orelha ao longo do caminho", comenta essa fonte.
Fontes do Banco Central alegam que a maioria das operações com derivativos não foi feita no país, mas no exterior, fora do controle das autoridades brasileiras. Do ponto de vista de volume, argumenta-se, os contratos não chamavam a atenção.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que as operações com derivativos somaram cerca de US$ 20 bilhões. Na verdade, ninguém sabe ao certo, mas uma fonte qualificada estima que o valor de face das opções feitas pelas exportadoras gira em torno de US$ 50 bilhões. Este é o fantasma que assombra hoje o Brasil. A solução, no caso das exportadoras, é alongar as opções (por exemplo, de um para três anos), de forma a harmonizá-las com o fluxo de receita em dólar das empresas. Isso interromperia a corrida ao dólar. A partir daí, o problema vira uma questão de liquidez dos bancos, principalmente, dos pequenos e médios, que captam no atacado e ficaram a ver navios desde o agravamento da crise.
"Aqui, o BC poderia ter feito mais e mais rápido. Aliás, ainda pode. Aliás, deve", diz um especialista insuspeito. A recomendação é a redução a zero do recolhimento compulsório sobre depósitos a prazo, dos quais vivem os bancos pequenos e médios. "Acho que isso daria conta do problema", assinala a fonte.
O BC tem liberado parte desse compulsório, mas em boa medida atrelando a flexibilização à compra, pelos grandes bancos, das carteiras de crédito dos menores. "Se tiver banco em apuros, que vá ao redesconto. Se quebrar e o problema for sistêmico, reedite-se o Proer, em vez de vender o mico para o Banco do Brasil, sem punir os donos", observa um ex-diretor do BC.
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